[Algumas horas antes.]

    Numa tarde abafada em Bangkok, a cozinha do restaurante exalava uma sinfonia de aromas exóticos. 

    Hazan estava imerso em seu trabalho, o avental branco envolvendo seu corpo, seus cabelos castanhos escuros cobertos por um gorro de cozinheiro. 

    Em algumas panelas das quais manuseava, estavam legumes e carnes cortadas em cubos. 

    Hoje é o dia do pagamento, acho que consigo adiantar um pouco da dívida, comprar algo decente pra comer e pagar as contas desse mês.

    Terminou de mexer em uma das panelas com uma colher, colocou um pouco da essência da mistura no pulso e experimentou, expressando satisfação. 

    Quase passou do ponto, mas tá na medida.

    Tirou a panela de cima e colocou uma frigideira com uma carne já temperada para grelhar.

    Para otimizar seu tempo, aproveitou para cortar o frango e vários outros legumes em cima de uma tábua de madeira, enquanto mexia a frigideira com a carne grelhando.

    Dois cozinheiros cochichavam entre si, os pedidos deles não eram tão elaborados como os de Hazan, e isso acontecia com frequência.

    — Psst, ficou sabendo quem apareceu hoje? — murmurou um dos cozinheiros para o colega. — Somdak, aquele crítico gastronômico famoso, do site “Paladares Divinos”! Ele veio dar uma conferida no nosso cardápio.

    — Eu ouvi falar! — respondeu o outro, animado. — Espero que ele goste da nossa comida.

    — Bem, é melhor mesmo que ele goste — disse um terceiro cozinheiro, se intrometendo. — Seria um desastre se ele fosse arrogante como o Hazan.

    — Falando nele… — Um sorriso debochado se alargou. — Não consigo esquecer daquela entrevista, onde ele disse que seria um campeão mundial. Um estrangeiro como ele, vindo do nada, achando que teria alguma chance…

    — Ele sempre estava cheio de si, né? Agora tá aqui, seguindo ordens. Nada mais adequado para alguém como ele.

    — Olha só, ele quase estragou o tempero desse prato. Acho que ainda não percebeu que não é tão bom.

    As risadas ecoavam pela cozinha, a aversão deles pelo rapaz não precisava ser discreta.

    O gerente Somchai atravessou as portas duplas, um homem de baixa estatura, barba rala e excesso de peso, seu olhar perspicaz observando a situação da cozinha. 

    Ele traçou um caminho até o grupo que se divertia às custas de Hazan, um sorriso insinuante brincando nos cantos dos seus lábios.

    Retirou casualmente um envelope do bolso do seu uniforme de chef e o colocou sobre o balcão repleto de ingredientes frescos. — Ei, senhores, aqui está um adiantamento pelo trabalho duro. Se forem gastar, que seja com sabedoria, não desperdicem tudo em bebida, entendido? — Sua voz carregava uma camaradagem fingida.

    No entanto, o olhar de Somchai desviou-se para Hazan, e ali transpareceu um desprezo notório, uma hostilidade que não fazia questão de esconder.

    — Hazan, já finalizou o pedido número nove? — A pergunta veio da boca do gerente, um tom quase casual tingindo suas palavras. Com um toque calculado, esbarrou no ombro do rapaz antes de continuar sua jornada em direção à saída da cozinha.

    A ponta da faca deslizou sobre o dedo indicador, causando um corte superficial. Hazan agarrou um pano e pressionou contra o ferimento que sangrava, perdendo a concentração por um instante. 

    Merda, a carne!

    Seu olhar voltou à frigideira, retirou rapidamente o bife e vasculhou o entorno. Todos os outros cozinheiros o ignoraram, fingindo que ele sequer existia. 

    Por favor…

    Pegou o bife e o cortou no meio, checando a carne e notando que tinha passado do ponto.

    Temperar e grelhar outro bife vai demorar demais, e os clientes daqui são muito exigentes. Só passou um pouco, não deve ter problema.

    Suspirou, montou o prato, distribuindo a carne, os legumes e a sopa em tigelas brancas distintas, colocando as tigelas em cima de uma mesa com rodinhas.

    — O pedido tá pronto! — anunciou, pressionando o sino. Um garçom apareceu logo em seguida, levando seu pedido para ser servido.

    Pouco tempo depois, o estrondo de passos enérgicos anunciaram a chegada de alguém furioso. O gerente Somchai passou pela porta dupla, seu rosto nada contente.

