Capítulo 17 - Corrupção.
O primeiro feixe de luz da manhã tingia o céu de tons alaranjados quando despejou um balde de água sobre a cabeça. A água gelada escorreu por seu cabelo e desceu em trilhas irregulares pelos músculos.
Os malditos ferimentos estavam finalmente recuperados. Passou a palma da mão sobre o abdômen, surpreso com a completa ausência de dor.
As feridas abertas, os hematomas, as dores ao se mover, tudo havia desaparecido. Sentiu mais força na pegada ao cerrar os punhos.
Beleza, posso focar em treinar a partir de agora. Boxe e muay thai serão o meu foco, mal posso esperar pra começar.
Com um sorriso satisfeito, pegou outro balde cheio de água e despejou novamente sobre si. O impacto gelado fez os músculos contraírem, mas não o incomodou. Acordou de vez, dissipando qualquer resquício de sono que a noite ao relento pudesse ter deixado.
Foi nesse momento que ouviu passos se aproximando.
— Como eu disse antes, podemos transformar esse lugar num espaço para cultivo… — a voz de Calista soou com um tom entediado. — Esse lugar tá uma zona há meses, então é melhor já separarmos um temp…
Ela parou no meio da frase, da mesma forma que a jovem funcionária de cabelos pretos que a acompanhava.
A funcionária usava uma calça larga, uma camisa branca de linho e luvas de couro. Os olhos da garota, que pareciam já estar prontos para encarar um cenário de caos e abandono, piscaram rápido ao verem o espaço meticulosamente arrumado.
O choque só não foi maior do que o que veio em seguida.
Hazan estava ali, na frente do velho poço. O brilho da manhã realçava as marcas de sua pele morena suave – cicatrizes finas e calos que contavam histórias de combates brutais.
Ela estava boquiaberta.
O corpo definido e os movimentos calmos fizeram a funcionária sentir um calor inesperado subir pelo rosto. A pinta no canto do rosto conferiam àquele homem um charme inesperado.
Hazan ergueu o olhar, analisando a reação das duas. Calista se manteve tranquila, diferente da garota ao seu lado.
Com uma expressão casual, pegou um balde de madeira ao lado, cheio de ataduras encharcadas e usadas. Andou até a garota e estendeu para ela.
— Pode dar um jeito nisso?
A funcionária se atrapalhou, demorando um segundo para entender que ele falava com ela.
Assentiu depressa, pegando o balde como se fosse um objeto sagrado, e praticamente fugiu dali, murmurando algo indecifrável.
Calista cruzou os braços, avaliando Hazan dos pés à cabeça com um olhar astuto. A túnica grossa ajustada ao corpo, as faixas prendendo as calças nas canelas e as botas reforçadas deixavam claro que estava sempre pronta para uma luta.
— Seu danadinho, você acabou de dar ordens pra minha funcionária? — Um sorriso de canto surgiu em seus lábios. — Isso é maldade, sabia?
Hazan deu de ombros.
— Ela podia ter recusado.
Seus olhos vagaram pelo ambiente antes de voltarem para Hazan.
— Você dormiu aqui, não foi? — O tom dela carregava um brilho divertido.
O vento da manhã bagunçava algumas mechas soltas do rabo de cavalo alto.
— E se eu tiver? — rebateu, ajeitando a camiseta preta.
— Foi por causa da Aurora, né? — Calista arqueou uma sobrancelha, o sorriso malicioso crescendo.
Hazan nem piscou. Apenas passou as mãos pelo cabelo molhado, afastando-o do rosto.
O silêncio se prolongou por um instante antes de Calista suspirar.
— Tão carismático quanto uma pedra… — brincou, puxando um pedaço de papel envelhecido do bolso. — Mas enfim, vamos ao que interessa. Aqui estão os detalhes da missão.
Hazan estendeu a mão, mas Calista foi mais rápida, puxando o papel de volta.
— Antes… — inclinou a cabeça, olhos afiados. — Estou curiosa. O quão forte é o tahtoriano que derrotou Edgard?
Hazan franziu as sobrancelhas.
Como ela sabe disso? Isso não deveria ser possível… Não. Pensar assim é precipitado. Ainda tem muito que eu não sei. Vou só aceitar. Ela não demonstrou hostilidade até agora.
No entanto, ao invés de recuar, não conseguiu conter o sorriso que estava se formando.
