Capítulo 8: Tentar Mais Uma Vez
— Então… naquela hora era você que estava me impedindo de desfazer essas hastes? — perguntei. O sono não me fazia entender tão bem a situação, o que me fez apenas levar aquilo como normal.
Karina não me respondeu, apenas continuou fazendo todo aquele processo estranho. Retirar hastes, implantar novas, higienizar. Um processo indolor, mas supus ser por conta de um gel que carregava.
Ela passava perto das pequenas estruturas metálicas, o que, em segundos, me fazia parar de sentir dor naquela região. Bom, era isso ou eu estava perdendo a sensibilidade das pernas.
Demorou um tempo até que terminasse toda essa sessão. Todas as técnicas medicinais que ela usou eram totalmente desconhecidas para mim.
Me estiquei, colocando a mão em seu cabelo, fazendo cafuné.
Não sabia o que tinha dado em mim, só… foi involuntário, sabe?
Ela reagiu bem, aproveitando ao máximo todo o carinho que estava recebendo.
Talvez, mas só talvez mesmo, eu estivesse me dando bem com essa ideia de ser mãe. Ainda estava relutante, óbvio! Não vou me deixar levar tão cedo por esse pensamento.
Seus olhos agora pareciam brilhar, o que me fez sorrir junto disso.
— Desculpa — disse, afastando minha mão, coloquei-a perto do meu peito. Karina, entendendo aonde isso iria chegar, pegou minha mão.
— Está pedindo perdão pelo que, mamãe? — indagou, colocando minha mão de volta em seus cabelos, como se pedisse por mais cafunés.
— É que… eu sou impotente para cuidar de você agora. Estou com as duas pernas quebradas e ainda sou uma fugitiva, você não vai se dar nada bem comigo por perto. — Afastei minha mão de novo.
Nesse momento, foi como se o tempo tivesse parado. Karina me olhou confusa.
— Só vim para cá porque queria encontrar você. Foi escolha minha. E também, eu sou forte, posso proteger a mamãe — respondeu, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
Meu coração esquentou. Pelo menos, foi isso que senti.
Não sei o motivo de ter sentido essa sensação, mas a cada segundo, era como se a ideia de perder essa garota fosse algo horrendo de se pensar.
Ela não deveria estar na fase rebelde?
Ri mais uma vez.
Era tão engraçado pensar sobre isso.
Ainda não entendia todo esse evento que estava acontecendo. Karina já está adulta e ser minha filha me deixava muito, mas muito confusa.
Porém, meu coração estava escrevendo outra história, e não sei se consigo impedir ele nesse momento. Acreditava que ela poderia ser minha filha… mas como?
Talvez um clone meu? Não acho que isso exista. Se fosse, ela teria minhas memórias e seria igual a mim.
Oh! Estou pensando demais.
Talvez isso possa ter a assustado.
Karina apenas me observava com um olhar penetrante. Eu a assustei mesmo?
— Desculpa, me perdi em pensamentos — disse. Tentei me ajeitar naquele solo, movimentando um pouco a perna.
Era difícil, mas uma hora consegui.
— Está tudo bem, eu quem deveria ter pedido perdão primeiro por estar a encarando demais. — Ela estendeu a mão e me ajudou a subir no tronco de madeira que ali se encontrava caído.
Sentei-me nele, olhando para a grande paisagem que se estendia até onde meus olhos puderam chegar. Uma vasta floresta, linda e cheia de vida.
Árvores pequenas, mas compostas por ninhos e casas de insetos. Poderia parecer nojento, mas Tyrael não continha tanta vida assim andando por aí.
O vento empurrou o meu cabelo para os olhos, impedindo que continuasse admirando o cenário.
Me desesperei rapidamente. Cabelos entraram para minha boca e os outros fizeram-me cócegas.
Karina me ajudou, tirando todo o cabelo que estava atrapalhando meus olhos.
Peguei uma mecha.
— Tá muito grande… não gosto assim.
— Prefere curto, mamãe? — Karina se apoiou em minhas coxas, tomando cuidado para não mexer nas hastes. — Se quiser, posso cortar, tenho uma certa habilidade com facas.
— Você consegue mesmo?
— Sou a melhor, claro que consigo. Se me der um tempinho, posso transformar essa juba em qualquer coisa que possa imaginar.
Acabei rindo do seu jeito de falar. Karina ter uma personalidade forte é bem… cômico, se assim posso dizer. Acho que combina bem com ela.
Só espero que isso não lhe cause problemas no futuro.
— Até em um grande bolo de chocolate? — falei, brincando com sua cara. Seus olhos brilharam naquele mesmo instante, como se tivesse enxergado todo o processo necessário para transformar meu cabelo numa fatia de bolo.
— Até nisso… Posso até fazer o pra–
— Não. Só estava brincando. E… facas? Não seriam tesouras?
— É, é. Tesouras também — respondeu, fazendo beicinho.
