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    Não havia neve e nenhum indício de algo parecido. Aquele lugar não era o norte.

    Todo aquele movimento que passei foi para me levar até aqui? Suponho que deva estar muito longe daquela que um dia me traiu.

    Nada foi explicado…

    Era para eu ter lido a maldita carta! Que droga. Talvez nela estivessem algumas coisas importantes, ou até um aviso de que isso ia acontecer.

    Meus olhos se enchiam de lágrimas após pensar no que já havia ocorrido. Tudo dói. Eu preciso fazer essa dor parar.

    Limpei mais uma vez as lágrimas com minha mão. 

    Tenho que deixar no passado. 

    O tempo vai curar tudo isso… Ele vai, eu acredito.

    Agora estou livre, livre pra ir aonde eu quero. Mas… o que eu quero? Eu não sei.

    Perdi o interesse em tudo.

    Não tenho rumo… não tenho nada.

    Então, por que devo continuar insistindo em minha sobrevivência? Odeio tudo isso.

    Cansaço.

    Cheguei mais perto da mulher que trouxe comigo. E, sendo bem sincera, não sei mais o que fazer com ela. 

    Do lado de fora, ela não tinha mais nenhuma utilidade, a partir daqui era apenas eu fugir que estava tudo certo.

    Mas essa sensação no meu peito ainda incomodava bastante. Talvez… ela estivesse certa naquele momento.

    Apontei espinhos metálicos para um ponto cego da floresta. Enquanto outra parte impedia que a mulher fugisse. 

    Meu instinto estava certo.

    — Saia — bradei.

    De toda a floresta que me rodeava, a sensação de objetos metálicos era intensa. Eu havia caído em uma emboscada muito mais elaborada do que a anterior.

    Uma silhueta familiar foi saindo do ponto cego da floresta. Seu corpo alto e um sorriso incomparável naquele rosto coberto por uma máscara foram facilmente reconhecíveis por mim.

    — Eu não tinha te matado!? — gritei, retraindo os espinhos um pouco.

    Talvez lá no fundo… ainda tinha medo dele.

    — Ora, ora. Se não é a nossa querida prisioneira? Você realmente achou que poderia escapar daqui? Piada — respondeu-me, enquanto retirava um chicote que se alocava atrás de seu uniforme.

    Minha barriga borbulhava sem parar. Apenas de pensar no que ele um dia fez para mim… era totalmente nojento.

    Meu corpo paralisava apenas de olhar para sua feição. Um rosto covarde que se escondia atrás da máscara.

    Porém, nessa situação, a covarde era eu.

    Vomitei na grama. 

    Lembranças de um passado que queria esquecer voltaram. Todos os dias que passei na sua mão foram insuportáveis.

    Um dia foram um, agora na minha visão se tornaram dois. Me sentia tonta.

    O que eram dois, se tornaram quatro, oito, dezesseis, trinta e dois. Eram alucinações da minha mente, mas eu não conseguia falar isso para ela.

    Esperanças já estavam destruídas. O detector que um dia desejei falhar estava a todo vapor.

    Incontáveis pessoas se escondiam naquela floresta. Todas armadas brutalmente.

    Enquanto eu estava aqui, apanhando para mim mesma. 

    “Não vou conseguir fugir.”

    Minha mente rodava, enquanto esse mesmo pensamento era colocado muitas e muitas vezes. Não aguentava mais ouvir minha voz interna e…

    — Você sempre será inferior. Infelizmente, você não é mesmo como as outras Anomalias que aquela santa mandou para cá — disse o homem.

    Em questão de segundos — ou talvez não — aquela figura havia aparecido em minha frente. Conseguia sentir seus olhos me encarando como um troféu.

    Dei alguns passos para trás.

    — Não chegue mais perto! Se não eu vou… — apontei os espinhos para a mulher.

    — Você acha que eu ligo para esses meros soldados? Esses guardas nem tem família para começo de conversa! Somos apenas ferramentas. — Ele agarrou meu pescoço, me levantando para o ar.

    Não conseguia utilizar nada. 