Ela quer me testar? Isso é conveniente. Lutar contra aquele maluco de terno me deixou irritado, e eu não testei minhas técnicas desde a luta contra Edgard.
— Hm. — O som baixo escapou, pois estava saboreando a ideia. — É isso que você quer?
— O que foi? Vai recusar? — Calista inclinou a cabeça, provocando.
Hazan olhou para ela por um instante, então girou os ombros, avaliando as condições de seu próprio corpo recém-recuperado. A sensação de força renovada pulsava em seus músculos.
A verdade é que era difícil recusar tal oportunidade para testar a própria força.
Se ela é líder dessa guilda inteira, deve ser bem forte, certo? Isso tá me deixando empolgado.
Ele assentiu, estalando o pescoço com um leve sorriso e entrando na postura característica de um boxeador.
— Eu não gosto de lutas chatas, é melhor fazer o seu desafio valer a pena.
Calista sorriu de canto, mas não era um sorriso qualquer. Tinha algo afiado ali, como se estivesse apenas esperando que Hazan mordesse a isca.
— Não se preocupe — disse ela, desenrolando a bandagem de um dos pulsos, os olhos turquesa brilhando com uma intensidade incomum. — Eu não teria te procurado se fosse o caso.
Hazan notou que aquilo não era só confiança vazia — era algo muito mais profundo.
Era sutil, quase imperceptível para qualquer um sem experiência. Mas para um lutador, a presença de alguém semelhante era impossível de ignorar. Ao observar Calista ajustando sua postura, ele confirmou o que já suspeitava: aquela mulher era alguém treinada.
O sorriso de Hazan se alargou. Seu sangue esquentou.
O mundo ao redor ficou menor, reduzido ao espaço entre os dois.
Calista girou os punhos, flexionando os dedos com uma calma quase insolente.
— Pronto pra dançar, tahtoriano?
Hazan riu baixinho.
— Só se eu conduzir a dança.
Então, num piscar de olhos, a pujante se moveu.
— Você pretende explorar uma masmorra desse jeito? — Aurora não acreditava no que estava vendo.
Hazan estava em sua frente, com uma expressão calma, mastigando um pedaço de pão. Não havia nenhum tipo de proteção em seu corpo. Eram as mesmas roupas que o vira usar desde a primeira vez que se conheceram: uma camiseta preta simples, um cordão estranho e calças de um material que desconhecia.
Hazan terminou de mastigar o pão e arqueou uma sobrancelha.
— Tá com fome? — Apontou com o polegar para a guilda, já distante. — Tinha um monte na bandeja da recepção. Deu mole, minha filha.
Aurora balançou a cabeça num sinal de desprezo. — Que seja. Vamos, não queremos perder a carruagem.
Atravessaram a Praça Central em silêncio. O fluxo de pessoas era intenso, onde raças de diferentes tipos se reuniam, atiçando a curiosidade do rapaz.
Era capaz de sentir o peso dos olhares desconfiados mais uma vez. Talvez fosse sua roupa estranha, sua expressão rebelde ou simplesmente o fato de ser um forasteiro.
O vento fresco carregava o cheiro das flores recém-cuidadas nos jardins espalhados pela praça, contrastando com o aroma de pão quente vindo das padarias ao redor.
A estátua ao centro, de aura imponente, parecia observá-los enquanto passavam. De cabelos longos como os de um bárbaro, barba espessa e olhar feroz, aquela estrutura tinha pelo menos uns 7 metros de altura. Sua espada larga repousava sobre o chão, mãos firmes no cabo.
Esse lugar tem a sua própria história e cultura. Preciso me acostumar com isso.
Encarou as costas de Aurora, observando seus equipamentos. Uma calça marrom de tecidos leves, botas de couro, uma camisa regata branca com capuz e ombreiras pretas. As braçadeiras brancas e seu par de adagas também estavam prontas para uso.
E você também. Espero que não seja chata só por ser chata.
— As pessoas não podem saber da sua condição — Aurora quebrou o silêncio abruptamente.
Hazan desviou os olhos e assentiu. Apertou os passos, caminhando ao lado dela.
Aurora franziu as sobrancelhas. — O quanto você sabe?
— Aprendi um pouco da geografia local com Aspen.
— Prove. — Ela ordenou.
Hazan imitou a voz de Aspen com uma precisão quase cômica, o rosto inexpressivo como o de um robô mal programado.
