Capítulo 08 – O Triunfo da Resiliência
Thanatos ergueu o escudo até a altura do peitoral, equilibrando a vasta espada nas costas e andando em direção a Hazan.
Balançou a espada na intenção de dividir o jovem ao meio, mas Hazan, no auge de seus reflexos, agachou no tempo perfeito.
O rapaz desferiu um cruzado contra a parte plana da espada, uma força que fez Thanatos estremecer, o braço de mármore voando para cima.
Aproveitando o breve desequilíbrio do oponente, Hazan saltou, determinado a atingir a máscara do cavaleiro de pedra.
BAM! TING!
Todavia, a investida de Hazan encontrou apenas o escudo da estátua, e a força colossal de Thanatos o lançou violentamente ao solo.
Rolou pelo chão, e suas roupas ficaram aos frangalhos. A camisa e as calças estavam repletas de rasgos, e marcas de contusões marcavam a pele.
As costas impactaram contra um pedaço do teto no meio da arena, causando mais ferimentos.
Quando a fraqueza começou a surgir, Hazan levantou. Apesar da dificuldade, sua teimosia o manteve de pé, com as mãos apoiadas nos joelhos.
Ele supera Eros várias vezes quando o assunto é força. Um ataque direto é fatal.
Um sorriso confiante desenhou-se em seu rosto enquanto limpava o sangue da boca.
Isso é, se eu for acertado. Você é muito lento!
Hazan correu, pegando uma pedra maior que a sua cabeça no meio do caminho e arremessando-a em direção ao adversário.
O cavaleiro, pronto para agir, rebateu a pedra utilizando o escudo, despedaçando-a em fragmentos pequenos, que se espalharam pelo ar, criando uma cortina de poeira.
Confiante na brecha que havia criado, Hazan deslizou habilmente por baixo das pernas do cavaleiro, correndo na direção de Eros, cuja metade do corpo ainda permanecia soterrada pelos destroços.
— Espere, o que você planeja fazer!? — Eros observava aflita a súbita aproximação do jovem.
Hazan, sem hesitar, agarrou o cabo da lança que estava cravada no corpo dela e a retirou em um movimento decidido
O puxão violento fez um buraco no centro de Eros, libertando a lança de seu entalhe em meio às pedras.
— Seu bastardo insolente! — gritar era tudo o que podia fazer.
Com a lança firme em suas mãos, voltou-se para Thanatos, cuja máscara expressava uma fúria eterna, dirigindo todo aquele ódio implacável para Hazan.
O que é essa sensação? É tão familiar…
Apesar da adrenalina rugir como um impetuoso rio em suas veias, Hazan descobriu uma tranquilidade familiar ao sentir a pegada confortável daquela arma em suas mãos.
Avançou com um balanço em linha reta, mas Thanatos fez aquele golpe parecer leve ao defender. Hazan, mantendo uma distância prudente, recuou a lança, evitando qualquer chance de contra-ataque, e continuou avançando com estocadas precisas em diversas direções.
Determinado a romper a cadência metálica em um golpe destruidor, Thanatos moveu seu braço para fora, utilizando o escudo para rebater a ofensiva.
TING!
O jovem por um momento perdeu o equilíbrio, tombando para trás. A lâmina de Thanatos agora estava ao alcance, e a estátua avançou, buscando perfurar seu alvo.
SWIN!
Um corte superficial se abriu no flanco do jovem, a sola do pé tocando o chão no último instante.
Executando um giro semi-circular, aproveitou para evitar o ataque e varrer uma cascata de pedregulhos em direção à máscara de Thanatos.
Sob a densa névoa de poeira, Hazan ajustou a posição das pernas e disparou, um corte horizontal direcionado ao joelho de cavaleiro, posicionando-se atrás dele.
SWIN! SCRASH!
A estátua quase sucumbiu, apoiando um joelho no chão enquanto grande parte do outro estava destruído.
Uma oportunidade!
Ergueu a lança em uma estocada, mas uma torrente de aura vermelha o atingiu.
CABRUM! CRACK!
Seu corpo rolou para um lado, colidindo em destroços que se amontoavram, e a lança se projetou na direção oposta.
Conhecia muito bem aquela sensação, uma recordação dolorosa das torturas intermináveis de Eros.
Desorientado, a visão embaçada, Hazan procurou por Eros, vendo-a com a mão estendida, delicadas espirais de fumaça se dissipavam da palma.
