Capítulo 46: Em Seus Braços
— Então… você sabia quem era aquela pessoa? — perguntei.
A noite fria congelava as minhas veias. O silêncio predominante foi quebrado por minha pergunta. Pois naquela hora, o segundo dia de festival já havia acabado.
Os pássaros já haviam voltado para seus ninhos, e os moradores de Azaleia, adentrado suas casas. As luzes já haviam se apagado, os itens do festival já foram retirados. Era tarde da noite, e apenas eu e Gaia nos mantivemos acordadas naquela hora.
Seu toque gélido arrepiava a minha espinha. Ela me abraçava como forma de amenizar o frio que estava sentindo; mesmo que fosse pouco. De certa forma, confortável. Mas, em algum momento, seu toque ficou hesitante.
— Seven… — murmurou. — É complicado.
— Por que isso seria complicado?
Ela suspirou.
— Não é uma certeza, é apenas uma suposição minha. — Ela começou a fazer cafuné na minha cabeça. — Mesmo que se chamem de Estrelas, eles não necessariamente precisam estar do lado da humanidade. É algo que eles escolhem, e não podemos fazer nada a respeito disso, afinal, diferente da gente, os heróis evoluem infinitamente.
— Então aquela pessoa era um herói?
— Assim como você.
Ah… eu esqueci de falar essa parte para Gaia. Mas parece que ficou óbvio demais o motivo de eu ter ficado aqui. Me sinto um pouco culpada de não ter falado nada para ela agora, talvez eu devesse ter começado com isso.
Era um peso muito grande, que não sabia como suportar.
— Você descobriu… — sussurrei.
— Foi naquela conversa com a santa Samira. Ela me contou algumas coisas importantes, e–
De repente, parou de falar, colocando a mão na sua cabeça. Sua súbita expressão de dor foi sufocante de ver.
— Gaia! Aconteceu algo? — perguntei.
Levantei-me de seu peito no puro desespero, sem saber qual seria o meu próximo passo. Não sabia o que fazer, e não tinha experiência nenhuma. Afinal, como eu ajudaria alguém feito de madeira?
— Não… não. Foi apenas uma dor de cabeça repentina.
— Tem certeza…?
— Não é nada que atrapalhe. Foi só uma dorzinha mesmo.
Mas, foi apenas depois de tudo se acalmar que percebi a posição em que estava. Constrangimento… era tudo que podia sentir. Gaia também percebeu, pois logo virou seu rosto, escondendo-o com sua mão.
Desmontei dela, caindo para a neve do seu lado. Tudo que pude fazer nesse momento, foi quebrar em risos baixos, tendo em vista que Gaia estava completamente envergonhada.
Retirei a mão de seu rosto, revelando sua face constrangida. Seus lábios tremiam e seus olhos evitavam a minha face. Mas do contrário dela, eu não evitei olhar para Gaia.
Abri um sorriso.
— Você é uma fofa mesmo… — murmurei.
— N-não fale assim!
Ela voltou a esconder seu rosto.
Se eu pudesse, faria isso durar para sempre.
É óbvio que há problemas que devem ser resolvidos, mas vamos com calma. Alguma hora será tudo completamente feito. E, agora que Gaia realmente confia em mim e também […], vai tudo ficar bem.
Mas ainda tinha uma dúvida que martelava a minha cabeça.
— Gaia, qual é a diferença de um herói para uma pessoa normal?
— Ah… É verdade. Você tinha me perguntado antes sobre o Complexo, e daquela maneira que respondi devia ter a assustado. — Ela se sentou na neve. — Faz mais sentido agora você ser uma Estrela… Aqui, Seven, olhe.
Seguindo sua ação, também me sentei na neve.
Ela fez pequenos bonequinhos, um parecido comigo e alguém sem aparência.
— A diferença que tem entre um herói e uma pessoa normal, como você mesma disse, é o sistema que eles usam. — Ela criou pequenas auras nos bonecos. No meu, uma pequena chama, e no outro, uma chama forte.