— Atualmente, estamos no continente de Absolis, em um país chamado Varsília… — fez uma pausa dramática, piscando lentamente. — Essa aqui é só uma cidadezinha na fronteira de Sohen, o reino dominante do país.
Ele finalizou com um olhar vazio, como se tivesse acabado de recitar um manual de instruções.
Aurora apenas assentiu, os olhos avaliando-o como se tentasse medir sua utilidade. Então, de forma quase indiferente, acrescentou:
— Não me importo com você ou de onde veio. Apenas não seja um inútil. Se tiver alguma dúvida, pergunte antes de cometer algum erro. Não quero problemas.
Ele observou a frieza dela e balançou a cabeça.
Trabalhar com você vai ser um desafio e tanto.
Após alguns minutos, chegaram à borda da cidade, onde uma carruagem já os esperava.
Toda a cidade era protegida por uma enorme muralha de pedras.
O cocheiro, um homem de aparência rude, assentiu para Aurora, e ela entregou algumas moedas de bronze.
Aurora sentou em um canto, e Hazan no outro. O cocheiro puxou as rédeas e colocou os cavalos em movimento.
Hazan olhava pela janela da carruagem, observando a vastidão do campo aberto que se estendia à sua frente.
Colinas suaves se erguiam à distância, cobertas por um verde exuberante que balançava ao sabor do vento. O céu, límpido e azul, se espalhava sem fim, e o cheiro da terra úmida e das flores silvestres o envolvia.
Aspen provavelmente soltaria uns fatos aleatórios sobre o bioma desse lugar, e Lunna ficaria empolgada com essa paisagem.
Um suspiro escapou de seus lábios.
Foi bom eu ter sumido. Eles não precisam se envolver com os meus problemas.
Seu olhar desviou para Aurora.
A cabeça dela é um enigma. Não mostrou nada além de lógica pura. Ficou claro que não formamos uma boa dupla durante aquele combate contra o mascarado. Não importa, a minha parte eu vou cumprir.
Hazan tirou do bolso o papel dobrado que Calista lhe entregara e o estendeu para Aurora. Ela lançou um olhar breve para ele antes de pegar.
— O que é isso?
— Os detalhes da missão.
— E como conseguiu?
— Não te interessa. — Ele abanou a mão, sem paciência. — Fica contigo, aposto que vai saber usar melhor do que eu.
Aurora arqueou uma sobrancelha, mas não discutiu. Apenas desdobrou o papel e começou a ler, linha por linha.
Eles continuaram naquela monotonia por quase duas horas.
A carruagem parou subitamente na entrada de um vale, onde o terreno se tornava mais irregular. O cocheiro virou-se para eles com um aceno de cabeça.
— Não posso ir além daqui.
Sem questionar, Aurora saltou da carruagem, seguida por Hazan.
Encarou o cocheiro por cima dos ombros e o relembrou: — Esteja aqui no horário marcado.
O velho assentiu e se afastou, desaparecendo pelo caminho.
O vento no vale soprou mais forte, carregando o cheiro úmido de terra antiga. Rochas cobertas de musgo se empilhavam ao redor, enquanto árvores de raízes grossas se enroscavam no solo, como se tentassem prender algo ali.
Hazan estreitou os olhos, analisando o lugar.
— Não tem ninguém? Achei que masmorras fossem tipo… muito importantes.
— Monitorar uma o tempo todo bagunçaria o bioma local — respondeu, observando cada detalhe daquele lugar. — Sem falar que o fluxo constante de pessoas poderia aumentar os níveis de corrupção.
Hazan soltou um assobio curto.
O silêncio que veio depois não foi muito reconfortante.
Seu olhar vagou pelo vale. Nenhum som de pássaros, nenhum farfalhar de animais pequenos nas folhas. Apenas o vento. Algo naquele lugar parecia errado.
De um dos bolsos, Aurora tirou uma lupa de prata, cuja lente tinha várias inscrições de cores diferentes. Ela apontou a lente para a luz do sol, e o artefato refletiu o brilho em outra direção. Aurora franziu o cenho e seguiu o rastro invisível que o item indicava. Hazan acompanhou, arqueando a sobrancelha.
— O que é essa coisa aí com você?
Aurora suspirou, irritada com o tom casual mediante a situação. Não estavam em um passeio.
— Isso não é uma ‘coisa’. É a Pupila dos Deuses. Um artefato criado para medir a corrupção dentro de uma masmorra.
