Capítulo 13 - Excesso de Vitalidade
— Seus canais vitais estão sobrecarregados, pois não existem veias de mana ou aura para balancear essa quantidade enorme de vitalidade no seu corpo — explicou Agnis, terminando de enfaixar os antebraços do rapaz. — Por conta disso, não posso sequer usar uma conjuração de vida em você, então vamos ter que contar com a sua recuperação natural.
— Entendi… — Hazan respondeu, fazendo uma expressão neutra.
Não entendi nada.
— Lembre-se, você não deve se esforçar demais, ou suas veias não vão aguentar! — advertiu o curandeiro, erguendo o indicador. — Em alguns dias teremos uma reunião em nossa guilda para decidir o que faremos com os escravizados da fortaleza, mas você não precisa vir.
— Quantas pessoas estavam presas lá?
— Cerca de quarenta, em estados lamentáveis… Não sei como aguentaram tanto tempo — disse o médico, voltando a checar as veias de Hazan.
— Encontraram alguém chamado Edgard?
— Você o conhece? — Sua pergunta descreveu surpresa na voz.
— Aquele desgraçado me capturou. — Um tom ríspido e uma expressão que misturava raiva e indignação foram a resposta.
Agnis cerrou os olhos, encarando Hazan em um silêncio cortante. Abaixou a cabeça e soltou um suspiro. — Sinto muito, rapaz, mas não encontramos ele. Se estiver vivo, Edgard é um criminoso perigoso, um pujante regente de três elementos ancestrais é incomum nos tempos de hoje. Vamos organizar uma caravana para investigar melhor o que aconteceu naquela fortaleza.
Ele tava ferido, cansado, e caiu de quase vinte metros de altura… É impossível ter sobrevivido.
— Ouvi das crianças que as protegeu quando estavam em perigo, e de uma mulher chamada Aurora que foram capazes de derrotar o feral. Ele estava ferido e cansado, mas foi um feito impressionante. — Seus olhos se estreitaram. — Viu como o feral escapou de sua cela, ou porque eles o mantinham preso?
— Não faço ideia. — Hazan manteve os olhos firmes na direção do curandeiro.
Com um aceno sutil, ficou de pé. — De qualquer forma, fique de olho nos seus ferimentos, principalmente no corte do ombro esquerdo. — Seu olhar se tornou intenso. — E não venha para a reunião! Está proibido de se esforçar pelas próximas semanas, exceto se quiser morrer.
Agnis saiu, fechando a porta.
Que cara estranho…
A porta se abriu. — Última coisa. Avisei ao dono dessa pousada sobre a sua estadia aqui, suas roupas estão com ele, as ataduras e ervas que devem ajudar na sua recuperação também.
— Valeu pela ajud…
A porta fechou antes de terminar.
Suspirou e jogou as costas na cama, abrindo os braços e encarando o teto de madeira. Finalmente podia parar de fingir. Dores de cabeça vinham em ondas, atingindo as têmporas, ao redor dos olhos e a nuca.
Isso dói. Eu quero treinar. Odeio essa sensação de ficar parado, me sinto um inútil.
Levantou da cama, ficando numa posição ofensiva.
Se me lembro bem, aquela cotovelada que usei contra Edgard veio do muay thai… Mas tinha algo no movimento que era diferente da cotovelada tradicional.
Respirou fundo e ouviu o peito chiar baixinho.
Meu corpo inteiro dói, porcaria… Vamos nos concentrar. Aquele ataque foi rápido e preciso, senti toda a minha força fluir pelo meu corpo sem desperdício de energia. Foi natural, e fácil de executar…
Flexionou os joelhos, mantendo os punhos próximos do rosto, preparando o que parecia ser um direto. No meio da trajetória, recuou o punho próximo do queixo ao dobrar o cotovelo, transferindo a potência das pernas para o ombro, e por fim para o ataque final: uma cotovelada.
