Capítulo 65: A Santa!
— Se sente melhor, Ester? — perguntei.
Coloquei minha mão em seu ombro, sentindo seu corpo tremendo por completo.
O assunto ainda era Jorge. Eu me sentia triste por isso ainda. Mesmo que nossas situações de perda dos membros sejam diferentes, senti empatia com ele nesse aspecto.
Justamente por ele ter sentido dor.
Me considerava sortuda por não lembrar direito da minha primeira morte, da dor sentida e muito menos como ocorreu. Só sei que não cometi os mesmos erros.
Mas… será que, se eu morrer de novo, isso aconteceria? Se eu morrer, será o fim verdadeiro?
Ou, caso não seja realmente meu fim, eu teria que fazer outro sacrifício. Perder mais um membro? Talvez até pior…
Não sei exatamente para onde essa habilidade Fantasia chega. Espero, espero muito mesmo, que minhas teorias estejam erradas.
— Estou bem — disse Ester, fingindo um sorriso.
Erro meu por não ter percebido isso de longe.
— … Posso perguntar sobre ele? — falei, temendo por sua resposta.
— Seven, percebo o quanto sua preocupação é verdadeira. Mas… ele vai ficar bem, eu confio nisso. O médico falou que sua situação ficou estável agora, mas, caso ele piore, corre o risco de perder sua perna.
— Sinto que não foi muito legal eu ter perguntado, desculpe. Só… não se culpe demais. Apenas ver você triste me deixa triste.
Ela soltou uma leve risada, quebrando o clima tenso.
— Eu não me culpo, Seven. Jorge sempre foi uma pessoa forte. Não é a primeira vez que ele se machuca feio… mas espero ter sido a última. Acabo sempre me preocupando demais.
A abracei mais uma vez, sabendo que agora ela estava bem, mesmo que não fosse seu melhor estado. Seu uniforme cheio de pingentes não ajudou nenhum pouco na parte de deixar o abraço confortável.
Após alguns segundos, Ester se afastou.
— Muito obrigada, Seven — disse, limpando algumas poucas lágrimas que escorriam em seu rosto. — É tanta coisa acontecendo que não sei nem como lidar com isso. O desaparecimento de One, essas fraturas e principalmente o estado de Jorge me deixam tão…
Escutar suas palavras me deixava meio triste, mesmo que fosse a mais pura verdade. Ester se sentia sobrecarregada e eu não poderia fazer nada contra isso. Apenas senti palavras vindas de meu coração. Palavras que deveria falar para ela.
— Não carregue tudo isso sozinha. Pode contar comigo para qualquer coisa que farei o possível para ajudar.
— Suponho que você esteja certa. Obrigada de novo, Seven.
A nossa vez finalmente havia chegado.
Daquela mesa cheia de comidas, peguei apenas um prato de sopa e um pão. Para acompanhar, apenas um copo de suco foi o suficiente.
Não estava com tanto apetite naquela noite.
Me despedi de Ester, que agora estava realmente melhor consigo mesma. Logo, desapareceu em meio à multidão.
Andei até a cabana onde estava Gaia, pensando em tudo que tinha acontecido até agora. Estava muito cansada mentalmente.
Mas, estar com essas pessoas ameniza a situação um pouco. Não é tão cansativo ficar tão perto deles.
Principalmente de Gaia.
Ah…
Parei um pouco.
Meus pensamentos logo mudaram para essa pessoa. Era como se não pudesse parar de imaginar ela por um segundo.
Acabei me dando um tapa mentalmente.
Tinha que focar em outras coisas por um momento.
Segurar aquela bandeja com uma mão não foi tão difícil quanto esperava. Ter a sorte de ser metal foi uma das coisas que me possibilitou fazer esse feito.
A deixei flutuando em minha frente, tendo certeza de não a deixar cair.
Quando cheguei à cabana, levantei o pano que cobria a porta e entrei. Gaia estava deitada naqueles montes de saco que outrora chamei de cama.
Se embrulhava com um lençol feito de trapos, olhando-me fixamente. Ela não falou nada, pelo menos, não quando entrei.
Cheguei mais perto da mesa, colocando a bandeja recheada de alimentos sob ela.
— Você não vai falar nada mesmo? — perguntei, enquanto pegava o copo de suco.
Comecei a bebê-lo, pouco a pouco.
