Capítulo 72: Sua Existência Não É Necessária
Gaia me deitou no sofá, olhando para meu rosto. Todos os seus movimentos eram vergonhosos demais!
— Não me olhe muito… Dá vergonha — disse, minha voz lutando para sair da boca. — Estou muito suja.
Gaia não respondeu no primeiro instante, apenas riu da minha cara, seus olhos fechando de tanto forçar.
— Está rindo do que!? — Sentei-me, batendo em seu braço logo após. — Confiei em você…!
Continuei nessa sequência de batidas fofas em seu corpo de madeira. Pelo menos até que ela segurasse minha mão.
Era gelado!
— Você… tá realmente bem? — perguntou, quebrando o clima brincalhão que estava sendo plantado. — Seus olhos não parecem demonstrar o mesmo sentimento de antes.
Que…?
Não entendia nada do que queria falar. Gaia estava percebendo algo que nem mesmo eu percebia?
Quero dizer… talvez tivesse uma certa noção do que ela estava falando.
— Estou bem — respondi sem pestanejar. — Apenas um pouco cansada do que passei hoje.
O silêncio dominou o cômodo. Apenas os murmúrios das garotas inundavam o local.
Era confuso. Tudo estava tão confuso.
Queria entender e organizar meus pensamentos, mas tudo acontecia tão rápido. Como se, de alguma forma, quisessem acabar com minha existência de uma vez só.
— Seven, você está bem? — perguntou Gaia mais uma vez.
Era um sentimento reprimido. Talvez ódio? Não. Não era mais ódio. A raiva que sentia não era nada comparada aos outros sentimentos que escondia.
Ardia.
Ardia!
Era como fogo.
Um fogo que se apagou rapidamente com uma chuva forte. E, no local daquele fogo, um pequeno lago surgiu.
Lago feito de lágrimas.
Lágrimas que surgiram sem antes perceber.
— Eu tô bem, Gaia — disse.
Mesmo que essas palavras saíssem de minha boca, elas não eram o suficiente para tapar o grande buraco que havia em minha alma.
Ataduras feitas de papel que não podiam suportar a imensa correnteza da água.
Talvez… eu devesse apenas me deixar levar por esse rio.
— Você não está nada bem, sua idiota — interrompeu Gaia, colocando a mão em meu rosto.
Seus gestos pareciam estar limpando algo, mas o que seria? Não estava chorando, não é…?
Estava.
Era claro que estava!
Mas… não sabia o porquê.
Eram vários motivos, mas nenhum se sobressaiu como o correto. Uma explosão de sensações?
Ah…
Eu…
— Quero fugir daqui.
— Ahn? Você…
— Não aguento mais sofrer tudo isso, Gaia. Eu quero viver tranquila — disse.
— Mas e o seu passa–
— O passado não é algo que me dá vontade de saber mais. Descobri algo melhor do que entender quem eu era — interrompi, as lágrimas caindo pelas minhas bochechas. — Encontrar quem eu fui não vai me ajudar a entender o presente.
Gaia não contestou o meu pensamento. Pelo contrário, apenas riu de tudo.
— É… Não consigo discordar. Se descobrir seu passado vai lhe mudar, então, eu prefiro ficar sem ir atrás dele.
— Já lhe perdi uma vez. Fui presa uma vez. Perdi tudo uma vez. Não quero ter que sofrer uma segunda! — Encostei minha cabeça na sua. — Só…
O silêncio.
Algo havia acontecido.
— Isso está errado — ecoou a voz. — Você está pensando errado. Como pode sequer raciocinar em não descobrir o seu passado?
Que? Não, não, não!
Não!
Me leve de volta!
— Temo que não será capaz de fazer isso, minha criança — disse o senhor. — Vamos conversar um pouco.
[O Complexo percebeu a irregularidade local.]
Eu… fiz algo de errado?
Apenas havia pensado em não ir mais atrás das minhas memórias! Isso não é nada demais, afinal, não devo ser importante pra esse mundo!
Me deixe ficar com minha família, por favor.
Ainda estava chorando, mesmo que fosse esse sonho bobo. Havia voltado mais uma vez para aquela cidade. Me sentia muito cansada de ver essa arquitetura de novo e de novo.
— Como você se sente, Scarlett? Está vivendo bem?
Queria estar vivendo bem. Pelo menos era isso que tentaria responder se pudesse!
[O Complexo está tentando burlar as leis do local.]
Avancei para cima do senhor, pegando em sua camisa.
Queria que você estivesse muito bem longe daqui.
[O Complexo detectou formas de adentrar as fortalezas que impedem a fala.]
[Analisando forma…]
[Análise completa!]
[Executando…]
Me preparei para dar-lhe uma cabeçada. Naquela hora estava no êxtase do desespero!
De maneira nenhuma queria ver o rosto desse senhor. Seria pior pra ele se tentasse qualquer coisa contra mim!
É, é isso. Não iria mais aguentar o seu teatro.
Estava louca.
— Seu desgraçado! — Minha voz saiu. Pela primeira vez, minha voz saiu. — Será que tem como parar de joguinhos comigo?
Antes que pudesse acertá-lo, todo o seu corpo sumiu.
— Você ultrapassou algo impossível — comentou o senhor. — Não posso deixar que você viva uma vida feliz como quer, uma vez que você tem um potencial incrível.
Sua mão foi levada ao queixo.
— Não quero saber — As lágrimas caíam mais e mais de meu rosto. — Me mande de volta! Você é o culpado disso tudo!
Agora o fogo convivia com a água, formando uma harmonia quase inseparável.
Estava frustrada.
— Se acalme, Scarlett. Ainda podemos resolver os seus problemas — interrompeu o senhor, abrindo o guarda-chuva. — Está apenas estressada com tudo que aconteceu. Não é nada demais.
— Nada demais? Nada demais!? — gritei. — Não aguento acordar todos os dias pensando no que vai dar errado. Não aguento pensar que um dia poderia perder minha família. E tudo isso por causa de… você.
As luzes piscaram por alguns segundos.
— Como poderia ser minha culpa? Sou apenas um observador. Não vejo como esse peso possa cair sobre mim.
— É mais claro do que o dia! Você está na minha cabeça desde quando cheguei aqui. Como não poderia ter evidência melhor? As coisas ruins apenas acontecem quando você aparece com antecedência — expliquei. — Tudo! Sem exceção!
As luzes piscaram cada vez mais.
Constante, como se fossem explodir a qualquer momento.
— Você não pode ser assim. Ainda temos coisas a resolver, Seven — disse o Senhor. — Esqueceu que existe um objetivo para você cumprir?
— Que se dane esse objetivo! Já disse que quero apenas viver tranquila!
— Nem ao menos se importa com suas memórias?
Mordi o lábio.
Ainda estava dividida nesse ponto.
Só que… um lado da balança prevalecia por pouco.
— Não quero saber mais delas. Se isso for afetar quem eu sou, prefiro apenas desconhecer essa antiga eu!
As palavras de Gaia vieram à minha mente.
Pela primeira vez, o velhote parou de sorrir.
— Então você não me serve mais.
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