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    Lágrimas.

    Tampava meu ouvido em desespero, tentando evitar escutar aquele horror acontecendo. Mas não foi o suficiente. Um ouvido ainda estava destampado. 

    Gaia, que havia resistido ao atordoamento, me pegou mais uma vez no colo e correu comigo para atrás de uma mesa próxima.

    Ela empurrou a mesa para a transformar em um escudo para impedir um possível ataque de ferrões.

    Mas eu, por outro lado, não pude fazer nada.

    Não consegui fazer nada.

    Novamente, o monstro rugiu e toda a sala tremeu.

    Rachaduras apareciam nas paredes, criando um ar de urgência na evacuação; que ainda faltava muito para acabar. O concreto usado uma hora não aguentou, caindo em algumas pessoas que estavam desesperadas por terem seus entes queridos mortos.

    A única saída era fatal. 

    O Viajante se preparou para uma arrancada.

    E eu continuava na mesma situação… aterrorizada. Sabia o motivo disso, sabia muito bem. Aquele monstro tinha uma coisa que me fazia pensar em arrancar minha pele de culpa.

    O rosto quase humano estampado em seu corpo era familiar… e eu sabia exatamente de quem era. A criatura veio me cobrar por não ter te salvado? Se for por isso… que me leve.

    Estava alucinando? Provavelmente. É, eu definitivamente estou alucinando. Afinal, tudo vai ficar bem…

    — S… — Gaia tentava falar comigo.

    Mas eu não conseguia escutar ela; ou melhor, não queria.

    E então, a criatura correu. 

    O esperado para mim era ver o sangue escorrendo para todas as partes. Mas… nada aconteceu?

    — Sev… — Ainda tentava comunicação no desespero.

    Não…

    Está tudo bem.

    Tudo bem.

    Estava tudo bem.

    Senti o formigamento em minha bochecha. Uma dor crescente, que mesmo não sendo tão forte, incomodava bastante. 

    Gaia tinha acabado de me dar um tapa?

    — Acorda, Seven! — gritou.

    Finalmente pude escutar sua voz por completo, voltando para a realidade.

    A corrida anteriormente preparada foi fatal para poucas pessoas. A fragilidade humana é uma maldição… ou talvez uma benção? 

    One, por sorte, não fugiu. Ele ficou no salão para lutar contra a criatura.

    Ele era um herói.

    Seus punhos flamejavam em preto, como uma aura que lentamente passava para o resto de seu corpo.


    [One, o Herói da Ação.]


    [A benção Ares está se ativando.]

    Essa mensagem nunca tinha aparecido antes.

    One se mantinha em frente à criatura, encarando até o fundo de sua alma. A besta, por outro lado, se preparava mais uma vez para um ataque.

    Mais civis iriam morrer; se ali restasse algum civil. A ordem de evacuação foi um quase sucesso, sobrando apenas corpos… inúmeros corpos.

    Gaia indicou uma saída para longe, tendo em vista que o Viajante não estava prestando atenção para nós.

    Eu era inútil aqui. Não tinha ferro, apenas ouro. O ferro que tinha era das armaduras, que protegiam One.

    Estava indefesa.

    O lustre com velas caiu do teto devido às rachaduras, iniciando um fogo interminável no salão. Eles tinham pouco tempo para terminar aquela luta.

    — Ester — disse One. — Vá embora.

    — Mas…

    — Deixe comigo. Não consegue ver aquelas duas ali? Ajude-as a sair — One apontou para nós.

    Ester parecia não ter percebido que eu e Gaia tínhamos ficado no salão. Ela se desesperou rapidamente.


    [Ringue.]

    Mais uma vez, outra mensagem diferente apareceu.

    Um cubo saía do chão, atravessando a criatura e One. Ele parecia ter criado uma barreira imperceptível. Com aquele ato, era como se dissesse que ia cuidar de tudo sozinho; e eu acreditava nele.

    Ester, após ver a habilidade de One totalmente ativada, correu até nós.

    — D-desculpe! É culpa minha não ter visto você antes, Seven — disse Ester.

    Ainda estava atordoada e ela percebeu isso.

    Mordeu seus lábios e lançou um olhar de preocupação.