    Não conseguia nem ao menos me defender.

    Tudo por… medo.

    Meu corpo esfriava diante daquela situação. Tinha medo do futuro e não queria nem encarar o passado.

    O ar foi logo indo embora com seu sufocamento. Minhas forças foram se perdendo pouco a pouco, enquanto minha visão escurecia.

    — Sabe… você até que tem uns gostos estranhos mesmo. Aquelas partes de boneca que foram encontradas em sua cabana só demonstram o quanto você é esquisita. — Ele me soltou, fazendo-me cair no chão de joelhos. — Fico triste por não termos encontrado aquela sua amiguinha que tinha sido mencionada no relatório. 

    Aquela… não era Gaia?

    Não era ela?

    Ela ainda pode estar por aí?

    Escutava um último pingo de esperança batendo num balde de água de desespero. Como se essa gota tingida de alívio conseguisse retirar toda a cor do medo.

    Respirei fundo, recuperando todo o ar que havia perdido. Minha cabeça estava cada vez mais confusa, mas essa única informação, essa única e pequena informação, deixou-me um pouco mais animada sobre o futuro.

    Mesmo que seja uma possibilidade.

    — E-então vocês nunca a encontraram mesmo? — perguntei, querendo acreditar nas palavras daquela boca traiçoeira.

    — Não é óbvio? Aquelas sessões que você teve de interrogatório não foram por nada… — Ele parou por um segundo. — Se bem que…

    Antes que pudesse reagir, utilizei o metal e o transformei em uma mão flutuante, lhe dando um soco em cheio.

    Foi jogado para trás com o impacto. Ele impediu que fosse uma queda maior com a mão, da qual segurou-se no chão após milésimos de ter sofrido o soco.

    — Você aprendeu uns truques maneiros, não?

    Não me importei com sua fala.

    Ela pode estar viva.

    Ela pode… estar viva.

    E eu estou feliz só por isso.

    A moça começou a correr como se não houvesse amanhã, mas, antes que se afastasse na densa floresta, a prendi contra uma árvore com parte do metal. Solidifiquei logo após para que não tivesse problemas na luta.


    [Uma benção está sendo usada, deve ser impedida?]

    Com certeza.

    Limpei o sangue da minha boca, me preparando para mais um ataque.

    Seu chicote, que estava brilhando, logo parou. Ele olhou confuso para sua arma, como se algo estivesse errado ou nunca tivesse acontecido algo parecido.

    — O que você fez? — perguntou.

    — Nada que te interessa. — Criei mais espinhos atrás de mim, apontando todos para a figura à minha frente. — Quando eu descobrir o truque que você usou para se reviver, eu irei me certificar de te matar várias vezes.

    Enviei todos que havia criado ao mesmo tempo. Era difícil manter? Óbvio. Mas, de alguma forma, me sentia mais leve.

    Como se eles fossem criados não por minha concentração naquela forma. 

    Boa parte havia sido defendida por ele após balançar seu chicote. Uma maestria de se elogiar, afinal, seus movimentos fluídos conseguiram rebater uma parte de volta.

    Assim que os espinhos voltaram para mim, os realoquei para dentro da esfera metálica. 

    Mas, de uma coisa tinha certeza, eu feri ele. Seu ombro esquerdo havia sido atravessado por um dos espinhos.

    O sangue escorria por seu braço, enquanto ele desesperadamente tentava tampar com a mão. Gritos começaram a ecoar pela floresta, som que nunca esperaria vindo dele.

    — Sua… sua… desgraçada! Como ousa ferir meu corpo? Eu vou lhe dar uma lição! Uma lição! — resmungou. 

    — Você nem parece mais humano. É só um parasita que se rasteja por aí procurando um novo hospedeiro para chamar de “troféu” — respondi.

    — Irá pagar com a vida! 

    Não sentia um pingo de pena da sua dor.

    De alguma forma, me sentia muito mais animada com tudo isso. Ver essa pessoa que tanto me causou dor se contorcendo no chão era tão gratificante.

    Mas se ele quer briga, ele vai ter briga.


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