    Ele marchou até Hazan, o puxando pela manga e o arrastando pelo restaurante. O ambiente era luxuoso, com candelabros presos no teto. 

    O interior tinha cores suaves de madeira clara, com mesas de madeira escura organizadas em fileiras, dando um ar refinado ao lugar.

    — Francamente, não está cansado de me causar problemas? — perguntou o chef, disfarçando sua raiva assim que se aproximou de Somdak.

    De pé ao lado de sua mesa, estava um homem de meia-idade. Trajava um terno branco bastante chamativo e um bigode fino. 

    Ele encarou os dois com desdenho, aumentando a voz de forma estridente. — Me digam o que é isso?! — O homem apontou para o prato. — Esta carne está mais dura do que uma pedra! Você chama isso de comida!? Hein!?

    — Lamentamos p-profundamente q-que sua experiência não tenha atendido às suas expectativas — disse Somchai, juntando as mãos num gesto tranquilizante. — Nós n-nos esforçamos sempre para oferecer o melhor em nosso restaurante… Se houver a-algo em particular que p-possamos fazer para remediar o problema, por favor, nos informe.

    — É mesmo!? Não sei como vocês conseguem chamar isso de culinária autêntica! É quase um insulto à minha profissão ter que tolerar essa refeição medíocre!

    Somdak encarou Hazan, que estava com as mãos para trás das costas. — E você? Foi você quem cozinhou isso, não é? Não tem vergonha de ser um cozinheiro tão horrível? Como ousa cozinhar quando erra em algo tão básico!?

    Foi então que seus olhares se cruzaram. 

    Parece que alguém teve um dia horrível, e é claro que ele não quer passar por isso sozinho.

    — O que está olhando, seu inútil? — O homem rosnou, seus olhos se estreitando.

    Hazan desviou o olhar, soltando um suspiro. Somdak cerrou imediatamente os dentes com tal atitude. Suas mãos apressadas encontraram uma tigela de sopa cheia de carnes e vegetais.

    Splash!

    O choque se espalhou pelo restaurante enquanto o líquido quente e os pedaços de comida voaram em direção a Hazan. 

    A sopa atingiu seu rosto e avental, causando uma ardência imediata. O resto da sopa caiu no chão, manchando o carpete escuro do restaurante.

    — Onde estão as minhas desculpas, hein!? — exigiu Somdak.

    O cheiro da sopa invadiu seu nariz, se misturando com a confusão de emoções que o dominava. 

    Somente mais um dia de trabalho. Lidar com esse tipo de situação era quase uma rotina. Costumava abaixar a cabeça e se desculpar frequentemente, deixando o orgulho de lado.

    O gerente agarrou a nuca de Hazan e o forçou a se curvar, sussurrando em seus ouvidos. — Anda logo e se desculpe, você é o culpado aqui!

    No final das contas, meu ego não é nada comparado à saúde dela. Preciso desse emprego, e se isso significa pedir desculpas para esse idiota, então que seja. Ela precisa de mim.

    Relutou por um instante, então, abriu a boca. — Me desculpe, senhor Somdak — disse em alto e bom-tom.

    — Humf! — Somdak bufou, erguendo o queixo e arrumando o terno. — Veremos se vocês ainda terão clientes após eu compartilhar minha análise sobre essa catástrofe gastronômica!

    Após dizer isso, o crítico se virou, retirando-se orgulhosamente do restaurante.

    Hazan permaneceu parado, os cochichos e risadas dos clientes ecoavam por todo o lugar. 

    Podem rir o quanto quiserem. Desde que as contas do hospital continuem pagas, isso não é nada pra mim.

    Pouco a pouco, as pessoas se levantaram de seus lugares, com claras expressões de nojo, indo embora.

    Quem comeria naquele restaurante após presenciar duras reclamações de um crítico?

    Somchai olhou ao redor, notando a movimentação de seus clientes, e logo puxou Hazan pelo pulso. Apesar de possuir mais força do que seu chefe, deixou que ele o puxasse.

    Nos fundos da cozinha, o gerente empurrou Hazan para o canto e apontou o indicador em seu rosto.

    — Você está acabando com a reputação deste lugar! — gritou, transmitindo seu desprezo. — A reputação que demorei anos para construir! Acha que pode fazer isso e sair impune? Você é apenas um cozinheiro, um empregado!

    As palavras soaram como um zumbido distante. Ele desviou o olhar e abaixou a cabeça. — Desculpe, vou garantir um prato excelente da próxima vez, senhor Somchai. 

    Cozinheiros que estavam por perto começaram a rir da situação. 