    — Gaia, você consegue? — Ela sinalizou com a cabeça. — Vou mostrar uma saída melhor daqui.

    Gaia assentiu rapidamente com sua ideia, me colocando em suas costas.

    Ester nos guiou para uma trilha, longe de todo o salão principal. Os corredores pareciam infinitos. Cada passo demorava um século para se passar, e a cada segundo desse século, a ansiedade aumentava.

    Mas… ainda tinha uma coisa que me incomodava.

    — One… ele vai ficar bem? — murmurei.

    — Ele vai ficar. Aquele cara não vai morrer assim tão fácil — respondeu Ester, com um rosto preocupado.

    Foi uma surpresa para mim que Ester tenha escutado meu sussurro. Arregalei meus olhos, levantando levemente das costas de Gaia.

    — Talvez eu p–

    Hesitei em continuar minha fala. 

    — Não! — Gaia me interrompeu. — Você não vai fazer isso.

    — Que?! Mas eu posso ajudar!

    — Você já parou para se olhar? Está horrível você querer ajudar em uma situação dessas… Tanto fisicamente quanto mentalmente, Seven! 

    Eu não podia ajudar.

    Eu não queria ajudar…?

    Gaia estava certa.

    Acabei sendo só mais uma covarde.

    Coloquei meus braços sobre seu pescoço, a abraçando levemente. Lágrimas queriam cair novamente… mas eu tinha que deixar essa covardia de lado.

    Enxuguei elas com minha mão.

    Andamos até o final do corredor onde se encontrava a saída do local. Chegando mais perto, Ester parou em frente à porta.

    — Saiam por aqui! Vai dar direto com a lateral do castelo — gritou Ester, parando ao lado da porta. 

    Tinha uma coisa muito errada nessa sua fala. Era como se ela quisesse nos dizer para…

    — E você, Ester? — perguntei.

    Ela se mantinha estática, esperando a nossa passagem.

    — Vai tudo ficar bem, Seven. — Ela colocou a mão sobre minha bochecha.

    — Por que você está falando assim?

    Ester chegou mais perto e deu um leve beijo em minha testa. Era algo carregado de sentimentos e pude sentir isso… 

    Gaia virou-se, olhando para a porta à nossa frente. E, antes mesmo que eu entendesse, Gaia já havia compreendido o que ela deveria fazer.

    — Já volto, viu. — Ela fez um gesto de despedida. — Sei que nunca falei isso, mas… minha sobremesa favorita é bolo de cenoura. Que tal da próxima vez você pagar um desses para mim em agradecimento?

    Eu ia responder… mas não tive chance.

    Gaia correu comigo para fora do palácio, deixando Ester para trás.

    Olhei para ela e tudo que vi foi sua silhueta se afastando para dentro do castelo. Ela tinha um plano, certo?

    Tomara que sim.

    Meu coração apenas desejava que ela tivesse um plano.

    Não pude contestar sua decisão. Mas, se ela entrou novamente, foi porque One não iria ser o suficiente para derrotar aquela criatura.

    Queria impedir ela… mas não consegui.

    Eu sou inútil.

    Gaia não parava de correr para longe do castelo.

    Até que finalmente chegamos ao portão principal.

    Todos os nobres estavam se aglomerando na saída, alguns correndo para os matos e outros não. Eles saíam todos apertados para fora do local, enquanto os cavalheiros de diferentes tropas guiavam a evacuação total.

    Então significava apenas uma única coisa: que naquele salão restavam apenas One e Ester. 

    Eles iam sair vivos de lá, certo?

    Acabamos esperando um pouco mais longe a fila diminuir. E quando finalmente diminuiu, saímos das terras nobres. 

    Gaia tampou o que estava à minha frente, enquanto eu apenas ficava apoiando minha cabeça perto de sua nuca. 

    Ela andou lentamente pela colina, até parar abruptamente. Algo confuso, levando em conta todo o caos que estava.

    Gaia estava chocada.

    Levantei ainda mais, tentando ver o que a chocou tanto. Acabei ficando no mesmo estado que ela.

    Um mau presságio tinha se tornado realidade naquele momento. Caos era o novo nome daquela cidade.

    Erica estava envolvida em chamas que pareciam intermináveis.


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