Um som baixo de algo cortando o ar se fez presente, e imediatamente, um choque de dor intensa atingiu todo o seu corpo de uma só vez. De forma patética, perdeu o equilíbrio e bateu o rosto contra o piso de madeira.
Não consigo lançar um mísero ataque? Eu tô fodido mesmo…
Apoiou o cotovelo no chão e levantou a cabeça. Diante de seus olhos, estava um brilho púrpuro com o qual já estava familiarizado.
[Você receberá um acesso de uso único para o sistema. Abrindo janela de atributos!]

Fadiga mental… Por isso essas dores? Consigo aguentar, mas esses números são reais? Isso significa que fiquei mais forte. Os efeitos desse título são realmente úteis, mas não posso depender dele pra sempre. Preciso de uma rotina de treino diária.
[As recompensas serão distribuídas…]
[Fortalecendo o vínculo com o “Coração de Ehdoton”]
[Vínculo fortalecido!]
[Fragmento de Memória]
Os mesmos ícones da última vez. Era uma sensação estranha presenciar aquela tela. Um cristal amarelo, um cristal vermelho e um cristal azul.
Escolhi o vermelho da última vez… Foda-se, vamos de amarelo!
Pressionou o ícone do cristal amarelo, a visão embaçando na mesma hora. Imagens de diversos pratos culinários surgiram em sua cabeça, onde preparava cada alimento prestando atenção em todos os detalhes. Nomes e informações inundaram seus pensamentos, e sem perceber, começou a sorrir.
Nessas visões, lembrou de experimentar o prato de comida horrível de um certo alguém. Irritado e indignado, decidiu que aprenderia a cozinhar para que pudesse alimentar aquela pessoa e mostrar o que era comida de verdade.
— Primeiro um lutador, e agora um cozinheiro? Bom saber que eu não era um vagabundo.
[Transferindo lembranças…]
[Lembranças transferidas com sucesso!]
[Você obteve maestria com “Culinária”!]
Ameaça a minha vida, e depois me dá uma recompensa como se nada tivesse acontecido… Não vou esquecer disso tão facilmente.
[Aviso! Uma missão em cadeia está sendo gerada! Aguarde!]
A tela desapareceu da mesma forma que surgiu.
É claro, vou esperar até que retorne com mais uma ameaça de morte maluca caso eu não cumpra uma maldita missão.
Um barulho grotesco, o ronco de seu estômago reclamou.
A última coisa que comi foi metade de um pão velho, e me lembrar de tantas receitas de repente também não ajudou… Certo, vamos procurar algo pra comer.
— Aspen, deixa de ser tão guloso, eu também tô com fome! — esbravejou Lunna, empurrando o rosto de seu irmão para longe.
Apesar do empurrão, o elfo conseguiu roubar um pedaço de pão com manteiga, pondo na boca e deixando a dragoniana boquiaberta.
— Seu orelhudo maldito! — Esboçou uma careta, começando a enforcá-lo e esquecendo totalmente da comida.
A mesa de madeira, coberta por um pano branco, estava repleta de tigelas e bandejas com sopas, queijos, legumes e pães em formatos diferentes. Pareciam suculentos, e exalavam um cheiro convidativo.
As paredes dali eram feitas de pedra, e o teto de madeira escura, com algumas vigas à vista. Candelabros simples estavam pendurados para iluminar o ambiente à noite.
Havia jogos de mesas redondas e cadeiras estofadas para acomodar os clientes, dispostas de forma espaçosa. Nas laterais, janelas de vidro que deixavam uma brisa suave refrescar o lugar.
— Será que ele vai ficar bem? — A voz saiu baixa, e Lunna notou que seu irmão sequer estava tentando lutar contra o seu ataque.
Lunna envolveu seu braço envolta de Aspen e começou a puxar sua orelha.
— Você tá pensando demais, é o Hazan! Esqueceu de tudo o que ele fez naquele calabouço? Na torre? Ele é incrível!