    O gerente, com um olhar arrogante, balançou a cabeça negativamente. — Desculpas? Da próxima vez? Acha que sua incompetência pode ser justificada com um pedido de desculpas? Tsc! Isso não passa de pura negligência.

    Seus olhos estreitaram-se, a satisfação de quem saboreava um momento de poder. — Você sempre diz o mesmo, mas nunca muda… Talvez seja hora de repensar sua permanência aqui. Eu poderia facilmente substituí-lo por alguém que saiba cozinhar.

    A postura de Hazan rapidamente mudou, encarando Somchai nos olhos. — Senhor, eu ficaria eternamente grato se pudesse deixar esse erro passar.

    O tom de suas palavras era cru, uma demonstração flagrante de superioridade. — Humf! Você não passa de um empregado, não se atreva a esquecer isso!

    Desde que eu consiga pagar minhas dívidas, não me importo com isso.

    Somchai estava prestes a virar de costas, quando decidiu encarar o jovem cozinheiro uma última vez. Não enxergou o semblante de submissão, medo e fraqueza que tanto gostaria de ver. 

    Faz alguns meses desde que aceitei esse estrangeiro aqui, e ele ainda não entendeu o seu lugar, mesmo com todos os sinais que tenho lhe dado…

    E então veio o golpe mais doloroso.

     — Sabe, Hazan, ouvi falar que sua tia está em coma desde aquele incidente na sua academia, e que você está afundado em dívidas. Tudo causado pelo seu próprio orgulho, e ainda assim, você não muda. Tsc, tsc, quem sabe se soubesse ser humilde, ela não estaria nesse estado lamentável agora.

    A linha que mantinha sua mente calma se rompeu. Podia tolerar os insultos direcionados a ele e suportar quaisquer tipos de humilhações, mas não quando se tratava de sua tia — e única família —, sendo arrastada por palavras cruéis.

    O jovem andou até o gerente, encarando os olhos orgulhosos de seu chefe com um ódio genuíno.

    — O quê? O que vai fazer, hein, garoto? — provocou Somchai, exibindo um sorriso provocante.

    O uniforme de chef foi agarrado, e um soco poderoso explodiu do punho cerrado de Hazan, mirando no nariz.

    Bam!

    Um impacto pesado, um estalo nítido cortando o ar, reverberou pela cozinha.

    O gerente foi lançado para trás, caindo no chão. Sangue começou a escorrer de seu nariz.

    — S-seu psicopata! Você a-acaba de assinar sua demissão e, a-acredite em mim, vou me certificar de que nunca mais encontre trabalho n-nesta cidade! — Sua voz saiu trêmula e entrecortada, as palavras acompanhadas por uma dolorosa aspiração devido ao nariz quebrado.

    Hazan o encarou de cima, alguns cozinheiros se colocando entre ele e o gerente.

    — Ficou maluco, Hazan!? — acusou um deles, apontando para o rapaz. — Aqui não é um ringue, seu maluco!

    Ele não respondeu. Caminhou até o cozinheiro numa expressão intimidadora.

    Desde quando esse cara parece tão assustador…? 

    Ouvindo seus instintos que lhe diziam para se afastar, o cozinheiro saiu do caminho de Hazan.

    Hazan se agachou, encarando os olhos apavorados de seu chefe. 

    — Quero o pagamento desse mês — exigiu, seu tom estranhamente calmo.

    Somchai engoliu seco, olhou ao redor a fim de procurar apoio, mas todos estavam tão abalados quanto ele. Voltou para encarar o rapaz, e seu humor não era condizente com alguém que estaria disposto a esperar.

    — T-tem um envelope em cima do balcão de ingredientes, p-pode pegar!

    O jovem andou até o balcão, pegou o envelope e checou o dinheiro. Tinha quantia o suficiente para pagar três pessoas. Ele exibiu um sorriso.

    Vou considerar essa grana extra o pagamento pelos insultos e humilhações que venho passando desde que cheguei aqui.

    Se dirigiu à porta dos fundos do restaurante e olhou uma última vez para aqueles rostos ridículos que o julgaram. Somchai digitava uma sequência de números em seu telefone com veias pulsando pelo seu rosto.

    Hazan balançou a cabeça em decepção e saiu, batendo a porta.

    Lá fora, nos fundos do restaurante, um beco úmido o recebeu, com paredes de tijolos sujas de musgo e mofo. 