Não pensei que ela ainda fosse capaz disso. A lança está distante demais, porcaria…
Cada pulso de dor latejante tornava a cabeça mais pesada.
Seu corpo pulsava, dores agudas presentes, a fraqueza que tomava conta caso fraquejasse. Do outro lado, Thanatos se levantando, preparando-se para continuar a luta.
Levanta… Não é hora pra isso!
Se apoiou nos pedaços do teto espalhados pelo chão. As mãos tremiam, cheias de cortes pequenos, e mal tinha forças para ficar de pé.
Se não colocar um fim nisso agora, todo meu esforço será em vão.
Respirou fundo, e por aquele breve instante, tudo que estava ao seu redor não passaram de meros detalhes. A arena, os destroços, o céu púrpuro e enigmático, os ferimentos e a dor que insistiam em fazer presença… Nada mais importava. Seu foco voltou somente para Thanatos. Naquele momento, apenas aquela amedrontadora estátua existia.
É tudo ou nada.
Endireitou a coluna, ergueu a cabeça, e diferente das investidas anteriores, iniciou um caminhar tranquilo em direção ao cavaleiro.
Eros, confusa, observou a cena.
Ainda bem que fui capaz de utilizar o restante da minha aura. Thanatos será capaz de aniquilá-lo!
Thanatos lançou seu escudo ao chão, empunhando a espada com ambas as mãos acima da própria cabeça. A postura sinalizou um golpe impregnado de intenção assassina que tornou o ar mais pesado.
Internamente, estava com medo, e uma quantidade enorme de adrenalina circulava pelas correntes sanguíneas.
Um ataque de cima para baixo, é tão óbvio, mas ele mantém sua postura. Isso é perigoso…
Contudo, não cessou a caminhada.
Apenas duas possibilidades: ou desvio do ataque a tempo de contra-atacar, ou sou dividido ao meio sem chance de reação.
Um sorriso involuntário alargou seu rosto conforme avançava.
Isso é realmente arriscado…
Quando Hazan aproximou-se, ao invés de atacar de imediato, o cavaleiro aguardou, ambos travando um intenso olhar por alguns segundos. O suor escorria pela testa do rapaz, e então, de repente:
SWISH!
Num movimento veloz, a espada cortou o ar. Hazan confiou em sua audição, movendo o corpo assim que o menor barulho foi produzido.
Sentiu a pressão avassaladora da espada sobre sua cabeça, e girou metade do corpo no momento exato para esquivar-se, deixando o ataque passar perto demais. Isso foi um erro.
SWIN!
O sangue jorrou assim que a ponta da espada deslizou pelo olho esquerdo de Hazan. As pálpebras e o globo ocular foram rasgados por completo.
CLANG! SCRASH!
O assombroso impacto do ataque contra o solo desencadeou um tremor por toda a arena, provocando uma ruptura que se estendeu pelo chão com quase um metro de largura.
Aproveitando a postura arqueada de Thanatos, não pensou duas vezes e subiu em seu corpo, envolvendo-o como uma serpente ao redor do pescoço.
Com as pernas enlaçada envolta do pescoço e os braços livres, cravou os dedos na brecha da máscara, arrancando-a de uma só vez.
CRASH!
Faíscas roxas se espalharam pelo ar, revelando que Thanatos não possuía um rosto por trás da máscara. Seu colossal corpo de três metros se desfez em poeira.
Pousou no chão, sua expressão não mostrava nenhuma surpresa. Encarou a máscara de Thanatos desaparecer como névoa cósmica.
As horas gastas antes de iniciar a provação para se acostumar com suas novas habilidades físicas tinham valido a pena. E foi isso que o levou tão longe.
— O que você… Quem é você…!? — Eros rugiu no fundo da câmara.
Hazan caminhou até ela.
— Como você sabia!? — Estava perplexa, encarando-o de baixo para cima pela primeira vez.
— Quando atingi a sua máscara daquela vez, você tava preocupada demais perante o golpe de um mero humano.
— Apenas por isso…? Baseou sua vida e até mesmo sacrificou seu olho por uma suposição incerta!? Você é insano!
— Foi intuição, eu acho?
Se Eros tivesse um rosto nesse momento, cerraria os dentes de tanta frustração.
Hazan pisou em seu ombro, colocando a mão na máscara, apesar da fútil tentativa da estátua em se debater.
— Que tal se eu fizer as perguntas agora? O que são todas aquelas coisas que disse antes, e por que fui trago para esse lugar?
