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    — Está tendo problemas, irmã? — perguntou a voz do meu lado. 

    Me virei num instante para ela, apenas para descobrir ser a boboca com quem compartilhava o sangue.

    — Por que você está aqui? Não deveria estar salvando a minha mãe? — perguntei, tentando parecer calma.

    Só que era impossível!

    Todo esse papo de batalhão era demais. Por mais que já tivesse me comprometido, ainda era muito mais do que eu podia lidar.

    — Ah! É mesmo! — disse Karolina, levantando um dedo de sua mão. — Deixei ela na cidade. Heh! Foi numa loja que tinha roubado mais cedo.

    Roubado?

    Ela ainda tá nessa?

    — Ainda não tem dinheiro no bolso, pelo visto. — Cocei a cabeça. — Você deveria parar com esse seu hábito de roubo. Matar vai te garantir milhões de dinheiro! 

    Fazia um gesto de grana com as mãos, enquanto os olhos brilhavam.

    — Eu não quero dinheiro infinito, Karina! Por enquanto, prefiro ficar só nas minhas queridas invenções… — Seus olhos se viraram ao chão, e dava para perceber o quanto ela adorava tudo que havia criado. — Elas… são… tão… majestosas.

    Ew!

    — Nojento.

    — Ahn?

    — Nada não.

    Uma expressão confusa se estendeu no seu rosto.

    — Afinal, quem são eles? — perguntou, virando-se para os subcomandantes do segundo batalhão.

    — Ei… Espera um segundo — disse, franzindo a testa. — Tenho uma pergunta melhor.

    — Que foi?

    — Por que você está toda esburacada? — falei num tom rápido. — Por acaso deixou a mamãe na cidade para lutar? Veja isso! Está toda suja e rasgada! Como pode se orgulhar de ser assim?

    — Cê não sabe de nada, mana. A natureza da vida é lutar! Lutar é o que nós faz humanos… — Karolina se movia pela chuva como se estivesse em alguma peça de teatro. Ou melhor, de um musical.

    — Pare com isso. Só está me envergonhando! — Bati em sua cabeça com força, esperando que ela voltasse ao normal.

    Colocou as mãos em cima da área afetada, choramingando pelo soco que acabara de receber.

    — Isso dói, sabia? Dói muito! — disse. — Agora eu entendo o motivo de você ser conhecida como a “Matadora de um soco”.

    Que nojo.

    — Não me use para suas fantasias estranhas.


    Acabamos nós abrigando-nos em uma cabana após um tempo. Naquela chuva sangrenta, era pior para nós se ficássemos tanto tempo nela!

    Não sei o quão prejudicial é, para o ser humano, ficar continuamente nela, mas imagino que seja muito. Então, queria só evitar uma dor de cabeça.

    Karolina me informou que a mamãe estava segura o suficiente, afinal, aquela cidade estava quase vazia. 

    Confesso que fiquei com receio de suas palavras. Aguaforte estar vazia não é um bom sinal, mas, no final, acabei confiando nela.

    Acabamos num grande círculo, rodeando a fogueira no centro. Era uma pequena tentativa de se esquentar nesse tempo. 

    Tudo parecia tão morto. Essa havia sido minha melhor sugestão no momento.

    — Está tudo bem, comandante? — perguntou Otto, se aproximando. — Seu rosto está tão ilógico agora.

    Ilógico? Que cara mais estranho.

    — Nada demais. Só estou pensando um pouco sobre tudo o que está acontecendo. 

    — Ainda preocupada com o antigo comandante? — disse Gumi.

    É.

    Era uma das minhas preocupações.

    — Vocês são estranhos. Já falaram isso alguma vez?

    — Várias vezes — interrompeu Uriel. — Mas uma hora aprendemos a aceitar como nós somos. Pelo menos eu consigo ser feliz dessa forma.

    De repente, senti algo tocando as minhas costas. 