— E como você conseguiu essa coisa? — Ele enfatizou.
Aurora exibiu um sorriso ao encará-lo por cima dos ombros.
— Isso não te interessa.
Estava prestes a retrucar quando o chão vibrou sob seus pés, um tremor discreto, mas o suficiente para fazer o ar parecer mais denso.
Trocaram um olhar rápido antes de se moverem. A mata ao redor parecia prender a respiração enquanto passavam por folhas úmidas e arbustos cerrados, desviando de galhos retorcidos. Quando chegaram a uma clareira, o céu estava riscado por uma onda de poeira, girando em turbilhões dourados sob a luz.
O portão para a masmorra estava bem na frente de seus olhos. Mas havia algo errado. Suas bordas rangiam, estalando como pedra viva se expandindo, um som seco que arrepiava a pele. Ele estava crescendo.
Com mais de quatro metros de altura, sua superfície escura parecia absorver a luz ao redor, densa e bruta. O portão se abriu.
O pior se revelou com o que emanava dele.
Uma energia dourada e translúcida serpenteava pelo ar, torcendo-se como fumaça. Aurora não hesitou. Enfiou a mão no bolso e puxou a lente lapidada, os símbolos antigos em sua superfície pulsando em azul frio.
Assim que o artefato encontrou a luz da masmorra, vibrou forte o suficiente para fazer sua mão tremer. O brilho dourado dançou na superfície encantada, mas logo se manchou de vermelho. Denso. Pulsante. Vivo.
Aurora apertou a lente entre os dedos, o olhar afiado.
A missão dizia que essa era uma masmorra de nível Véu.
Mas a energia à sua frente contava outra história.
— Isso não está certo… Véu já é alto se considerar o tempo que essa masmorra existe.
— Então isso funciona como uma escala? Como você sabe que não tá enganada?
— Porque eu sei ler — respondeu de forma seca. Apontou para a lente. — Além da coloração, a Pupila dos Deuses reage ao nível de perigo. Quanto mais forte a corrupção, mais intensa a reverberação do artefato.
O olhar afiado e a postura firme de Aurora deixavam claro que não havia espaço para discussão. Hazan apenas deu de ombros, voltando-se para o portão.
A luz dourada tremulava como uma vela à beira de apagar. Como o artefato havia previsto, aos poucos o portal foi tomado pelo vermelho.
Um brilho denso, pulsante, rastejando como sangue se infiltrando em rachaduras. Difícil dizer se aquilo convidava ou advertia.
Aurora guardou a Pupila dos Deuses e estreitou os olhos.
— Isso é maior do que informaram. O nível de corrupção está alto demais, não vale o risco. Viemos até aqui, vamos caçar alguns animais e pegar outra missão.
Hazan não respondeu. Nem um movimento.
— Ei, você me ouviu? — O tom dela ficou mais afiado.
Ele continuava ali, parado, fitando o portão — mas seu olhar estava longe. Como se estivesse em outro lugar, perdido em pensamentos que só ele conhecia.
Isso acendeu um estopim dentro de Aurora. O instinto dela dizia que precisavam sair dali. Mas lá estava Hazan, disperso, alheio ao risco real que se apresentava.
Esse portão… É parecido com o que encontrei durante a provação quando enfrentei aquelas estátuas. Como era mesmo o nome delas?
O olhar vago do rapaz não poderia ser mais irritante.
Ela estreitou os olhos, sua paciência se esvaindo.
— Você acha isso divertido, é? — Sua voz cortou o silêncio enquanto sua adaga surgia contra a garganta dele.
Hazan piscou, voltando de sua distração. Então, sem qualquer traço de preocupação, respondeu:
— A gente ainda não entrou.
Aurora apertou o cabo da arma. Não importava.
— Se eu quisesse, já teria te matado por essa sua falta de atenção. — Seu tom era frio, indiferente. Era um aviso. Hazan estava sendo descuidado, e descuido custava vidas.
Seu olhar escureceu, e sua postura mudou sutilmente. Quando ele falou, sua voz carregava um peso diferente.
— E eu disse que não ignoraria se fizesse isso de novo.
Antes que Aurora pudesse reagir, Hazan se moveu.
Com um golpe rápido, sua mão encontrou o pulso dela. O impacto foi certeiro, fazendo a adaga deslizar de seus dedos e voar para longe. Mas Aurora não hesitou. Seu corpo agiu por instinto — girou sobre os calcanhares e disparou um chute na lateral de Hazan, forçando-o a recuar.