— Você realmente acredita que vou perder tempo respondendo? Comparado a mim, você não passa de uma insignificante partícula de poeira!
Imaginei que seria assim.
— Últimas palavras? Pode falar, não estou com pressa.
— Seu…! Seu olho não vai ser a última coisa que vamos tirar de você! Quando meu irmão e eu retornarmos aos nossos corpos originais, voc-
Sem esperar que ela concluísse, arrancou a máscara. O corpo de Eros desapareceu, igual ao de Thanatos.
CRASH!
[Você superou a provação!]
[Restaurando as condições…]
Suas roupas, maltrapilhas e sujas, voltaram ao estado original. As malditas feridas, uma a uma, foram se fechando. Os ossos fraturados se recuperaram, e as lacerações se fecharam sem deixar cicatrizes.
[As recompensas serão distribuídas…]
[Primeira recompensa: Fragmento de Memória]
Três ícones diferentes. Um cristal amarelo, um cristal vermelho e um cristal azul.
Eu preciso escolher dentre esses três? Qualquer um serve, só quero sair daqui!
Pressionou o ícone do cristal escarlate, e sentiu a cabeça latejar. Imagens e lembranças confusas surgiram, onde ele desferia uma variedade de golpes em um saco de pancadas. Os nomes e a teoria de algumas técnicas foram surgindo.
Nas visões turbulentas, sempre havia uma presença ao seu lado. Com os braços cruzados, ela estava lá, apontando seus equívocos e ensinando sobre como aprimorar suas habilidades.
— O-o que é isso…? Qu- quem é essa pessoa…? Uma academia? Eu era um lutador?
[Transferindo lembranças…]
[Lembranças transferidas com sucesso!]
[Você obteve maestria com ‘Boxe’]
[Você obteve maestria com ‘Muay Thai’]
Boxe e muay thai… então eu realmente era um lutador. Esse cristal vermelho, parece que ele é capaz de devolver as habilidades que adquiri antes de perder minhas memórias.
[Segunda recompensa: Coração de Ehdoton]
E então, toda a arena tremeu sob uma força ancestral. Os destroços que estavam espalhados pelo chão levantaram voo em direção ao teto, se juntando peça por peça.
O solo, antes maculado pelos vestígios de inúmeros duelos e manchado pelo sangue derramado, ressurgiu purificado, apagando as marcas da violência passada. O recinto inteiro parecia dobrar-se em reverência à iminente chegada de uma presença transcendental.
A colossal porta, que habitualmente se fechava quando Hazan entrava na arena, abriu pela primeira vez do lado de dentro, mas dessa vez, deslumbrava-se com cintilantes reflexos que ecoavam a cor do céu sobrenatural daquele domínio sombrio.
A abertura total da porta revelou um portal resplandecente, de onde emergiu uma titânica mão. Era uma extremidade colossal, superando em magnitude até mesmo a soma de Eros e Thanatos, mergulhada na mais profunda escuridão, cheia de estrelas que cintilavam, jóias celestiais e pequenas galáxias dispersas.
Hazan paralisou, sua coragem se dissolvendo ante a iminência daquela presença cósmica. O peso em seus ombros, o medo pulsante, superava qualquer vontade de resistir.
A mão avançou, desdobrando-se lentamente para revelar, no centro da palma, uma diminuta esfera que resplandecia em tons púrpuros, ornada por símbolos que reluziam em vermelho, dourado e branco.
A luz da esfera tecia um cântico silencioso que ecoava nos recessos da mente de Hazan. Uma atração irracional o compelira a tocar aquela esfera, e vozes distantes sussurravam, encorajando-o a se render ao chamado inefável.
Antes que seus dedos pudessem tocar a esfera, ela desintegrou-se em sombras púrpuras, penetrando seu peito, não através da carne, mas de sua alma.
As vozes que ecoavam na mente de Hazan se tornaram mais altas, transformando-se em clamores nítidos. Ecos remotos, presentes e insistentes, buscando cravar sua supremacia no subconsciente do arauto.
Destrua e reconstrua, minha justiça.
É sua responsabilidade como arauto, acima de tudo.
Meus irmãos falharam.
Enquanto as palavras continuavam a se repetir, Hazan resistia, recusando-se a ceder à inconsciência.
[Excesso de éter detectado nas ‘Veias da Força’.]
[A destruição das ‘Veias da Força’ coloca em risco a vida do arauto.]
