Índice de Capítulo


    Cambaleava pelos corredores da mansão de Fábio, sem rumo exato. As portas que antes rangiam meu nome, agora apenas davam risadas de mim.

    Os candelabros acesos que antes queimavam meu rosto, agora faziam o formato de uma caveira. Musgos e vinhas adentravam todos os cantos, mas sabia que eram apenas uma fantasia de minha cabeça.

    Meus passos estavam lentos, sem qualquer interesse de continuar a dar o próximo. Os fortes odores de sangue apenas arruinaram completamente o meu nariz. Seus cheiros eram horríveis, comparados ao mais absoluto esterco.

    Mas, como sempre, a pessoa banhada em lama fui eu.

    Era tudo tão grande.

    Estava realmente assim como cheguei?

    A porta era grande o suficiente para empilhar mais de três vezes a minha altura, e não chegar ao final dela.

    Estava envergonhada.

    Estava machucada.

    Estava…

    A melhor ação que pude fazer nesse momento foi pegar uma bala de morango em minha bolsa. Ela, pelo menos, não poderia me desprezar.

    Olhando para os itens que continuaram na bagagem, pude ver alguns papéis que não consegui apresentar para o cardeal e…

    — Uma poção de cura. — Apertei forte as alças da minha bolsa, segurando o choro.

    Ignorei o pequeno frasco, fechando o compartimento.

    Meus próximos movimentos foram simples.

    Abri a porta, dando de cara com a fonte que ficava na entrada. A minha visão daquela estátua era muito amedrontadora. Parecia um cavaleiro, que em sua mão segurava sua espada apontada para mim.

    Minha consciência sabia que aquilo era apenas uma alucinação, mas meus olhos diziam outra coisa. 

    Engolia seco.

    Uma eternidade estava se passando, e eu apenas cambaleando. Enxugava os meus olhos com um pequeno lenço, que logo joguei fora por seu uso excessivo.

    Os pássaros que ali estavam eram muito familiares. Já os tinha visto em outras ocasiões, principalmente em funerais.

    Abutres.

    Eles eram reais? Já não sabia mais.

    Apenas um pequeno amontoado me observava de longe. Seus grunhidos eram alegres, como se tivessem encontrado a presa perfeita.

    Mas quando pisquei, sua presença já havia desaparecido.

    Estava certa, eles simplesmente não existiam. Talvez devesse tomar meus remédios assim que pisar em Lótus.

    Os degraus, tão pequenos, me faziam ter medo de pisar neles. E estava certa mais uma vez. Ao colocar meu pé, logo desequilibrei, caindo no chão de uma vez.

    A sorte não estava comigo hoje.

    — Santa! 

    Ah…

    Era você então.

    Ela estendeu sua mão.

    Mas não respondi.

    — Santa, por favor! Levante-se logo! 

    Cale a boca.

    Não me olhe assim.

    Não me olhe quando estou tão debilitada.

    Escondi meu rosto com o capuz, tentando evitar chamar mais atenção. Algo impossível, visto que minha identidade já havia sido revelada.

    Minha visão embaçada não deixava eu enxergar seu rosto. 

    Afinal, eu realmente sei como era seu rosto?

    Não lembrava. Nem ao menos notei.

    Sua aparência turva me deixava confusa e tonta.

    Seu rosto lentamente se transformava em abutres e, ao mesmo tempo, se transformava em várias outras pessoas que um dia me fizeram mal.

    Aquele embaralhamento de faces apenas me deixava com nojo. Nojo de seus olhos, nojo de seus narizes, nojo de seus cheiros e… nojo de mim.

    Todo o ambiente deformado se aglomerava em uma grande multidão alegre. Os olhares e risadas, direcionados a mim, não me atingiam. O grande público batia palmas, colocando ainda mais força em suas gargalhadas.

    O ambiente fora disso era inalcançável para mim, algo com que já estou acostumada. Não podia chorar, afinal esse ato não era compatível com o de uma santa.

