Índice de Capítulo


    — Você está bem? — falou Seven. — Estava tremendo, suando frio, respirando rapidamente.

    — Está tudo bem comigo — respondi.

    Era melhor que ficasse assim, queria manter a distância que podia.

    Me levantei, como se nada tivesse acontecido. Arrumei minhas coisas rapidamente, colocando o capuz de meu casaco felpudo.

    Ela se levantou logo após, chegando ao meu lado.

    — É… Daiane, não é?

    — Sim, sou.

    — Não se force demais, você provavelmente vai acabar preocupando alguém assim.

    Essas palavras saíram de sua boca com dificuldade, podia supor pelo jeito que agia. Não era a primeira vez que alguém falava isso para mim, mas com certeza foi uma das primeiras em que senti o mínimo de sinceridade.

    — Você não precisa agir desse jeito comigo. Apenas siga seu rumo.

    Frases duras, que sinceramente não me importava de falar nem um pouco. 

    Qualquer coisa que saísse da minha boca, sendo algo bom ou não, iria ser entendida de forma errada.

    — …

    Ela se calou imediatamente, algo esperado para mim.

    Seus olhos eram iguais aos de Jade, e essa característica me intrigava muito. Mas não queria tomar o tempo dela apenas com perguntas desnecessárias, já havia conseguido o que queria, afinal.

    — Pode dormir o quanto quiser aqui — disse.

    — Não, não! Eu não queria lhe incomodar assim. Se eu soubesse que você usava esse local para descanso… — respondeu-me desesperadamente.

    — Está tudo bem, eu não uso esse jardim mesmo. 

    Uma mentira óbvia, apenas para não estender a conversa.

    A última que eu quero é o herói de Azaleia sumindo, e por minha culpa. O dinheiro está escasso, e com aquele maldito cardeal sugando tudo, fica difícil administrar toda a cidade.

    Coloquei minha mão dentro da bolsa, puxando um pequeno doce que havia conseguido mais cedo. Era o meu preferido, sabor morango.

    — Aqui, tome. — Estendi minha mão para ela.

    Seven pegou o bombom com cuidado, como se temesse por algo meu. E após dar a ela, virei-me na direção contrária, indo embora. 

    — Eu vou retribuir, viu! — gritou Seven.

    Não olhei para trás e nem respondi, apenas andei pela porta da igreja. 

    Os corredores não pareciam tão infinitos após tanto tempo no local. Toda a ornamentação clara e limpa apenas atrapalhava a visão de quem passava. 

    As poucas freiras que ali restavam passavam por mim com desdém. Elas nem escondiam mais seus olhares, apenas murmurando entre si. 

    Então, apenas peguei mais um doce de morango e o coloquei na boca. 

    Após chegar à grande escadaria, a desci com cuidado, pousando sobre as estradas de Azaleia em pouco tempo.

    Por sorte, o tempo havia melhorado. Mas ainda não era o suficiente para o Cardeal sair de sua mansão. Então, decidi ir até sua casa, localizada fora da cidade. 

    Não era a primeira vez que fazia isso, então apenas antecedi seu ato futuro. A carruagem estava me esperando logo perto da entrada, e o cocheiro estava visivelmente irritado.

    — Ei, sua pirralha! Você me fez esperar tanto tempo para nada? Suba logo! — gritou.

    Eu não me importo com isso.

    Eu definitivamente não me importo com essas frases.

    Subi sem falar nada, apenas aguentei todas as suas frases de maldição. Sempre do mesmo jeito que imaginei, limpa e bonita como havia pedido.

    — É sempre ela… Essa pirralha que eles consideram de santa […] — murmurava, mas não fazia nenhum esforço em esconder suas palavras.

    Mas, diferente do solicitado, o cocheiro foi rapidamente para as estradas. Um movimento brusco que eventualmente me fez cair dentro da carruagem.

    Não reclamei, nem contestei.

    Me levantei, sentando-me elegantemente em meu assento. 

    Os cavalos trotavam feito louco, equiparáveis com seu mestre. Me segurava na cadeira, tentando evitar ao máximo que desse de cara com o chão novamente.