    Com o sol se pondo atrás das nuvens cinzentas, o tempo começava a esfriar. Andou até uma lata de lixo, tirou o avental, o gorro de cozinheiro e jogou lá dentro. 

    Ficou apenas com uma camiseta térmica preta justa ao corpo e uma calça jeans com alguns rasgos na parte da coxa.

    Por trás da lata de lixo, escondida, havia uma mochila preta, velha e surrada. Passou a escondê-la após ter sua comida roubada dentro do ambiente de trabalho.

    Tirou um casaco preto bem desgastado de dentro da mochila e o vestiu.

    Colocou as alças da mochila e caminhou em direção às ruas movimentadas da cidade. Os barulhos dos carros e das motos se misturavam em uma confusão caótica.


    No entardecer nublado, as nuvens abraçaram a cidade com uma chuva fina. Hazan vagava pelas tumultuadas calçadas de Bangkok, imerso na ambientação agitada da cidade.

    A rua estava repleta de motos e tuk-tuks em um trânsito interminável. Ao longe, entre as ruelas e os prédios baixos, o movimento de barcos começou a surgir, acompanhando o ritmo tranquilo da água. 

    Era o mercado flutuante, uma visão pitoresca que flutuava à margem do canal da cidade. Barcos pequenos, repletos de frutas coloridas, especiarias e artesanatos, deslizavam suavemente, esperando atrair o olhar de clientes. 

    Entre o caos urbano e a serenidade do rio, vendedores em suas tendas apresentavam diversos tipos de produtos.

    — Venha provar nossos espetinhos de porco suculentos e bem temperados! Aposto que vai te deixar com água na boca! — anunciou um deles.

    — Conheça os segredos do autêntico “pad thai”, preparado com ingredientes frescos e uma combinação perfeita de sabores! Você não vai resistir! — gritou o outro enquanto abanava o prato com um leque para espalhar seu odor convidativo.

    À medida que caminhava, sua atenção foi atraída para uma barraca em particular. Lá, um vendedor entusiasmado oferecia uma variedade inusitada de espetinhos. Hazan franziu o cenho, fascinado ao ver que os espetinhos não eram de carne comum, mas sim de jacaré.

    A fachada da barraca exibia o desenho de um jacaré sorridente, fazendo um aceno positivo com o polegar.

    O vendedor habilmente espetava pedaços de carne de jacaré em finos espetos de bambu, grelhando-os sobre a chama aberta. — Venham, venham! Temos espetinhos grátis para os primeiros clientes! Experimentem essa iguaria aquática que derrete na boca!

    Andou entre postes e muros pichados, notando alguns papéis de pessoas desaparecidas. Estavam colados há tanto tempo que já tinham acumulado todo tipo de sujeira.

    Era comum que pessoas desaparecessem naquela cidade, principalmente os mais pobres, aqueles que ninguém se importava. Indivíduos invisíveis socialmente.

    A chuva, antes fina, se intensificou, acompanhada por sutis lampejos no céu que alertavam os transeuntes na rua. 

    Alguns desdobraram guarda-chuvas transparentes, mas Hazan contava apenas com seu velho capuz, o qual levantou para se proteger.

    Atravessou a rua em direção a uma calçada, adentrando em um extenso corredor de barracas e lanchonetes.

    As vozes à sua volta se afastaram conforme avançava. Finalmente, encontrou um banco vago próximo a uma lanchonete repleta de espetos de porco grelhados e panelas de arroz generosamente acompanhadas com carne e legumes. 

    O lugar estava surpreendentemente vazio e com pouco movimento de pessoas por ali.

    Colocou a mochila ao lado do banco e se acomodou, abaixando o capuz e sentindo o aroma convidativo da comida. 

    A visão à sua frente era uma tentação: uma carne suculenta e bem temperada sendo grelhada na churrasqueira.

    Encarar tanta comida de uma vez despertou sensações há muito tempo adormecidas em seu estômago. Esfregou a nuca com uma mão, estudando as opções, seus olhos brilhando de desejo. 

    Podia sentir o incômodo no estômago, uma lembrança ríspida das necessidades humanas que muitas vezes empurrava para segundo plano.

    Quanto tempo faz que eu não como algo decente?

    Tirou uma nota de dinheiro da carteira e estendeu para o vendedor, pedindo um pouco de cada comida na barraca.

    Arregalou os olhos quando a tigela transbordante foi colocada diante dele. Aquela montanha de comida e aromas o fizeram salivar. A colher de madeira e os hashis esperavam ansiosos para atacar aquele banquete, e foi isso o que ele fez. 