Olhei impressionada para aquilo. Nunca imaginei que poderia utilizar dessa forma… Se bem que ela até teleportou com essa sua habilidade.
— Os heróis são geralmente fracos, mas a sua capacidade de evoluir é o que nos difere. Eu mesma nasci sabendo quase tudo de minha benção, mas provavelmente você deve se sentir fraca por não compreender ela por completo. — Exponencialmente, a aura de minha boneca foi crescendo, e a do outro, permaneceu estática. — Vê? Permanecemos no mesmo nível, desde o dia de nosso nascimento até o de nossa morte. Mas você, Seven, pode evoluir infinitamente.
Ah…
Então, o propósito das Estrelas era evoluir para proteger a humanidade. Fazia sentido, levando em conta a profecia que Samira havia me contado.
Senti que era um destino cruel, levando em conta que os residentes desse mundo não tinham tanto a fazer em relação de enfrentar os Viajantes.
Quantas pessoas morreram para salvar suas cidades? Não sei… mas, sinto que devo ajudá-las a enfrentar esse destino cruel.
— Seven… não pense muito.
— Ah! — Tomei um leve susto.
Talvez eu tenha pensado demais?
— Desculpe, não quis lhe assustar — disse.
Ela abriu os braços.
— Se quer se desculpar mesmo…
Essa sua ação me fez rir um pouco. O que havia acontecido com ela agora? Parecia muito diferente.
Cheguei mais perto, a abraçando. Seus braços logo me acolheram, colocando um sob minha costa e o outro a acariciar meu cabelo.
Era uma nova mania agora? Ela realmente gostava de fazer isso. Mas, esse sentimento é bom.
De certa forma, ser acariciada desse jeito me deixava de coração quentinho. E junto com esse sentimento, uma leve sensação de sono surgiu.
Olhava para Gaia, tendo sua cara completamente distorcida. Era normal isso estar acontecendo, afinal, estava tarde.
Seu rosto apenas demonstrou seu belo sorriso ao me ver. E nesse momento, senti que estava caindo em um profundo sonho.
— Tenha bons sonhos, Seven.
Foi a última coisa que ela disse antes de eu dormir.
Obtive um sonho curto, onde me via em um parquinho de areia. Via uma criança, quase dois anos, brincando com seu balde e sua pá. Ela tinha cabelos marrons e olhos verdes, e ao seu lado, uma amiga.
Podia dizer isso, ou melhor, sentia isso.
Sua amiga tinha uma pequena bandagem, segurando seu braço. E seu rosto, inalcançável para mim naquele momento. Elas brincaram felizes, construindo o maior dos castelos de areia que já vi.
Suas risadas contagiantes eram ouvidas de muito longe, assim como suas conversas.
— Você promete ser minha amiga para sempre? — disse a garota de olhos verdes.
A outra, por sua vez, hesitou. Não respondeu à sua pergunta e apenas correu para longe, chorando.
E, antes de meu sonho acabar, vi para onde estava indo. Ela corria em direção a uma grande luz, que, de repente, colidiu com a garota.
Senti uma dor terrível, mesmo que não tenha visto nada aterrorizante. Mas, nesse momento, acordei de susto.
Arfava.
Era como se minha respiração tivesse sido cortada por alguns minutos, e se soltado de repente. Não sabia o que tinha acontecido naquele sonho para me deixar tão aflita, mas definitivamente não era coisa boa.
Olhei para cima, vendo Gaia. Ela estava dormindo embaixo de uma árvore, e eu, em seu colo.
Parei e pensei no quão difícil deve ter sido para ela me ter aqui. Mas a vergonha não deixou de predominar nesse momento.
Ela tinha colocado seu casaco por cima de mim, impedindo o frio em conjunto com seu abraço.
Agora, estava de manhã, e não iria sair coisa boa quando voltássemos para Lótus.
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