Índice de Capítulo

    O mundo ao redor não fazia sentido. Sombras distorcidas, ecos de risadas infantis espalhados pelo ar.

    — Qual é, Hazinho! Nem é tão alto! Não é como se você fosse morrer se caísse daí de cima, hehe!

    Um murmúrio crescente, zombeteiro, impregnado de crueldade infantil.

    Os olhos de Hazan estavam arregalados, fixos na borda do telhado do orfanato. Os outros garotos o cercavam, forçando-o a dar um passo à frente. 

    O vão entre aquele telhado e o próximo parecia uma boca aberta, engolindo a pouca coragem que ele tentava reunir. Ele queria gritar, mas a voz não saía. O peito ardia, o medo se misturando à vergonha.

    — Anda logo, não é tão longe assim! Ou vai fugir feito um ratinho? — A provocação veio acompanhada de um empurrão. Ele quase perdeu o equilíbrio.

    O coração saltou na garganta.

    O vento assobiou contra seu rosto. Mas o cenário mudou.

    Agora, ele não era mais uma criança no orfanato. 

    O abismo entre as pedras flutuantes era muito maior. A escuridão abaixo era um monstro de boca escancarada, faminto, esperando sua queda.

    As mãos tremiam. O suor escorria pela testa, o som do próprio coração martelando em seu peitoral. A sensação de despencar surgiu antes mesmo do salto real.

    Decidiu ignorar as probabilidades e pular. Um erro trágico, movido pelo medo e ansiedade. Ele despencou na escuridão.

    O ar rugiu nos ouvidos. O mundo girou em uma espiral caótica. Os gritos das crianças do orfanato se misturaram ao vazio da masmorra, criando um coro espectral.

    O abismo o devorou sem piedade.

    Arregalou os olhos, puxando o ar o mais forte que conseguiu. Seus dedos apertavam com força a beirada da cama, como se ainda estivesse tentando segurar algo antes da queda.

    As dores voltaram antes mesmo que pudesse se mover direito. Levou a mão à cabeça e massageou as têmporas, sentindo a textura áspera dos curativos ao longo do torso.

    A escuridão do quarto era quebrada apenas pelo brilho tênue de um lampião sobre uma escrivaninha, projetando sombras trêmulas nas paredes de pedra. 

    O ar carregava um cheiro suave de ervas misturado ao frio úmido da noite. Hazan sentou na cabeceira da cama, sentindo o puxão incômodo das ataduras em seu peito e os resquícios das dores em seus músculos. 

    Seu corpo protestava a cada movimento, mas ele ignorou, esfregando a cabeça e tentando organizar os pensamentos.

    A primeira coisa que notou foi a silhueta de Aurora sentada em outra cama, o vento brincando com seus cabelos. Estava de frente para a janela, observando o céu e o telhado de outras casas. 

    Não conseguia enxergá-la direito porque estava muito escuro, mas conseguiu ver uma camisa de seda marrom dobrada na ponta da cama. Achou estranho.

    — Você precisa descansar — aconselhou a garota, sem olhar para trás.

    — Preciso de explicações — retrucou com a voz rouca.

    Aurora suspirou.

    — Derrotamos o Corruptor. Completamos a masmorra. Mas você perdeu muito sangue… e desmaiou. — A última parte veio com uma leve hesitação.

    Hazan não estava satisfeito com as respostas. Ele continuou em silêncio, esperando que ela continuasse.

    — Trouxe você até aqui. Estamos numa igreja. Um sacerdote cuidou dos seus ferimentos. — Seu tom era objetivo, mas não frio. Havia algo diferente em sua voz, uma calmaria que não estava lá antes.

    Hazan franziu a testa, os olhos estreitando na escuridão.

    — Você me carregou da masmorra até a cidade? — Seu tom não era de dúvida, mas sim de surpresa genuína.

    Aurora não deu importância.

    — Isso não importa. O que importa é que amanhã precisamos acertar contas com Calista. Poderiamos ter morrido naquele lugar. — A mudança de assunto foi rápida, típica dela.

    Hazan assentiu, ainda sem tirar os olhos de Aurora.

    — Acordada a essa hora, no meio da noite… sabe, você é esquisita. 

    Aurora demorou um pouco para responder.

    — Não consigo dormir. — Sua voz soou mais baixa, quase distraída. — Você pode me ajudar com isso?

    Hazan arqueou uma sobrancelha, piscando algumas vezes antes de entender o que ela queria dizer. Sua mente primeiro foi para o caminho mais óbvio e feliz, mas… não, impossível. Se tratando de Aurora, isso só poderia significar uma coisa muito específica.