    Mal terminava de engolir para abocanhar de novo, se alimentando vigorosamente, como se estivesse com medo de sua tigela criar pernas e sair correndo por aí.

    Quando finalmente terminou, pediu outra rodada para o cozinheiro e parou por um momento. Observou o corredor de barracas, as nuvens cinzentas no céu, a chuva e as pessoas passando.

    Com o dinheiro que ganhei hoje, vou pagar as contas atrasadas e um pouco das dívidas. Se tudo der certo, um saco de pancadas novo, manoplas e luvas seriam muito bem vindos… A academia precisa estar perfeita pra quando ela acordar.

    Antes que pudesse adentrar mais fundo em seus pensamentos, a comida estava servida novamente. E Hazan voltou a comer.

    Ouviu risadas femininas, bem discretas, e notou uma moça de cabelos pretos que havia se sentado no banco ao lado. Usava um vestido vermelho que combinava com a cor de seu batom. O vestido enfatizava seu corpo esbelto.

    Com um grão de arroz teimosamente preso à bochecha, Hazan parou quando percebeu a risada. Virou o olhar em direção à garota ao seu lado, um arco irônico em suas sobrancelhas. “O que há de tão engraçado?” parecia questionar com um olhar.

    A garota, surpresa ao ser pega rindo, abanou as mãos. — Ah, desculpe, não quis ofender. Só achei engraçado o quanto você está aproveitando a comida — respondeu ela com um sorriso, fazendo um gesto para o grão de arroz na bochecha de Hazan.

    Hazan notou o gesto e limpou o arroz, voltando a encarar a tigela de comida em sua frente. — Comer bem é um luxo pra mim.

    A moça compartilhou um sorriso empático. — Não me leve a mal, mas eu estava certa. Você realmente está saboreando cada mordida.

    Hazan acenou com a cabeça e voltou a comer normalmente. — E você? O que está fazendo por aqui? 

    A moça inclinou a cabeça, cruzando as pernas e virando o corpo na direção do rapaz.

    — Só… fugindo um pouco dos problemas, sabe? Esse lugar me ajuda a espairecer a cabeça.

    Hazan assentiu, entendendo o sentimento. — Às vezes, é bom ter um lugar assim para onde podemos escapar.

    — Também estou procurando por companhia, sabe? — disse ela com uma voz sedutora. — Talvez você seja o cara certo.

    — Quem sabe?

    — E eu estou a fim de descobrir…

    A mulher se aproximou, o cheiro doce de seu perfume se tornando intenso. Seus lábios beijaram o pescoço de Hazan, subindo lentamente até sua boca, e então eles se encararam ao mesmo tempo.

    Um homem moreno vestindo um blazer preto e uma camisa social vermelha surgiu ao empurrar as pessoas pelo corredor, os dentes cerrados e o olhar fixo na moça ao lado de Hazan. Ele usava um relógio de prata e um de seus dentes era dourado.

     — Mei? O que está fazendo aqui? — perguntou, seu tom impaciente.

    A moça, Mei, levantou o olhar para o homem com uma expressão completamente assustada. Ela se afastou de Hazan e levantou do banco, indo para o lado dele.

    — Q-que bom que você chegou, c-chefe! Esse cara fedendo a sopa estava me assediando! — acusou Mei, apontando para Hazan.

    O homem apertou os punhos, seu rosto se tornando vermelho enquanto veias pulsavam pelo seu rosto.

    — Seu maldito! — gritou tão alto que mesmo as pessoas das barracas vizinhas conseguiram ouvir. — Acha que pode mexer com uma funcionária minha e sair impune?

    Enquanto era ameaçado, Hazan terminou de comer sua tigela, segurando-a com as duas mãos e tomando o caldo que sobrou. Soltou um suspiro de satisfação, sentindo a comida preencher seu estômago vazio. Com a refeição concluída, limpou os lábios com um guardanapo de papel e encarou o homem de volta.

    — Vocês dois deveriam se esforçar mais. — Soltou um suspiro. — E eu deveria ter dado uma lição pior no Somchai.

    Os dois se entreolharam atônitos por um momento, surpresos com a dedução do rapaz. O homem deu de ombros e andou até Hazan com os punhos cerrados. 

    — Hehe, espertinho, pelo menos isso nos poupa tempo. Passa o envelope com o dinheiro e eu prometo que vou evitar esse seu rostinho bonito.

    Hazan, ainda sentado, balançou a cabeça em desaprovação, seus olhos firmes. — Eu me recuso.

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