[Destruindo os canais de ‘Aura’ e ‘Mana’…]
[Parte dos atributos afetados pelo éter estão se esvaindo…]
[Fortalecendo os canais vitais…]
[Atribuindo éter aos canais da vida…]
[Seus atributos aumentaram!]
Travou uma batalha contra um processo doloroso, alheio ao decorrer do tempo, canalizando sua concentração para suportar a agonia que permeava cada fibra de seu ser. Suas veias, fibras musculares, órgãos, tudo era despedaçado e reconstruído sem parar.
Aguenta! Não posso desmaiar aqui, eu não vou desmaiar aqui! Eu consigo!
O coração pulsava muito forte, e todo o seu peitoral estava queimando por dentro.
[Atribuindo o ‘Coração de Ehdoton’ ao núcleo vital…]
[Contrato concluído!]
Tão forte quanto começou, de repente parou. Não havia mais dor, ou nenhuma sensação diferente em seu corpo. Por algum motivo, sentia-se mais fraco do que quando enfrentou Eros e Thanatos, embora ainda continuasse muito mais forte do que quando começou o desafio.
[Você receberá um acesso de uso único para o sistema. Abrindo janela de atributos!]
[O uso do “Sistema Ascend” terminou. Aguarde as próximas missões]
A mão que se estendia diante dele recuou com uma lentidão sinistra, deslizando de volta em direção ao portão. As luzes que adornavam o portal, outrora uma mistura de tons roxos e vermelhos, se transformaram, passando por uma transição gradual até alcançarem um verde incandescente.
Essa é provavelmente a saída, certo?
Caminhou até o grande portal, engolindo seco e olhando para trás. Deu uma última olhada naquele grande templo, sentindo uma sensação inquietante tomar conta de seu ser.
Sinto que se eu der um passo agora, não tem mais volta.
Balançou a cabeça.
Só preciso seguir em frente.
E assim, adentrou o portal.
Corria em disparada pela floresta entre galhos, arbustos e árvores que pareciam não ter fim. A ferida costurada no lado direito do estômago voltou a se abrir, e o sangue úmido se esparramava pela blusa.
— Sigam adiante, essa víbora não está longe! — Avisou uma voz ao longe.
Cabelos brancos com duas mechas trançadas, ombreiras escuras e sua regata branca com capuz estavam sujos de sangue e terra. Ofegante, se agarrou ao galho de uma árvore e a escalou, permanecendo ali, observando os arredores.
Lixos persistentes, contei pelo menos quatro durante minha fuga.
Ruídos de folhas secas sendo pisoteadas aguçaram seus sentidos, e identificou um vulto se aproximando em uma desenfreada corrida.
Ajustou o cinto de sua calça de couro e tirou uma adaga da bainha.
— Os rastros dela desapareceram! — disse um homem vestindo roupas simples e uma cota de malha.
Os olhos ciano da garota retraíram, cravando-se em seu alvo. Como uma verdadeira ladina, saltou em direção ao homem abaixo dela.
[Perfura!]
Usou as pernas para derrubá-lo e, assim que ele tombou, fincou a lâmina em sua garganta, o sangue vazando. Antes que ele pudesse gemer de agonia, terminou de degolar a garganta.
Swin!
Um a menos.
Apoiou a mão no flanco, uma pontada latejante de dor. Observou a posição do sol, cerrando os dentes, e prosseguiu correndo.
Entre as árvores, avistou adiante as luzes do sol se fortalecendo.
Sem hesitar, atravessou, mas, logo após, tropeçou em algo, caindo e rolando pela grama.
Fadigada, olhou para frente. As costas encostadas num tronco de árvore, havia outro mercenário, um sorriso arrogante e os braços cruzados. Alguém que já esperava por ela.
— Aurora, que saudade! — disse ele, abrindo os braços. — Que coincidência nos cruzarmos aqui!
Cabelos ruivos desgrenhados e olhos ligeiramente verdes o caracterizavam.
Em silêncio, olhou ao redor. Campos verdes e estradas de terra se estendiam pelo horizonte. Em uma das estradas, estava posicionada uma caravana logo atrás dela, com diversas carruagens e mercenários a postos. Algumas delas abrigavam gaiolas imensas cobertas por panos.
Aurora levantou, dando alguns passos para trás e buscando uma visão abrangente da situação.
Eles me cercaram. Minha única chance é fugir para os campos bestiais, mas eu não tenho mana o suficiente para fazer uma conjuração, preciso ganhar tempo…
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