Os dentes cerrando, Aspen retrucou dessa vez, esticando as bochechas dela com ambas as mãos. — Você é tão otimista quanto burra, eu diria que essa é uma boa qualidade!
Concentrados em sua briga, a dupla não notou uma sombra se formar diante deles, e nem a figura que se sentou a mesa. A comida de seus pratos estava desaparecendo, pouco a pouco.
— Aspen, e-eu n-não tô mais sentindo minhas bochechas! — falou em tom de súplica, as lágrimas escorrendo dos olhos.
— Hã? O que disse? Não consigo te ouvir, minha orelha tá inchada! — retrucou o elfo, se recusando a ceder.
— Vocês dois deveriam parar com isso se ainda quiserem comer.
Os irmãos se desvencilharam um do outro assim que ouviram a voz, exibindo um sorriso ao notarem Hazan na frente deles com a boca cheia de comida.
— Hazan! — Lunna foi a primeira a falar. — Tá se sentindo melhor? O que o Sr. Agnis disse? Você vai ficar bem? — Sequer esperava o intervalo entre uma pergunta e outra para saber a resposta.
— Vo-você tá muito doente? — Aspen nem o encarava nos olhos.
Fingindo não estar preocupado? Típico de criança.
Hazan pegou uma tigela de sopa e a tomou de uma só vez, empilhando ao lado de mais quatro tigelas a sua direita. — Eu vou melhorar, só preciso comer e dormir bastante. — Olhou ao redor, notando outras pessoas comendo nas mesas adjacentes. Usavam vestimentas que considerava particularmente estranho.
Seres de estaturas variadas, alguns com orelhas pontiagudas e semblantes frios, outros mais baixos, com barbas espessas e olhares sagazes, e ainda alguns com uma aura selvagem, exibindo orelhas e caudas de criaturas da natureza.
Vou ter que me acostumar com isso.
— E você, Lunna? Se recuperou rápido. — Encarou a dragoniana, e colocou um pedaço enorme de queijo na boca.
Lunna ergueu o braço, exibindo seu bíceps e dizendo: — Tenho uma saúde boa desde pequena!
— O que aconteceu depois que eu desmaiei? A Aurora não tá com vocês?
Um sorriso provocador tomou o rosto de Lunna. — Já está preocupado com ela? — Apoiou o indicador no lábio inferior, relembrando os acontecimentos dos dias anteriores. — Pouco tempo após você cair duro no chão, uma cavalaria chegou e resolveu tudo! Uma mulher apagou o fogo da fortaleza, um homem assustador ajudou a resgatar outras pessoas e o Sr. Agnis cuidou de você!
— Eles cuidaram dos ferimentos dos escravos e nos trouxeram para essa cidade em Lagartos-Dragões… — Aspen complementou.
— Estamos tão perto e, ao mesmo tempo, tão longe de casa… — A garota inclinou a cabeça para baixo, deixando um suspiro escapar.
— Por que lembrar disso agora? Vamos ficar bem. — Aspen concluiu, coçando a bochecha.
Hazan não parou de comer. Engoliu um pedaço inteiro de pão, bateu no peito, ajudando o alimento a descer, e retrucou: — O que estão dizendo? Eu vou levar vocês até lá. Não fui de muita ajuda na fortaleza, é o mínimo que posso fazer.
Lunna bateu ambas as mãos na mesa em forma de discordância, assustando seu irmão. — O quê!? Só estamos vivos por sua caus-
Uma colherada de sopa entrou em sua boca, interrompendo a fala. — Coma antes que esfrie. — Encarou o elfo. — Você também.
Os dois se acalmaram e voltaram a olhar para as tigelas, percebendo que estavam quase vazias. Olharam para Hazan, notando como sua tigela estava quase transbordando de pão misturado com um pouco de cada especiaria da mesa.
A boca suja de molho, apontou para o loiro e acusou: — Foi o Aspen.