    A quase falta de qualquer apoio para os braços me incomodava, mas não o suficiente para pedir por outra carruagem.

    E assim que o veículo chegou na estrada nevada, os cavalos começaram a diminuir seu ritmo.

    — Saia logo da minha carruagem! — disse Adrien, o cocheiro. 

    Talvez eu devesse dar um aumento para ele, porque dessa vez ele chegou muito mais longe do que imaginava. 

    Saí da carruagem em silêncio, apenas indo para a parte da frente.

    — Ao final da tarde, me busque aqui. 

    — Tá, tá. Tanto faz — resmungou.

    Mesmo que fosse pago para me deixar à frente do castelo de Fábio, o cardeal, isso nunca acontecia.

    Está tudo bem.

    Eu estou acostumada.

    Respirei fundo, pensando em todo o caminho que haveria de fazer. O caminho, coberto pela neve alta, se inundava também da vegetação que ali habitava. A cada passo que dava, era como se tivesse pisando em um ninho de cobras.

    Calafrios percorriam a minha espinha, as sensações de estar sendo observada eram constantemente sentidas por mim e o medo do que poderia ocorrer comigo era iminente. 

    A mansão aparecia em meu campo de visão, bem pequena, mas estava ali. Seu aroma chegava às minhas narinas, um fedor indescritível de sangue podre.

    Suas paredes vívidas, em minha visão, eram recheadas de vinhas. Seus pilares tão belos eram como os de uma cidade abandonada.

    E… seus guardas, tão formosos, eram como um exército esquelético.

    Ao me aproximar, os guardas rapidamente arrumaram suas posições. Me olharam como se eu fosse uma invasora, mas dessa vez não os culpava.

    Abaixei meu capuz, me revelando para eles. 

    E a sua reação, já esperada, foram pequenas risadas. Mas, sem ligar para isso, eventualmente eles me deixaram entrar na mansão.

    Estilosa, elegante, nobre.

    Mas apenas saber quem morava naquele local me dava ânsia de vômito. 

    Passei pelo pequeno jardim, que, naquele momento, estava sendo cuidado por uma mulher. Me aproximei sem que ela percebesse, colocando minha mão sobre seu ombro.

    — Olá? — falei.

    Ela tomou um pequeno susto com minha aparição repentina, mas se levantou ao perceber minhas roupas.

    O cheiro de seu sangue era doce.

    — S-santa! — respondeu-me.

    Seus cabelos verdes e o pequeno óculos redondo marcavam sua aparência. As roupas sujas de terra e a sua mão, segurando uma tesoura, eram coerentes com uma jardineira.

    Ela retirou as luvas que vestiam e logo estendeu para um aperto de mão. E, coçando sua cabeça, esperou minha resposta.

    — Não precisa de tantas formalidades. — Retribuí o aperto. — Qual o seu nome? 

    — Amélia! Eu me chamo Amélia. Prazer em conhecer você, Santa Daiane.

    Parecia apenas ter ignorado meu pedido.

    Ela era engraçada. 

    Seu jeito atrapalhado atiçava a minha curiosidade.

    — Será que você pode me acompanhar nessa minha passeada pela mansão? — perguntei.

    Ela logo se desesperou.

    — Logo eu… uma plebeia!? Que desrespeito seria para a Santa! — falou Amélia, gaguejando.

    Imaginava a sua resposta.

    Eu estou acostumada.

    — Tudo bem. Apenas volte ao seu trabalho.

    Me virei, andando um pouco.

    — E-espera! Eu posso mesmo lhe acompanhar? — gritou.

    Inesperado.

    Olhei para ela e seus olhos apenas demonstravam admiração.

    Mas para quem?

    Para mim?

    Impossível.

    — …Claro — Apenas respondi involuntariamente.

    Ela colocou as suas ferramentas em uma bolsa que carregava. Sua tesoura, luvas, avental, sementes. Parecia pesada e, ao mesmo tempo, cheia de história.

    E, vestindo a bolsa na lateral de seu corpo, correu até mim.

    — As flores podem esperar! 

    Era uma nova sensação, e ao contrário de todas as outras, sentia meu coração esquentar.


    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (2 votos)

    Nota