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    Quase como um instinto, abracei Daiane.

    Ela estava diferente, sua aparência estava um pouco mais diferente. Orelhas pontudas e algumas asas que consegui enxergar após puxá-la para perto.

    Não resistiu, apenas aceitou o abraço carregado de emoções. Após tanto tempo, finalmente pude encontrar uma amiga que havia esquecido.

    Tanto que até esqueci a existência de Damien! Fui lembrar dele apenas depois.

    Após alguns segundos, pude escutar o que seriam pequenos murmúrios ou lamentos de uma pessoa desolada.

    Daiane havia desistido de segurar o choro, deixando todas as suas emoções extravasarem. Não sabia o que havia passado, mas entendia sua necessidade.

    — O que você fez, Daiane? — disse. — Por que você fez aquilo?

    Aquelas palavras eram como uma faca de dois gumes. Essa pergunta feriu tanto ela quanto a mim…

    Não obtive resposta, o esperado para uma pergunta comprometedora.

    Meu segundo braço estava ali, são e salvo naquela realidade, e isso me levava a apenas uma resposta: estávamos em um plano espiritual. 

    Pela minha experiência, as almas tendem a ter a aparência real. Então, Daiane tinha essas asas e orelhas?

    Então, por que nunca as vi…?

    Não… talvez essa resposta eu não quisesse escutar. 

    — Des… — murmurou, sua voz tremendo. — …culpa. É tudo minha culpa, é tudo minha culpa, é tudo minha culpa, é tudo minha culpa, é tudo minha culpa, é tudo minha culpa, é tudo minha culpa […]

    Congelei.

    Essa frase… de certa forma, é muito familiar a algo que já li. Lembrei-me do diário que havia visto naquele antigo quarto…

    Era como se fosse o mesmo sentimento. O mesmo sentimento transmitido através de uma simples frase: é tudo minha culpa.

    — Não, não é sua culpa, Daiane — respondi, apertando ainda mais o abraço. — Você deveria estar passando por momentos difíceis, e talvez isso possa ter levado a pensar o extremo… Eu não lhe culpo, eu me culpo.

    Como se sentíssemos a mesma coisa.

    A mesma sensação de culpa e frustração.

    — Eu só queria… eu só queria acabar com todo isso. Acabar com todo esse sistema de bençãos, e livrar o mundo de algo que faz mais mal do que as Torres.

    Um motivo plausível.

    Mas… algo não se encaixava, e ao mesmo tempo, a peça estava quase se encaixando.

    Ah…

    — Foi você, né? Você quem controlou meu corpo em Erica? — disse na lata, sem imaginar as consequências de minhas palavras. — Ah! Desculpa! Não queria falar isso.

    Ela saiu do abraço, colocando uma mão na outra. Vendo seu distanciamento, sentei-me de maneira confortável naquele vazio infinito.

    — Eu só queria acabar com tudo isso… — Evitou o olhar. — Desculpa. Usei seu corpo de forma indevida e me aproveitei do complexo para isso.

    Estava em choque ainda.

    Daiane havia criado boa parte da confusão. Uma confusão da qual não tinha lembranças, e nem mesmo iria querer lembrar.

    E, dentre as maiores consequências, minha mente se voltou a uma em específico.

    Segurei com força o tecido de minha calça.

    One.

    One…

    Foi ela?

    Daiane matou One?

    Eu matei… One?

    — Por que ele teve que morrer? — murmurei de canto.

    Daiane pareceu escutar o que havia acabado de dizer, assustando-se com a menção desse antigo acontecimento.

    — Não consigo pedir desculpas por isso. Aconteceu e só.

    Aconteceu!?

    Suspirei, mas o peso não saía das minhas costas.

    — Daia–

    — Cuidado com o que você vai falar, Scarlett. — Damien se intrometeu na conversa. — Não parta para a agressão aqui.

    Mas não é como se eu fosse? Estava parecendo agressiva de alguma forma ou ele estava sendo paranoico?

    Porém, eles pareciam próximos. Talvez estivessem no mesmo espaço por tanto tempo que criaram algum laço de amizade…

    Parecia bem protetor mesmo.

    E esse pensamento me tirou uma leve gargalhada.

    — Tá rindo do que!? — indagou Damien, tentando parecer intimidador. — Não ria! Sua… sua bostinha!

    Daiane, por um segundo, havia mostrado seu sorriso, algo que quase nunca via. Mas, dessa vez, foi diferente.

    — Presas?

    Ela escondeu sua boca num pulo.

    — Você viu…?

    — …

    — Deve estar achando isso estranho, né?

    Se calou, virando os olhos para o outro lado. Mais uma vez, um indício de desconforto.

    — Isso é muito massa! — gritei, meus olhos brilhando diante dessa descoberta. — Por que nunca mostrou esses dentes afiados? São tão… maneiros!

    — Acha isso mesmo? — perguntou, seus olhos comparados a um gatinho desamparado.

    — Claro, ué!? Eu gostaria de ter os dentinhos assim! Gaia tem uns dentes bem afiados e eu acho maneiro também!

    Queria evitar o assunto de One, pelo menos por enquanto. Por mais que não tivesse tanto apego a ele, Daiane matou alguém.

    E talvez muito mais do que eu penso.

    Porém, quando eu lembro de sua visão preocupante, penso que tudo poderia ser um grande mal-entendido. E se for verdade, que fosse algo feito em um momento de fraqueza.

    Apenas não queria aceitar o que tinha acontecido…

    — Então, vou mostrar mais eles em sua homenagem! — Daiane abriu a boca, batendo um dente no outro, como se simulasse uma mordida. Logo após, riu.

    Era confortável.

    — Onde estamos, afinal? — perguntei, olhando de um lado para o outro. E diante a isso, apenas o vazio me encarava, nada mais.

    — É seu subconsciente — respondeu Damien, levantando-se do chão. — Psyche tem essa capacidade de armazenar os contratantes nessa área.

    — Contratantes…

    — Sim, sim. São as pessoas que podem controlar seu corpo.

    — Mas só tem vocês dois aqui.

    — É porque somos os únicos — disse Daiane. — Somos as únicas pessoas que podemos possuir seu corpo. Além de…

    Os dois viraram a cabeça para o lado, como se tivessem lembrado de algo que trouxesse dor de cabeça.

    — Ah…

    Psyche também poderia ser a contratante. E, se os dois estavam aqui, significava que a pessoa que estava em meu corpo era…

    — Eu pensei que você fosse me escolher como contratante, não a própria Psyche. — Damien franziu a testa, arrumando seu cabelo espetado. — E também não esperava que ela fosse aceitar!

    — Escolher…? Não, não! Eu não escolhi nada!

    — Ahn? — Os dois indagaram ao mesmo tempo.

    Essa sincronia estava tirando o clima do local.

    Pfft!

    — Não ria! — Mais uma vez, os dois disseram juntos, deixando o clima leve mais uma vez. 

    Fico imaginando o que eles conversaram nesse tempo que passaram aqui…

    Antes que pudéssemos falar mais sobre o que houve, acabamos por ser interrompidos por uma tela que apareceu de repente.

    — Então, você é a Scarlett? Esperava muito mais de você.

    O Discípulo.

    Pelo o que parecia, aquela seria a visão de meus olhos, mas algo parecia muito errado.

    — Mesmo com essa deusa mixuruca do seu lado, você não conseguiu vencer. Da próxima vez vai ser o que? O Olimpo inteiro?

    Psyche… perdeu.


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