— Eu tô sem nada por baixo — disse Gaia, com uma cara séria.
Nesse momento, cuspi todo o suco que tinha bebido, ou quase bebido.
— Que?! — gritei.
Talvez… mas só um talvez… tenha gritado muito alto do que devia. Gaia se assustou com minha reação. O que ela esperava, então?
— Calma… foi só uma brincadeira — disse Gaia, rindo. — O que você trouxe aí para comer?
— Não mude de assunto após isso! — Cheguei mais perto e bati de leve em sua cabeça.
— Ai, ai! Desculpa! Não farei mais isso.
— Você me assustou. E se… e se… alguém entrasse aqui que não fosse eu?
— Mas eu não estava despida…
— Humpf. Não importa.
— Que? Não fique brava comigo assim! — Gaia começou a implorar.
Andei até a mesa e me sentei em uma das duas cadeiras que ali tinha. Cruzei as pernas, olhando para ela, sem dar uma única resposta.
Gaia se aproximou, fazendo uma massagem em meus ombros. Talvez fosse seu jeito de pedir perdão?
Não vai funcionar.
Eu estava totalmente à prova de carinhos naquele momento. Nada vai penetrar minha defesa inquebrável.
Cafunés, beijinhos, abraços e massagens. Foram totalmente inúteis contra minha força de vontade. Em nenhum dos momentos que ela tentou, eu me deixei levar por pensamentos intrusivos.
Comecei a me alimentar com aquela comida. Estava saborosa.
O carinho que colocaram na sopa era evidente conforme os temperos passavam pela minha língua. Mesmo que fosse apenas uma comida de emergência.
— Eiiii! — Gaia resmungava, enquanto me balançava na cadeira. — Me dá pelo menos uma colherada na boca! Vai ser romântico, prometo. Daí você vai ficar com aquela carinha de fofa e vai me perdoar logo, logo.
— Quero saber quem te ensinou esses clichês.
— Aprendi sozinha, claro. Fiquei vários anos sendo uma lunática por livros para nada.
— Não, não vou. Eu estou brava. Venha e coma com sua própria mão — respondi.
Mais uma colherada.
E… quando estava indo para a terceira, Gaia deitou-se em meu colo, ajoelhando no frio chão.
Inesperado.
— Por favor, não fique com raiva de mim… Faço qualquer coisa para que você melhore… — Ela tinha chegado no seu limite.
— Qualquer coisa?
— Qualquer coisa.
Puxei sua cara para mais perto, aproximando nossos lábios. Seu rosto cheio de expectativa pareceu gostar de minha ideia.
Até que dei um beijo em sua bochecha.
Todo o brilho em seus olhos desapareceu em instantes.
— Sério? — resmungou. — Sério que vai fazer apenas isso?
— Ué, não era qualquer coisa? Agora eu estou melhor.
— Mas…
— Aqui, tome.
Puxei uma colher da sopa para sua boca.
Gaia ficou visivelmente indecisa com a situação. Se ela aceitasse, estaria aprovando minha provocação. Caso contrário, perderia uma chance de ouro.
No final, ela fez a escolha certa. Mordeu aquela colher como se fosse a última de sua vida, comendo toda a sopa.
Ri de sua cara, afinal, ela sujou o canto de sua boca com o molho da sopa.
Em um movimento totalmente premeditado, limpei os restos com o dedo, admirando seu rosto.
Após isso, foi um grande misto de acontecimentos. Terminei de comer, dando o resto que faltava no mais estilo romântico comentado anteriormente por Gaia.
Ela ajeitou os lençóis da cama, deitando primeiro.
Olhando para toda aquela situação, me perguntava se era realmente seguro deitar-me junto. Afinal, era a mesma noite em que ela havia se descontrolado.
No final, desisti e deitei junto. Estava cansada o suficiente para não ligar aos pequenos detalhes. Por sorte, ela também compartilhava as mesmas sensações que eu.
Dormiu que nem um neném. E antes de mim!
O dia se passou e… não tive nenhum sonho ruim.
Iria ficar aliviada com essa situação, se pelo menos não tivesse sido acordada por toda uma comoção no acampamento.
O sino tocava sem parar, e os passos dos guardas cobertos de armaduras não eram os mais agradáveis.
— A Santa está aqui! A Santa está aqui! — gritavam.
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