    — Matou o comandante deles e, de repente, virou a nova comandante? Essa é nova! — Karolina gargalhava alto. — Queria ter essa sorte!

    Antes mesmo que pudesse falar mais besteiras, dei uma cotovelada nela.

    — Cala a boca.

    — Ownt! Você é tão amorosa dessa forma, irmã!

    Um simples biscoito foi passando de mão em mão. Era a melhor comida que poderíamos ter naquele instante, e palavras não eram o suficiente para agradecer por ela!

    — Ah… Karina — murmurou, um tom sério.

    Algo diferente de todas as outras vezes. Não era a minha irmã naquela hora.

    Foi um grande choque! Confesso que quase pulei do chão.

    Mas…

    Se era algo tão sério que necessitava iniciar nesse tom, então era melhor que ninguém pudesse ouvir isso.

    — Erm… Vocês quatro aí — disse.

    Todos viraram quase no mesmo instante.

    — Sim? — falaram juntos, quase como um coral.

    — Uau… Será que poderiam me dar a barraca por um instante? Acredito que os outros soldados necessitem dessa comida — apontei.

    Otto foi o primeiro a bufar diante da minha ordem.

    — E você tem o direito de mandar em alguém? — resmungou.

    — Otto! Não fale essas coisas — disse, pegando o menino pelo braço. — Já vamos, comandante. — Ele virou-se para a porta da barraca, andando até ela. Mas, antes que pudesse sair, olhou para mim. — Só não abandone a gente.

    Essas últimas palavras me atingiram como uma grande flecha. Talvez meu destino já tivesse sido selado com todos daquele batalhão.

    Olha que eu nem passei tanto tempo com eles!

    Todos saíram após um tempo, deixando apenas eu e Karolina naquela cabana.

    — … 

    Um silêncio constrangedor se estendeu por um tempo, antes que pudesse iniciar a conversa.

    — Desculpa — disse, sem ao menos olhar em seus olhos.

    Ainda estávamos apoiando uma na costa da outra, e isso possibilitou a minha iniciativa.

    Karolina deu uma pequena risada.

    — Está se desculpando pelo o que? Você é uma boba mesmo! — Continuou rindo, até que parou de forma brusca. — Sou eu quem deveria falar isso. 

    Não…

    — Fui eu quem te abandonei lá. Acabei sendo muita cara de pau de te pedir ajuda agora. 

    Ela ficou calada.

    O maldito silêncio.

    Um silêncio que me perseguia aonde quer que eu fosse.

    Só não suportava ele.

    — Não precisa ficar preocupada com isso. Sou sua irmã, compartilhamos o mesmo sangue. — Karolina acariciou meu cabelo. — Quando você me pediu ajuda daquela forma desesperada, foi tão… Não sei descrever muito. Só fiquei muito feliz com isso.

    — Feliz? — Soltei leves risos. — Você é estranha, irmã.

    — Quase nunca recebo um pedido seu. É sempre uma felicidade te ajudar, sabia? Me sinto muito solitária naquele laboratório debaixo da terra.

    É…

    Devo imaginar o quão solitária isso é.

    — Obrigada…

    — Haha! É engraçado ver você me agradecendo assim. Deveria fazer mais vezes! — bradou Karolina. — Mas sabe… Ainda não consigo te perdoar por aquilo. 

    — Não posso voltar atrás dessa decisão. É um fardo que tenho de carregar.

    Os dias estavam ficando cada vez mais longos quando pensava nisso tudo. Só que… era apenas uma impressão errônea minha.

    Alguma hora eles se tornariam curtos. Meu tempo estava acabando…

    — Vou encontrar um jeito de te salvar. Eu prometo.

    Queria responder que não precisava disso tudo e talvez fazer com que ela focasse em outra coisa melhor. Mas de nada adiantava contestar quando Karolina achava o seu foco.

    — Aguardarei ansiosamente por sua solução, Karolina.


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