    — Aqui, olhe — disse Amélia, enquanto tirava algo de sua bolsa.

    Uma pequena luz iluminou meu rosto. Em sua mão, Amélia tinha uma pequena flor, uma pequena flor de lótus.

    Fiquei surpresa.

    Agora podia ver a sua face, iluminada pela planta. Seus olhos coloridos como uma noite estrelada pareciam penetrar o mais fundo de minha alma.

    Mas por quê? Eu? Não mereço nada disso.

    — Você… quer ficar com isso, santa? — Admirada com sua ação, aceitei a planta sem falar nada.

    Era o primeiro presente que havia recebido na vida. Era sincero.

    O cheiro vindo de Amélia me lembrava as flores, e mais uma vez, a enxergava como elas. Tão pura e bela, espalhando o seu admirável odor por quem passasse. 

    Quem dera se eu fosse assim. 

    Se eu pudesse, pararia de criar espinhos em meu caule.

    Ela não parecia ter notado nenhum hematoma, e eu agradecia por isso. Seus olhos, apenas voltados para minha face escondida, me deixava… alegre.

    O tempo passava, e eu simplesmente não percebia. Até quando notei o horário.

    Escurecendo. O sol estava partindo.

    O desespero era óbvio, afinal o cocheiro deveria já estar me esperando. 

    Amélia se levantou, algo que tentei impedir com palavras, evidentemente falhas. Então, apenas puxei a ponta de sua calça.

    — Ah, oi? — Ela virou-se.

    — Amélia — murmurei.

    — Sim, sou eu mesma, santa.

    — Se você não quiser mais ficar aqui… Sempre será bem-vinda no templo — disse, com dificuldade.

    Seu rosto imediatamente fechou.

    Ah…

    Cometi outro erro. 

    Por um segundo, deixei-me levar. Esqueci completamente de minha Dádiva, que mais uma vez estragou tudo.

    Eu tenho nojo dela.

    Se eu tivesse nascido normal, como todas as outras pessoas.

    Seus olhos não brilhavam mais como estrelas, e a minha visão havia fechado. Apenas enxergava uma grande estrada reta, indicando para seguir em frente.

    Você só tinha virado mais uma em minha visão.

    Amélia havia perdido sua cor, e seu rosto um pequeno abutre apareceu no lugar.

    — ██████ ███ ████████████!

    Não sabia mais a diferença do imaginário para o real. Meus sentidos estavam confusos, misturados, embaralhados.

    Ouvia rangidos de portas ao longe, murmúrios por todo o palácio, os fortes ventos frios citando os meus pecados.

    Corri para fora da mansão, sem me importar com quem tivesse tentado me chamar.

    A estrada fria que seguia para fora do local era arrebatador. Um alívio surgia dentro de mim.

    Não parei, nem por um segundo. Mesmo que coisas que minha bolsa caíssem, não olhava para trás, pois sabia o que me esperava.

    Os troncos de árvore caídos no caminho serviam de impulso para mim. Abracei o vento, me sentindo libertada. Correr assim era divertido, definitivamente algo que deveria fazer mais vezes.

    Passar entre obstáculos, pular através de árvores. Talvez eu devesse abandonar tudo e fugir para algum lugar abandonado.

    Mas essa liberdade foi algo que não demorou tanto.

    — Ah… ele não está aqui.

    Imaginei que o cocheiro não apareceria. O horário havia passado, e eu me atrasado muito mais. A sensação de querer só cair na neve e aguardar o pior era grande.

    Meus pés doíam, seja por apanhar antes, ou seja, por ter corrido como se não houvesse o amanhã. Mas independente de qualquer uma das opções, eu ainda teria que voltar andando para Lótus.

    E apenas de pensar nessa possibilidade, os mesmos sintomas apareceram novamente. Mas dessa vez eu não me deixei por vencida, superei o peso que tinha em meus pés.