— Você nem tentou disfarçar! — protestou o elfo, batendo as mãos na mesa.
Hazan pegou uma jarra de água e a tomou de uma só vez. A água fluiu pela garganta após vários goles. Deixou o objeto na mesa e arrotou.
Alguns clientes torceram o nariz, enquanto outros riram, incluindo Aspen e Lunna. Apreciando o sorriso dos irmãos, satisfeito com o clima e a comida, a tranquilidade acabou batendo na porta.
É, acho que ficar assim por um tempo não é uma má ideia…
De braços cruzados, o lutador analisou o alimento em sua frente, uma expressão apreensiva acompanhada de uma gota de suor escorrendo pela bochecha.
Usava sua habitual camisa preta, calça jeans e tênis remendados com tiras de couro. Um avental branco estava enrolado em sua cintura.
Suas mãos, ainda enfaixadas com ataduras brancas, não se recuperariam tão facilmente após parar a lâmina de aura de Edgard. A carne viva e as unhas despedaçadas foram um pequeno preço a se pagar.
Estava em uma cozinha simples e rústica. Paredes de pedra desgastadas o cercavam. Um fogão de pedra negra repousa à sua frente, com uma panela cheia de uma mistura avermelhada.
Prateleiras de madeira exibem potes e frascos de temperos. O ar é impregnado com o aroma de ervas e lenha queimada.
Dois dias testando essa merda, precisa estar bom dessa vez!
Decidido, pegou um pouco da mistura com uma colher de madeira, e a experimentou. De cara, um gosto apimentado e furioso queimou as papilas gustativas e a língua.
Isso tá muito quente! Mas não posso desperdiçar! Comi todas as receitas que deram errado, não vai ser diferente dessa vez!
Apesar da dificuldade, engoliu o alimento. A garganta pulsou e pediu socorro. Pegou um copo de madeira cheio de leite e bebeu, um arroto subindo pelo estômago.
— Ei, eu sei que meu pai disse que poderia usar a cozinha sempre que quiser, mas não acha que está exagerand-
BUUUUURRP!
Assim que uma mulher adentrou pela cozinha atravessando a cortina, foi recebida por um arroto que balançou seus cabelos. O hálito apimentado fez os olhos lacrimejar, fechando-os para que pudesse evitar a ardência.
— Bom dia, Alice. — Hazan sorriu casualmente, abanando a fumaça invisível com a mão.
— Escuta aqui… — Ela o encarou, com o dedo indicador apontado em sua direção. — Não é porque somos plebeus, que isso é desculpa para ser mal-educado!
Usando um vestido branco e um cinto de couro, a garota irritada na sua frente era a filha de Randolf, o dono daquela pousada.
— Mal-educado? — Franziu as sobrancelhas. — Eu te dei bom dia. Quer que eu mande flores também?
Alice pegou uma frigideira da prateleira. — Seu ingrato, vamos ver se recupera o juízo depois de algumas pancadas!
De cabelos pretos, presos num rabo de cavalo, olhos castanhos e pequenas sardas ao redor do nariz e nas bochechas, sua expressão descontente era tão clara quanto a luz do dia.
Alice balançou a frigideira de bronze contra o rosto do rapaz, que evitou todos os ataques, sentindo uma pontada de dor sempre que se movia.
— Ei, merda, eu tô ferido, sou um cliente ferido!
— Cliente, a minha bunda! Tudo o que fez nesses quatro dias foi comer feito um javali e usar nosso estoque de ingredientes para testar suas receitas malucas! Você é realmente um cozinheiro!?
Cansado de esquivar, Hazan passou por baixo do ataque de Alice, segurando seu pulso e a empurrando contra a parede de madeira. Pegou uma colher da mistura avermelhada e colocou na boca dela.
Alice engoliu, fazendo uma careta, e um som baixinho veio logo em seguida:
— Burp…
Hazan exibiu um sorriso relaxado. — Viu? Eu não pude evitar, e você também não.
