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    “Sei que você pode ler isso. Então saiba que levei o corpo dele como lembrancinha. Sabe? Só para te livrar de alguns probleminhas.”

    Não sei como entendia aquela escrita, afinal, era totalmente diferente de tudo que aprendi nesses dois meses. 

    Mas… ainda assim, era triste pensar sobre isso.

    Eight tinha sumido com o corpo dele quando menos percebi. Isso se foi realmente ela.

    Talvez um favor fosse pedido mais tarde. Um favor pior ou de mesma equivalência.

    Gaia me abraçou pelas costas.

    — Senhorita!! Você não pode… vir aqui? — gritou um guarda, analisando todo o local.

    O guarda chegou mais perto.

    — D-duas…? Mas só uma entrou naquela hora. — Continuou a respirar forte. 

    Estava visivelmente cansado de tanto correr. 

    Gaia colocava a mão sobre a boca, rindo baixinho dele. Até que segurou minha mão. 

    Aquele soldado parecia ter percebido o que estava acontecendo. Ou talvez, o que tinha acontecido. Meu rosto coberto de marcas de batom e as roupas rasgadas de Gaia não ajudavam a passar uma boa impressão. Queria me esconder de tanta vergonha.

    — O que aconteceu, seu guarda? — Gaia perguntou, enquanto continuava rindo dele.

    — Mesmo que vocês queiram fazer esse tipo de coisa, saibam que esse não é o lugar correto. Além do mais, fazer esses tipos de atos em público é… é… vocês sabem! — respondeu.

    Ele bateu o pé em desaprovação.

    O guarda começou a nos guiar para fora da cidade após essa interação. Ficou calado o caminho inteiro. 

    Após longos minutos de caminhada, saímos daquela cidade em ruínas. Tinha muitas perguntas, muitas mesmo. Mas, nenhuma parecia ter vontade de se auto responder naquele momento.

    Queria entender como não havia monstros naquela cidade.

    Adentramos a floresta escura e nevada, sem imaginar para onde aquele guarda estava nos levando.

    Mas, se ele estava com o símbolo do exército estampado em sua camisa, para que desconfiar? A estrutura muscular dele também não é das melhores. Se fosse alguma emboscada, consideraria a pior de toda a história.

    — Isso não tá meio estranho, não? — murmurou Gaia.

    Estávamos logo atrás do guarda, que insistiu em ir na frente para proteger os civis.

    — Você percebeu também — sussurrei. — Ele não parece ter más intenções. Qualquer coisa é só…

    Até que, naquela floresta escura, começaram a aparecer tochas presas no chão. Pequenas chamas que iluminavam minimamente a região.

    Tinha um grande teor de improvisação dentro daquele trabalho artesanal. Parecia ter sido feito às pressas. 

    Eram tecidos diferentes, como se fossem retirados de roupas. Seus gravetos, feitos da madeira retirada diretamente daquela floresta.

    Não demorou muito para que percebesse alguns tocos de árvores.

    Gaia segurou minha mão e apontou para meu rosto. 

    Foi quando me lembrei que não tinha tirado as marcas de batom da minha cara. 

    Desesperada, comecei a limpar meu rosto com a manga da roupa. Não deu certo e não parecia que ia dar certo. Gaia começou a rir de mim.

    O guarda parou.

    — Será que dá para parar de gracinhas aí atrás? — disse.

    Seu jeito arrogante não combinou em nada com a aparência que antes tinha mostrado. 

    Mas, mesmo que dissesse isso, não adiantou nenhum pouco para minha situação.

    — Você está manchando mais… — murmurou Gaia em meu ouvido.

    Seu tom de voz provocador me fez dar um pulo de susto. Nunca pensei que ela poderia falar daquela forma.

    Corei.

    — N-não faça mais isso — respondi. — Assim desviaremos o foco do caminho.

    Coloquei a mão sobre minha bochecha, percebendo o quão quente estava naquele frio. Agora posso afirmar que esse jeito de falar tinha funcionado.

    Gaia puxou minha mão de volta para a sua, entrelaçando nossos dedos.