    Azaleia era grande, mas não o suficiente para me perder rapidamente. Demorou bastante até que eu chegasse a pé na igreja, mas concluí meu objetivo antes de chegar a hora da janta.

    Em todo o meu caminho, encontrava aqueles pássaros. Os via em pessoas, catando migalhas ao meu lado, olhando para mim por cima de estruturas.

    Mas não me importava. Eu estava alegre o suficiente com apenas o pequeno momento de liberdade que tive.

    As escadarias de Lótus não eram um problema tão grande comparado ao que passei. Então seus degraus foram facilmente derrotados pela minha força de vontade.

    — Daiane? — Escutei a voz de Seven.

    Estava na frente da porta de meu escritório, quase entrando, quando fui chamada a atenção. Girava a maçaneta em desespero, querendo abrir a porta naquele instante, mas por algum motivo não funcionava.

    Ela chegava mais perto, e ao chegar, colocou a mão sobre meu ombro. Esse mesmo ato despertou um certo gatilho em minha cabeça, da qual empurrei ela imediatamente para longe.

    Você era igual a todos os outros para mim.

    Não consegui olhar em seu rosto para ver sua expressão. Mas qualquer que seja, seria ruim.

    A porta de meu escritório se abriu, e Seven impediu imediatamente a minha entrada. Ela me puxou pelo braço, olhando diretamente para meus olhos.

    — Se acalme, por favor! — disse ela.

    — …

    Ela percebeu imediatamente o que havia acontecido. Mas, sem questionar nada, me levou para dentro de minha sala.

    — Você tem alguma caixa de remédios aqui? 

    Tenho.

    Uma poção dentro de minha bolsa.

    Mas, apontei para a gaveta de minha mesa.

    Ela logo veio com uma caixinha de primeiros socorros para perto de mim. Mas primeiro, me sentou no sofá que ali tinha.

    — Por favor, mostre-me suas feridas — falou calmamente.

    Eu não queria que ninguém me visse dessa forma. Mas do jeito que você falava…

    Levantei lentamente a minha blusa, mostrando para ela os hematomas. Seven apenas demonstrou que sentia pena, mas ainda não questionou nada.

    Essa sua pequena ação demonstrava consideração comigo.

    Ela começou a pegar as bandagens e os analgésicos da caixa.

    — Seven — murmurei.

    — Pode dizer.

    — Você é um herói, não é?

    — É o que dizem para mim, e até mesmo você, o que aconteceu?

    — Não… nada. Só fiquei curiosa em saber quais Bençãos você tem.

    — Falando nelas, eu acho que… — Deu uma breve pausa. — HefestoFantasia e Psyche.

    E naquele momento eu tive certeza de uma coisa.

    Seven, eu espero que me perdoe pelo que vou fazer.

    Pode me odiar, está tudo bem. 


    Por que tive que lembrar disso agora? 

    — Seven, eu quero que olhe para as paredes.

    Assim que ela prestou atenção, pode enxergar milhares e milhares de nomenclaturas. 

    — O que são esses nomes? — perguntou Seven.

    Demorou muito tempo para que isso fosse feito.

    — São nomes de Bençãos, Seven. Todas elas.

    Meus estudos sempre indicaram que apenas uma pessoa por vez pode obter certo poder divino. E caso essa pessoa morra, o poder será passado para um recém-nascido.

    Mas dessa vez isso não vai acontecer.

    A Condessa não vai atrapalhar a vida de mais ninguém. 

    Como eu sei disso?

    — Tem milhares aqui — disse Seven.

    — Dois milhões, para ser exato. 

    — Espera, como você sabe disso?

    — Eu escrevi elas, Seven. Uma por uma.

    — Uau. Isso é realmente impressionante.

    Me desculpe.

    Puxei uma adaga, que havia trago dentro da minha roupa. E […]


    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 96% (5 votos)

    Nota