A lâmina ficou presa em uma árvore próxima. Aurora deslizou pelo terreno, alcançando-a antes que Hazan pudesse se recuperar totalmente. Seus dedos envolveram o cabo da adaga no mesmo instante em que ela se virou para encará-lo.
De alguma forma, Hazan já esperava aquele resultado. Aurora havia reagido com a mesma intensidade. A mesma fome de luta. E, por algum motivo, isso não o irritava. Já estava na hora de colocá-la em seu lugar.
Com um gesto ousado, ele a chamou com o indicador e um sorriso provocativo.
Aurora se lançou contra ele, desferindo ataques rápidos e precisos com suas adagas. Hazan esquivou dos ataques com igual destreza, evitando cada golpe enquanto analisava o ritmo dela, esperando uma abertura.
Preciso finalizar isso rápido. Ela precisa entender que não pode simplesmente fazer o que quiser.
Aurora lutava como uma besta, seus ataques miravam áreas onde a dor era mais intensa. E cada vez que Hazan pensava ter identificado um padrão, ela o quebrava com um movimento mais violento e instintivo.
Mas encontrar uma brecha era só questão de tempo.
Com um giro calculado, bloqueou um golpe de Aurora, agarrou seu braço e o torceu, forçando-a a parar. Com a outra mão, preparou um soco para encerrá-la ali.
Por um segundo, Aurora sentiu o coração acelerar. Seu corpo reagia por instinto, mas sua mente dizia que não teria tempo para escapar. Pela primeira vez naquela luta, um arrepio percorreu pela sua nuca.
Hazan, com toda sua presença ameaçadora e foco intenso, foi derrotado por seu pior inimigo: uma raiz aleatória no meio do caminho. Seu pé enganou sua confiança, e em um movimento ridiculamente desajeitado, ele perdeu o equilíbrio.
O problema? Aurora estava perto demais, e Hazan fez questão de puxá-la junto consigo.
— Seu imbeci-
O grito foi abafado no momento em que os dois caíram no portal.
Eles foram engolidos antes mesmo de sequer processar o desastre em que tinham se metido.
O frio da pedra contra seu rosto era quase anestésico, mas a dor gritava em cada canto do seu corpo. Hazan piscou os olhos, enevoados pela vertigem e pelo sangue que escorria da testa. Seu peito arfava, os ossos fraturados zunindo em protesto a cada respiração, e o braço direito — o único que ainda podia usar — tremia ao segurar Aurora.
A ponta dos dedos de Hazan estavam brancos pela força com que agarrava a mão dela. A pele de Aurora estava quente, suada, e escorregadia. Mas não estava disposto a soltá-la.
Caralho… Como chegamos a esse ponto!?
A masmorra cavernosa se estendia abaixo deles, um vazio faminto de sombras e vento. O brilho azul dos cristais de mana cravados nas paredes era a única iluminação, lançando um brilho espectral sobre os dois. O precipício onde Hazan se segurava era pequeno, instável, um pedaço de rocha solta que ameaçava ceder a qualquer instante. Sangue pingava do seu braço dilacerado, misturando-se à poeira do chão rachado.
Aurora pendia no vazio, os cabelos prateados se espalhando no ar como se a gravidade tentasse tomá-la. Seus olhos, sempre frios e calculistas, estavam arregalados em choque. Não era medo — Aurora não temia a morte. Era outra coisa. Algo que Hazan não conseguia decifrar.
— Seu maldito! — ela rosnou, os dentes cerrados. — Se não me soltar, nós dois vamos cair!
O corpo de Hazan protestou, mas ele firmou ainda mais os dedos ao redor do pulso dela. A ponta da rocha cedeu alguns milímetros, uma lasca caindo no abismo sem fim.
— Eu me recuso. — Sua voz saiu áspera, engolida pela dor. Seu olhar, porém, queimava com algo inquebrantável.
Aurora abriu a boca, mas hesitou. Por uma fração de segundo, a mulher de gelo não soube o que dizer. Seus olhos buscaram os dele, uma corrente de algo não dito passando entre os dois. Depois, com um suspiro trêmulo, sua expressão se contorceu em algo entre frustração e desespero.
O estalo ressoou antes que qualquer um pudesse reagir. O chão abaixo de Hazan gemeu. A pedra estava prestes a partir.
Ele precisava tomar uma decisão.
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