Alice tossiu, piscando com força para conter a ardência.
— Seu desgraçado… Isso tá apimentado pra caramba! — balbuciou, os olhos lacrimejando. — Mas… — De repente, parou, erguendo as sobrancelhas. — Tem um gosto bom no final…?
— É exatamente isso que eu estou tentando melhorar. É a primeira vez que faço uma receita usando a droga de um ovo vermelho.
Alice o olhou, o rosto suavizando.
— Entendi, mas você pode me soltar agora? — indagou, as bochechas levemente coradas.
Hazan a soltou, apenas para se arrepender. Alice não soltou a frigideira, e o impacto veio logo depois.
A frigideira impactou contra a cabeça do lutador, mas não pareceu fazer muito efeito. Hazan cambaleou alguns centímetros, e Alice encarou a frigideira. Ela estava com um leve amasso.
— Por Unitas… — murmurou, encarando o utensílio deformado. — Sua cabeça é feita de pedra?
— Essa é uma manhã agitada! — Uma voz encorpada se fez presente.
Um braço peludo ergueu as cortinas da cozinha. Lá estava um homem de meia-idade, cabelos pretos, olhos castanhos como os de Alice, um pouco acima do peso e de barba cheia.
— Algum progresso na receita, Hazan? — Seus olhos brilhavam de curiosidade.
— Bom, tive alguns contratempos, mas vou acertar o ponto certo — respondeu, apontando para a panela em cima do fogão. — O que acha de experimentar, Randolf?
Randolf andou até a panela, pegou um pouco da mistura com uma colher e a experimentou. — Isso está maravilhoso! — O rosto de Randolf ficava mais vermelho a cada colherada. A frigideira, antes cheia daquela mistura, agora estava vazia, nem mesmo restos tinham sobrado. — Para os meus padrões, está perfeito! Acha que consegue adaptar o sabor para paladares comuns?
Hazan andou até um armário, retirando de cima dele um prato tampado com um pano. Em cima do prato, havia pães recheados com a mistura e um pouco de salada. Os olhos de Randolf e de Alice brilharam, mas Hazan recuou o prato.
— Isso não é pra vocês! Aspen e Lunna devem estar com fome, então eu vou sair primeiro. Faço algo quando voltar.
— Garoto, fique tranquilo! — Randolf ergueu o polegar. — Vejo que você estima muito essas crianças. Cuidarei bem delas durante a reunião na guilda da Pena Azul, entendido?
Hazan acenou.
— Espera, você não vai limpar essa bagunça? — Alice apontou para o fundo da cozinha.
Hazan deu de ombros, ignorando a garota e passando pela cortina. Alice bufou, a mão apoiada na cintura, mas ao olhar para trás, notou que a cozinha estava impecavelmente limpa.
— Talvez ele não seja tão ruim assim…
Randolf a encarou, de braços cruzados, um sorriso insinuoso.
— Tá m-me olhando assim por quê? Eu hein! — Alice desviou o olhar, fazendo muxoxo com as bochechas.
Após passar pela cortina e o balcão, Hazan andou até a mesa de Aspen e Lunna, colocando o prato diante deles.
— Aí está. Me digam o que acham.
Aspen pegou o pão, uma parte da mistura escapando do prato, de tão bem recheado que estava. — Como você chama isso, Hazan?
— Pão com ovo. — Enrugou as sobrancelhas, pensando mais um pouco. — Pão com ovo flamejante.
Lunna estava tão encantada com o alimento em sua frente, a saliva escapando pela boca, que nem mesmo prestou atenção nos dois. Pegou o pão com ambas as mãos e deu uma grande mordida.
Aspen, um pouco mais tímido por conta do nome nada receptivo, deu uma mordida pequena.
Apesar disso, ambos tiveram a mesma reação:
— Que apimentado! — gritaram ao mesmo tempo, colocando as línguas para fora.
