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    — É que… — Daiane hesitava, sua voz abaixando o tom a cada segundo. — Não sei se você vai acreditar em mim. Mas é… loucura, apenas isso. É loucura.

    Apoiei-me na cadeira, o olhar de dúvida estampado em meu rosto.

    — Você só está me confundindo mais e mais. Apenas responda logo o que perguntei, Daiane — disse, sem deixar de encará-la. — Talvez você seja uma stalker…? Isso responderia o motivo de algumas coisas minhas terem sumido.

    Espera!? 

    Significava que estava de frente ao meu stalker? Isso não é tipo… muito perigoso?

    Ela vai pagar as bebidas, estava tudo certo.

    — Stalker!? — gritou Daiane, chamando a atenção do restaurante. Quando percebeu o alvoroço, voltou ao seu lugar, quietinha. — Não… Não sou uma stalker, é claro. Só que a minha explicação para isso é como se fosse uma loucura.

    Tentou esconder o rosto com seu cabelo, demonstrando claro desconforto pelo berro que acabara de dar. 

    — Esse desespero não ajuda a desmentir minha acusação de stalking. Quem garante a sua inocência? Vai ver você roubou mesmo uns itens da minha casa há duas semanas.

    Daiane cerrava os dentes, sua raiva subia pouco a pouco.

    — Não fiz isso! — Bateu na mesa. — Só fui transferida de uma outra instituição há menos de uma semana. Essa pequena possibilidade não existe. 

    Sua agitação era evidente, mas… por quê?

    — Tudo bem… Eu acredito em você — disse uma meia verdade. Ainda estava indecisa no que acreditar. — Me explique agora.

    — Ahn?

    — Explique-me o motivo mirabolante e fantástico que você estava escondendo. Tem a ver com sua organização, seita, culto ou sei lá o que?

    — … Algo parecido com isso — respondeu, juntando as mãos. Um jeito tímido que não era de se esperar. — É que…

    Uma pausa. Daiane se calou, como se nunca fosse falar de novo. O que seria esse motivo que a tanto deixa desconfortável? Não sabia de nada. Os indícios eram nulos, e tudo o que podia fazer era aceitar o seu silêncio como resposta.

    Naquele ponto, poderia dizer que ela não teria nada a ver com o roubo de meu apartamento. Era uma sensação, uma pequena sensação que me fazia confiar nela. 

    — Aqui está o pedido das senhoritas — disse o garçom, colocando os pratos na mesa. — Pães recheados e… uma refeição completa de carne…?

    Até o garçom ficou confuso com o pedido, mas o entregou mesmo assim. Dessa forma, Daiane viu o grande prato na sua frente, brilhando como uma estrela.

    — Vou aceitar essa resposta — disse, levando um pão para a boca, mas parando antes de comer. — Pelo menos por enquanto. Quando estiver pronta, me conte tudo.

    Ela não respondeu, apenas acenou em concordância. De alguma forma, me sentia confortável falando com ela, mesmo que nunca a tivesse visto antes. 

    — Sabe… — começou Daiane. — Você é bem diferente dos boatos. Tipo… Muito mesmo! As meninas vivem dizendo que você é canibal e assassina. E uns meninos me contaram que você disseca bebês e se alimenta do sangue deles!

    Ah…

    Os boatos.

    Por mais que quisesse, não poderia me desfazer deles tão cedo. É impossível pra mim. Não respondi à afronta de Daiane, apenas desviei o olhar, mantendo um rosto fechado.

    Era desconfortável ouvir isso. Mesmo que fossem mentiras.

    — … São mentiras, né? — continuou Daiane, como se percebesse meu silêncio. 

    — Ah… — resmunguei baixo, o desconforto tomando meu corpo. — Talvez tenham algumas verdades neles. — Cocei a cabeça, entupindo minha boca dos pães recheados. 

    — ENTÃO VOCÊ DISSECA BEB—

    Tapei a boca dela com os pães no mesmo instante em que percebi a merda vindo. Como diabos essa garota poderia ser tão sem filtro?

    — Tá querendo que nós sejamos expulsas do estabelecimento, não é? Pelo amor dos deuses, seja mais… princesa. Assim como sua aparência propõe.

    Comi mais um pão. Recheio de carne, um dos mais bem elogiados do local. O aroma fresco e seu sabor quase agridoce me deixou com vontade de comer aquilo todos os dias.

    Era diferente de comida congelada, entende? Fresca, saborosa e fofinha. Se um gênio me concedesse apenas um único desejo, com certeza seria um prato cheio de pães desse tipo.

    — Sou gatinha mesmo, né? — Fez biquinho, puxando seu celular para tirar uma selfie. — Foram anos trabalhando nesse rosto perfeito que você vê.

    — Talvez você devesse trabalhar mais alguns anos nele, então.

    — Que?

    — Nada. Come sua comida logo, fala-fala.

    Por mais que pareça estranho, nós duas comemos uma na frente da outra como se fôssemos velhas conhecidas. Alguém com quem me sentia confortável de estar… uma amiga? Ah… Não sei, ainda é cedo para se dizer.


    Havíamos ficado naquele restaurante por bastante tempo, mas não o suficiente pra noite chegar. Ainda era por volta das três horas da tarde, um dia calmo e tranquilo.

    — Quer fazer umas comprinhas agora? — perguntou Daiane, andando do meu lado na calçada. Estávamos indo para a área comercial da cidade sem que percebesse. — Tenho que dar uns retoques no meu guarda-roupa.

    Parei.

    — Você não ia pagar umas cerv– 

    Daiane colocou um dos pães recheados na minha boca. Nem eu havia percebido que ela tinha trago pra viagem!?

    — Não sei do que você está falando — afirmou. — Só prometi que comeríamos uma comida leve, e agora eu quero ir comprar roupas.

    O gosto da comida me fez esquecer o que tentei perguntar, apenas assentindo com suas afirmações. Meus pés a seguiam sem questionar! Apenas um bolinho foi o suficiente para me deixar refém desse projeto de “femme fatale”.

    — Então, eu tô meio quebrada hoje. Vou servir só pra te ajudar a escolher mesmo — disse, terminando de comer o pão. — Cê tem cara que compra aquelas roupas de piranha, também. Não faz meu estilo.

    — R-roupas de piranha? Que diabos você está pensando de mim!? — falou Daiane, cerrando os punhos, mas não pode completar pelas sacolas que segurava. — Vou deixar passar dessa vez. Na próxima você estará fodida na minha mão.

    — Ui, ui… A princesinha está falando palavrões agora? Quando baixamos o calão? — provoquei, rindo baixinho por de trás da mão que coloquei na frente da boca.

    Continuamos andando em direção à nossa primeira loja.

    Mas…

    Mal sabia o quão ruim seria essa aproximação. 

    Perto de um semáforo, vi uma figura que reconheci num pulo. Um corte de cabelo único junto de roupas que jamais poderia esquecer.

    Em movimentos rápidos, puxei Daiane para um beco próximo, tapando sua boca. 

    — Hmnmmnmwmm — gemeu Daiane, se contorcendo. Logo após, me mordeu forte, fazendo-me largar seu rosto. — Ei!? O que foi isso? Você tá louca?

    Balançava minha mão pela dor. Essa menina mordia muito forte!

    — Cacete! — resmunguei. — Pode fazer um pouco de silêncio?

    — Que silêncio? Você me puxou pra esse beco de repente! Como ficaria em silêncio nessa situação?

    Não havia desculpas pro que havia feito…

    Mas ela não entenderia o meu lado. Pelo menos, era o que achava.

    — É minha ex… Eu vi minha ex-namorada no semáforo…


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