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    — Sangue…?

    Enquanto murmurava essa palavra, meu rosto era coberto por mais e mais desse líquido viscoso. Não sabia como reagir, se deveria fugir ou procurá-las.

    Claro que meu coração já tinha tomado sua decisão, mas meu corpo hesitava…

    Não conseguia me mexer, não conseguia falar alto, não conseguia piscar direito e nem mesmo respirar.

    Havia perdido o fôlego, e o motivo era mais do que óbvio. Não havia nada que pudesse me tirar daquele êxtase de sofrimento quase eterno.

    Era uma chuva silenciosa.

    Mesmo que caísse sangue do céu, nenhum grito era escutado da cidade. Como se fosse só mais um dia chuvoso, mesmo que não chegasse nem perto disso.

    — Hahaha…

    De repente, todo aquele cansaço voltou em questão de segundos, levando-me a perder forças nas pernas.

    Um aviso do meu corpo, um aviso para que eu não devesse ir até aquela cidade. E também… foi um alarme que decidi ignorar.

    Caí de joelhos, sentindo um peso imenso em meus braços e cabeça.

    Aquela dor que apenas aumentava a cada segundo.

    Insuportável.

    Incessante.

    Na verdade… eu não queria me mover naquele instante. Queria que essa chuva sangrenta consumisse um eu por inteiro.

    Para que, finalmente, pudesse descansar.

    Antes mesmo que pudesse fechar meus olhos, senti um puxão na gola de minha camisa rasgada. 

    Não consegui reagir, apenas fiquei pálida com essa ação repentina.

    Meu instinto de curiosidade foi atiçado, junto ao de perigo, que apitava sem parar! Minha voz não saía para perguntar qualquer coisa, e isso me deixava mais tensa.

    Tudo que pude enxergar foi um vulto preto, nada familiar e nem mesmo identificável, mas foi como…

    Roupas vermelhas e amarelas, vestida como uma oficial de alto escalão ou um guarda dos melhores que já existiram.

    Era uma vestimenta que reconhecia.

    Um brasão que lembrei no instante em que coloquei o olho.

    Como um instinto, peguei em seu braço, dando um golpe que a levou ao chão.

    — Quem é você!? — perguntei, gritando perto de seu ouvido. O sangue escorria pelo meu braço, enquanto criava o esquerdo com a espada que ela tinha na cintura. — Apresente-se agora!

    Não respondeu.

    Cabelos longos com uma trança.

    E, no final, obtive uma reação contrária da que eu esperava.

    Sem respostas…?

    — Por que não diz nada!? Me diga por que está usando esse uniforme? — disse, socando o chão com minha mão metálica. — Que droga! Eles ainda estão atrás de mim?

    Era o uniforme das pessoas que tiraram meu sangue. Lembro como se fosse ontem.

    — É você mesmo… Seven?

    Escutei sua voz pela primeira vez.

    Minhas pernas voltaram a não ter forças, levando-me a cair no chão, apoiando-me em meus braços para não deitar naquela grama suja de sangue.

    Não queria ter encontrado-a de novo.

    Não queria saber mais dela.

    Por que estava aqui?

    Não queria ver seu rosto.

    Não.

    Não.

    Não.

    Eu já me forcei a esquecer. Por favor, não me faça lembrar dele de novo!

    A guarda foi se levantando, e assim que foi mostrar seu rosto, fechei meus olhos.

    Não queria ver! Já disse!

    Mesmo que fosse apenas na minha mente.

    Era irreal aquela situação, e não queria mesmo acreditar que poderia reencontrá-la.

    Não estava feliz por isso, e sim preocupada pelo motivo de ela estar aqui.

    — Seven, me desculpa! — falou, se aproximando. Suas mãos batendo em algumas poças de sangue me mostraram o quão próxima estava.

    Não queria ver seu rosto.

    Não conseguia pensar em como resolver aquela situação. Pelo menos até uma ideia vir à minha mente.

    Não era a melhor, e até me sentia meio mal por fazer isso.

    — Quem é você!? — disse, gaguejando. — Por que está me seguindo?

    Fingir que não conhecia ela.

    Não queria ser vista dessa forma deplorável e nem mesmo receber aqueles mesmos olhares. Memórias voltaram à minha mente em instantes…

    Toda a lembrança de ter sido humilhada em público somada a traição foi…

    Coloquei minha mão sobre os olhos, tampando a reação que estava tendo. E, com calma, fui abrindo-os, querendo enxergá-la.

    Era uma decisão arriscada, mas necessária caso quisesse continuar nesse teatro. Um teatro feito para que pudesse fugir dali o mais rápido possível!

    É isso!

    — Você n-não se lembra de mim? — Suas palavras tremiam.

    — Esse brasão faz parte deles, não tente me enganar com suas palavras! 

    Não respondi a sua pergunta, preferi ignorar do que ferir ainda mais meu coração.

    Ela olhou para o pingente.

    Um leão envolvido em brasas.

    Sem hesitação nenhuma, pegou-o e jogou para o lado. Era um ato de profanação contra o estado, mas não parecia se importar com isso.

    — Tá vendo? Olha, eu não faço parte deles — disse, como se tentasse criar um laço de confiança a qualquer custo.

    No seu rosto se estampava um sorriso estranho. Longe de ser assustador, perto de ser alegria.

    Muito mais um alívio do que qualquer coisa.

    Sorriso que logo desapareceu.

    Mordeu seu lábio, como se suas tentativas nunca tivessem me atingido. E aquela expressão me fez cogitar sobre minha rápida decisão.

    Estava fazendo o certo?

    Não sabia.

    — Olha… eu me chamo Ester, garota — murmurou. — Estão acontecendo muitas coisas nessa cidade, e eu estou aqui para te proteger.

    Era uma mentira.

    Uma mentira muito óbvia.

    Se estivesse aqui para me proteger, não estaria usando aquele brasão. Ela iria me matar, e eu tinha muita certeza disso.

    Afinal, após saber que era uma herói e não fiz nada para ajudar, sua raiva era muito justificável.

    Me sentia muito desconfortável reencontrando ela.

    Meu coração estava batendo muito rápido, implorando por uma saída mais rápida ainda daquele local.

    — Não… eu não te conheço — respondi, me afastando um pouco.

    Uma expressão de angústia, que poderia ser confundida com o medo, era estampada em minha cara. 

    Ester parecia não aceitar o que estava acontecendo, o que lhe trouxe mais desespero em seu olhar.

    — Eu vim te salvar! Juro! — Ela começou a pegar um papel que estava guardado em seu bolso, desdobrando-o logo após.

    Sujo de sangue e de difícil identificação.

    Me sentia confusa ao tentar entender o que estava escrito naqueles desenhos.

    — Olhe! É tudo o que anotei… para te encontrar — terminou.

    Queria chorar naquele momento.

    O papel estava todo rabiscado, demonstrando todo o esforço que teve. 

    Por que ela faria isso? Não… não quero saber.

    Queria negar a sua existência, mas não conseguia.


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