Os dois beberam muita água, e Lunna deu mais algumas mordidas, acabando com o pão. — Hmm, delícia! — elogiou, lambendo os lábios. — É apimentado, mas deixa um gostinho tão bom na língua!
— Eu não sei se gostei… — Aspen empurrou o prato para longe.
Lunna não pensou duas vezes, roubando o pão de seu irmão e terminando de comer.
De pé, Hazan apoiou ambas as mãos na mesa, encarando Aspen, a intensidade e curiosidade faiscando em seus olhos. — Pode me dizer do que não gostou? Foi o gosto apimentado? A falta de sal? A acidez? A salada não equilibrou o sabor picante? Talvez alguma outra coisa?
Aspen recuou conforme Hazan mais avançava. — E-eu n-não sei, só não achei muito bom…
Hazan se afastou, cruzando os braços, um olhar determinado. — Ainda vou fazer algo que você goste de comer, então apenas me espere.
— O-obrigado, eu acho…?
Do lado de fora da pousada, Hazan percebeu um grupo de três soldados se alongando na calçada, vestindo armaduras de couro adornadas com o brasão de uma chama cintilante. Assim que concluíram seus exercícios de aquecimento, o trio dobrou os joelhos e partiu em uma marcha veloz pela cidade.
O cão de pavlov latiu dentro de Hazan, cujo corpo se moveu atrás daqueles guardas, que se provaram mais rápidos do que ele.
— Ei, a atadura na sua cabeça! — gritou um homem preocupado, mas já era tarde demais. A atadura caiu no chão, comendo a poeira que o lutador deixou para trás.
Ignorando os olhares de surpresa, curiosidade e desaprovação, os primeiros metros de corrida foram os mais dolorosos. Estava há dias sem se movimentar direito. O corpo fazia questão de reclamar, de relembrar das feridas que ainda não estavam cicatrizadas. As costelas latejavam, um incômodo agudo, os músculos gritavam por repouso e as panturrilhas ardiam.
Odiava a ideia de estar correndo daquele jeito, detestava que cada passo vinha acompanhado com uma dor horrível como brinde.
Hazan atravessou uma variedade de pessoas, desde humanos até outras raças das quais havia aprendido com Aspen nos dias de descanso. As ruas repletas de carroças e carruagens, as lojas e as tendas de lona azul, tudo isso passou como um borrão, um mero vislumbre aos olhos de Hazan, que tinha apenas um objetivo em mente: ultrapassar os guardas.
A cada passada, a sensação de dor que antes dominava com o tempo se transformou em um formigamento amortecido. O sangue quente cumpriu seu papel de facilitar aquele esforço imprudente.
Os guardas viraram a esquina em uma corrida animada, envolvidos em uma conversa descontraída. Não visavam um treinamento rigoroso, e mal faziam ideia de que estavam sendo alvejados.
Um calafrio percorreu o pescoço de um dos homens quando Hazan surgiu correndo ao lado deles.
Os soldados ficaram perplexos, surpresos pelos olhos de Hazan, que pareciam transbordar uma estranha obsessão. Com olhos flamejantes, o estranho homem encarou os guardas, envolvendo-os com seu olhar.
Satisfeito com a reação provocada, Hazan ultrapassou os soldados e seguiu pela rua a toda velocidade. As ataduras brancas manchadas de sangue não foram motivo de preocupação.
Quando finalmente parou, apoiou as mãos nos joelhos e uma onda de náusea subiu.
Porra, sinto que vou vomitar, mas… Não é tão ruim?
As dores musculares haviam desaparecido, sobrando somente a dor das feridas. Encarou ambas as mãos e cerrou os punhos. Sentiu firmeza.
Essa sensação… É como se eu estivesse bem. Tava doendo tanto não faz nem cinco minutos, então como?
Ainda recuperando o fôlego, Hazan sentiu o calor da náusea amenizar enquanto seus olhos vagavam pela rua. O som de passos apressados alcançou seus ouvidos antes que visse o trio de guardas dobrar a esquina. Suas respirações pesadas mostravam que haviam corrido para alcançá-lo.