Coloquei minha mão em sua cabeça, acariciando lentamente. Enquanto isso, ao mesmo tempo, Karina enrolava seus braços sobre minha cintura. Ela me abraçava com carinho, era possível sentir isso.
Ela afundou sua cabeça em minhas coxas, como uma criança fazendo birra. Talvez… eu tenha dito algo errado?
Suas ações lembram as de uma criança orgulhosa. É… essa é a definição perfeita. Talvez seja porque ela nasceu há cinco anos.
Sua fase inocente deve estar no auge.
— Você não vai deixar eu cortar? — perguntou Karina.
É… era alguma birra.
Demorei para responder à sua pergunta.
— Hmmmmm… — Continuei acariciando. — Pode sim. Não recusaria um pedido tão carinhoso quanto esse.
Ela levantou sua cabeça rapidamente, o que me fez tomar um breve susto. Entrelaçou os dedos da mão, brilhando seus olhos.
Naquele momento, tinha dado apenas uma pequena permissão que a deixou muito feliz. Apenas de ver seu sorriso aparecendo, me fez tirar essas conclusões.
Ela saltitou até minhas costas, dando toda a volta pelo tronco, levando consigo uma pequena maleta. A colocou no chão, retirando uma pequena tesoura de dentro.
Karina alongou as pontas, deixando cada vez mais parecida com uma ferramenta própria para cortar cabelo.
Ver aquele controle de metal era incrível. É legal… poder ver meu poder em outras mãos.
Pelo visto, ela tinha um controle maior que o meu. O que na verdade é muito justo, pois pratiquei muito pouco.
— Deixe-o curto, Karina. — disse, enquanto estalava os dedos.
Ela fez uma manobra irada com a tesoura, rodopiando por seus dedos sem se machucar. Após isso, posicionou do jeito correto.
— Pode deixar, mamãe!
Meu cabelo havia crescido muito nesses cinco anos. Não tive nenhuma tesoura ou ninguém para pelo menos aparar um pouco.
Ela começou pelas pontas, cortando grandes quantidades de cabelo. A cada tesourada, sentia que parte de minhas memórias era levada junto.
Mas não memórias boas, apenas caíam por terra as lembranças ruins.
Os tapas.
Rip!
Os chutes.
Rip!
As comidas podres.
Rip!
Sessões de tortura.
Rip!
Tudo isso caía junto às tesouradas.
Demorou um tempo até que Karina terminasse todo o seu trabalho, mas, sinceramente, valeu cada segundo.
Ela continuou conversando sobre todo o seu passado enquanto isso. Todo o treinamento que teve até chegar a esse ponto, além de alguns serviços engraçados que ela recebeu.
Me incomodei com bastante coisa desses relatos. E a principal coisa foi como eles a trataram como um instrumento de matar.
Ela me contava sem qualquer filtro. Sua inocência deve ter sido um impulso para ter sido manipulada tanto assim.
Até que enfim… terminou.
— Olha! Olha! — vociferou Karina, empolgada com seu trabalho.
As mechas estavam perfeitamente boas, mas não conseguia ver muito bem a parte de trás.
Talvez esse pequeno incômodo tenha transparecido para ela, que retirou um espelho de sua caixa e me deu.
— Você sempre carrega espelhos? — perguntei.
— Sou uma mulher preparada! Humpf! — respondeu, orgulhosa de seu feito.
— Deu para perceber — disse, rindo, enquanto colocava a mão sobre a boca. — Está bom, mas muito bom. Muito obrigada por esse corte, Karina.
Meu cabelo estava… lindo.
Ela havia diminuído de um jeito que me agradou, em muito. Estava diferente do anterior? Sim, estava.
Porém, eu precisava mudar.
— Se me permite. — Utilizei o ferro da tesoura de Karina, o transformando em um pequeno anel que se encaixou em meu dedo anelar.
— O que isso significa? Deveria fazer um também para mim? Quero combinar com a mamãe de alguma forma. — Karina se acomodou em minhas coxas de novo.
— Não… não faça. Isso significa algo muito importante que fazemos com pessoas especiais.
— Mas a mamãe é uma pessoa especial para mim.
Eles não haviam explicado isso para ela? O quão longe vai sua inocência?
— É… mas é diferente. Apenas faça isso quando conhecer alguém com quem você quer passar o resto da vida, de uma forma muito especial e romântica.
— Hummmm… Entendi, eu acho. Hehehe! — Olhou para o horizonte. — Então, quem é essa pessoa especial para você?
Ah…
Quem é ela?
— Espero que um dia você a conheça — respondi, iniciando outra onda de cafunés.
O aroma fresco do solo penetrava minhas narinas, enquanto um silêncio confortável se acomodava no ambiente. Aquilo era quase como um… novo começo. É, isso está certo. Um recomeço.
Continuou assim por alguns segundos, até minha barriga roncar como o rugido de um grande lobo.
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