    Após tanta caminhada, finalmente pudemos ver o nosso destino. Como uma luz no final do túnel, um pequeno acampamento apareceu em nossa visão.

    Quero dizer, de pequeno não tinha nada.

    Era imenso. Mas, de certa forma, improvisado.

    Pelo visto, assim que tiveram a notícia das fraturas, começaram imediatamente a construir esse acampamento na floresta.

    O número de soldados havia diminuído, contudo, era o suficiente para suprir a população que ali restava.

    Avistei de longe Ester, que repousava em um banco. Quis ir correndo até ela, entretanto, Gaia me impediu.

    — Você ainda está suja, lembra? — disse em provocação.

    — E-eu não me importo! — Mostrei a língua em resposta.

    Claramente me importava. A vergonha era tanta que uma hora desapareceu. Como um ciclo que só poderia ser aceito naquele momento.

    Gaia estava com suas roupas rasgadas e eu com suas marcas de batom, com roupas também rasgadas. Tinha como piorar? Eu acho que não.

    Antes que eu corresse, Gaia me impediu mais uma vez. Ela não gostou da minha ida? Que maldade!

    Só queria saber se Ester continuava bem. Afinal, tudo que eu lembro dela é de ter entrado novamente para dentro da mansão.

    E One… por que seu corpo estava lá?

    Eu fiz algo?

    Eu definitivamente fiz algo…

    O mundo começou a girar de repente. Sentia uma ânsia de vômito só de pensar em todas as besteiras que poderia ter feito. 

    — Não corra. Aqui eles estão trabalhando duro para atender às expectativas dos necessitados. É sempre bom tomar cuidado.

    Até que eu ouvi sua voz. Ela me trouxe à realidade novamente, me puxando de um abismo que estava caindo.

    Estendi minha mão.

    — Vamos juntas então? — disse, sorrindo.

    Ela agarrou minha mão.

    Passamos por diversas tendas. Não pude deixar de notar a grande quantidade de pessoas feridas naquele acampamento. Eram tantas que nem poderia chegar perto de imaginar uma estimativa. 

    Uma leve tristeza surgiu ao ver todos aqueles machucados. Arranhões gigantes, cicatrizes eternas, queimaduras graves. Tudo por conta de um leve deslize.

    Chegamos até Ester, que parecia visualmente alterada. Roía suas unhas em ansiedade, como se algo estivesse acontecendo naquele exato momento. Ou talvez estivesse esperando uma notícia.

    — E-Ester? — perguntei.

    Assim que escutou uma fração de minha voz, Ester me abraçou. Nem havia me enxergado direito ou perguntado nada, apenas me abraçou.

    Esse seu ato me preocupou, afinal, ela nunca tinha feito nada assim. Passava sua mão em minha cabeça, fazendo-me carinho.

    Como um brinquedo para tirar sua ansiedade, eu havia agido. Pouco a pouco, seu corpo que tremia bastante, começava a se acalmar. 

    Ela batia os dentes incessantemente enquanto continuava a dar carinho. Nunca vi Ester dessa maneira.

    Seus olhos estavam arregalados.

    — E-Ester? Está tudo bem? Você tá me deixando preocupada… — disse.

    Gaia, por outro lado, abriu a tenda que estava ao nosso lado. Após fazer isso, olhou para mim, levantando ainda mais os panos.

    Havia entendido o porquê dessa reação de Ester.

    Dentro da cabana, repousava Jorge. Não morto, mas ferido, muito ferido. Sua perna direita estava completamente destroçada, talvez sujeita até mesmo a uma amputação.

    Ele aguentava toda aquela dor.

    Um membro totalmente coberto por grandes feridas abertas. Eram ferozes e davam nojo apenas de ver ao longe.

    Perto de Jorge, repousava um guarda que cuidava das suas necessidades. Naquele momento, ele estava checando a condição de seus ferimentos.

    Além de sua perna, Jorge ainda tinha outras feridas em seus braços e rosto, mas nada comparável à citada anteriormente. Fiquei com vontade de vomitar. Olhar para aquilo por muito tempo não fez bem para meu cérebro.

    Assim que nos viu, Jorge abriu um sorriso.


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