O primeiro guarda, um homem corpulento com uma barba ruiva desgrenhada, deixou escapar uma risada enquanto se inclinava, apoiando as mãos nas coxas. — Quem diria que um cara todo enfaixado nos faria correr assim, hein?
Hazan lançou um olhar avaliador, sem esboçar um sorriso. — Não foi minha intenção — disse, o tom seco, mas sem hostilidade.
O segundo, mais jovem, com olhos vivos e cabelo preto que se recusava a ficar penteado, acrescentou com um sorriso largo — Não foi? Eu percebi a sua encarada. Tem interesse em se tornar um soldado?
— Não sou muito de seguir ordens — Hazan respondeu, o tom direto. Ele observava o trio com cautela, ainda se ajustando à ideia de interagir.
O terceiro guarda, de feições mais sérias, mas com um brilho amistoso nos olhos castanho-claros, ergueu uma sobrancelha enquanto se aproximava de Hazan. — Você é o cara que chegou ferido em um dos Lagarto-Dragões da Pena Azul. — Ele ergueu uma sobrancelha. — Como consegue ficar de pé?
Hazan deu de ombros. — Já passei por coisa pior.
O guarda barbudo soltou uma gargalhada. — Disposições como a sua estão em falta hoje em dia, garoto!
O jovem de cabelo desordenado se aproximou, os olhos cheios de curiosidade. — Não é todo dia que vemos alguém correndo como se tivesse asas nos pés. Como se chama?
— Hazan — ele respondeu, a voz firme, mantendo sua postura reservada.
— O meu é Marcan — disse o guarda ruivo.
— Eu sou Baelor — o jovem completou, acenando com a cabeça.
— Edrin — o terceiro disse, o tom mais ponderado. — E, a propósito, Hazan, seria uma boa ideia dar um descanso ao corpo antes que ele se quebre de vez.
Hazan assentiu. — Tô acostumado com isso.
Os guardas compartilharam sorrisos antes de Marcan exclamar: — Você vai precisar de um bom curandeiro, garoto!
— Ou de uma bebida — Baelor sugeriu, piscando. — Conheço a melhor taverna da cidade.
— Vamos deixar o cara respirar primeiro. — Edrin interveio, mas com um leve sorriso que suavizou o tom. — Hazan, se precisar de algo, estamos por aí.
Com isso, os guardas começaram a se afastar, mas não sem antes Marcan dar uma última olhada para Hazan, um brilho travesso em seus olhos. — Até a próxima corrida, Hazan!
Hazan observou-os se afastarem, permitindo-se um suspiro longo. Ele ainda sentia o peso de suas feridas e da corrida, mas não deixou que isso transparecesse.
Girou os ombros, depois a cintura, e então fez uma série de alongamentos que durou longos minutos, testando cada detalhe de seu corpo antes ferido. Uma criança apontou para Hazan, mas a mulher recuou a mão do filho, balançando com a cabeça numa expressão de nojo. — É por isso que você tem que comer verduras, viu, querido?
Eu tô bem melhor. Sinto umas dores aqui e ali, mas nada realmente preocupante. Agora, onde eu tô?
Olhou para frente e seus olhos alaranjados se encheram de brilho. Havia uma grande escadaria que dava para o hall de entrada para o enorme prédio que viu da primeira vez pela janela da pousada. Uma estrutura enorme, com um portão construído em carvalho e ferro entreaberto, e uma bandeira presa no topo do portão. A bandeira portava orgulhosamente um fundo branco com uma pena azul no meio.
Mais pessoas começaram a subir a escadaria, a maioria usando roupas simples, e Hazan reconheceu alguns deles como os escravos que estavam numa gaiola da primeira vez que lutou contra Edgard.
É melhor que Aspen e Lunna estejam aí dentro.
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