    Pegou o lampião na mobília e apontou a luz na direção dela. Ergueu os olhos ao se deparar com o que viu.

    As costas da jovem estavam nuas, sem nada cobrindo a parte superior do corpo. Feridas e assaduras se espalhavam por sua pele, algumas inflamadas e avermelhadas. Elas pareciam maiores do que da última vez.

    — Tem um pano dentro do balde com ervas ao lado da cama — avisou ela, trazendo um tom casual.

    Hazan enrugou as sobrancelhas e balançou a cabeça.

    — E se eu não tivesse acordado? Você ia continuar aí, sofrendo em silêncio? — O tom era meio rabugento, mas também preocupado.

    Aurora deu de ombros.

    — Já passei por coisa pior.

    — Isso não quer dizer que precisa passar por isso sozinha — Hazan murmurou, andando até ela.

    Ela não disse nada. Apenas fechou os olhos por um instante, deixando que as palavras a alcançassem. Era a segunda vez que passavam por uma situação constrangedora, mas Hazan não parecia se importar dessa vez. Sua voz carregava uma empatia natural que dispensava explicações.

    Hazan observou aquelas costas de perto. Pequenas, mas definidas, com músculos sutis esculpidos sob a pele. Resquícios das queimaduras e outras cicatrizes marcavam os ombros.

    Isso tava bem ruim antes da masmorra. Parece que cuidaram dela também. 

    Mergulhou o pano no balde, torcendo-o para retirar o excesso, e então o aplicou suavemente nas costas de Aurora, com toques cuidadosos.

    O silêncio era quase reconfortante. Aurora continuou quieta, os ombros relaxando à medida que o frescor das ervas aliviava o ardor em sua pele.

    — Achei que seria mais bruto — murmurou, a voz tingida de provocação.

    Hazan ergueu uma sobrancelha, sem perder o foco no que estava fazendo.

    — Você já sofreu o bastante por hoje.

    Um riso baixinho escapou dela, um som breve e inesperado. Hazan piscou, absorvendo a cena por um segundo antes de parar o que estava fazendo.

    — Espera aí… — Ele inclinou a cabeça, um sorriso de canto surgindo. — Você acabou de rir? Isso foi uma risada, não foi?

    Aurora virou levemente o rosto, os olhos encontrando os dele por um instante fugaz. O brilho do lampião refletia em suas íris, dando a impressão de que escondia algo mais ali, algo que ele não conseguia decifrar completamente.

    — O que foi? Eu não posso rir agora?

    Hazan pigarreou. — Ca-ham… pode, claro. Só não achei que fosse possível pra grandiosa e fria Aurora.

    Ela franziu a testa, mas optou por não responder.

    O sorriso dele se alargou.

    — Finalmente estamos começando a nos entender.

    — Que seja. Termina logo isso. — Ela fez uma pausa. — Quero me vestir.

    Hazan soltou um suspiro teatral.

    — É uma pena, queria continuar admirando suas costas.

    O golpe veio sem aviso. Uma cotovelada certeira, direto no nariz.

    — Ei, isso foi um elogio! — resmungou, a voz levemente abafada pelo aperto da mão no nariz enquanto estava caído no vão entre as duas camas.

    Aurora vestiu a camisa sem pressa, depois se virou, apoiando as mãos na cama. O olhar indecifrável tinha voltado.

    — Por que me salvou?

    Hazan piscou, como se a pergunta fosse inesperada.

    — Sei lá. Reflexo.

    — Reflexo?

    — Sim. Você tava lá, o ataque também. Só liguei os pontos.

    Aurora estreitou os olhos.

    — Isso não responde nada.

    Ele deu de ombros, exibindo um sorriso relaxado.

    — Somos companheiros.

    A negação veio de imediato.

    Não somos.

    — Beleza. Somos só dois estranhos jogados no mesmo inferno, obrigados a se aturar. Mas sabe o que dizem? Se anda como um pato…

    Aurora cruzou os braços devagar. A luz fraca do lampião projetava sua sombra na parede, e, por um instante, parecia maior que ela mesma.

    — Se você terminar essa frase, vou quebrar seu nariz de verdade.

    — Tá vendo? Eu cuido de você, você tenta me matar. Isso é praticamente um vínculo.

    Aurora soltou um suspiro exasperado, revirando os olhos numa tentativa de continuar calma. Desviou o olhar, focando em uma rachadura na parede, qualquer coisa era melhor do que continuar aquela conversa absurda. Se recusava a aceitar a lógica daquele imbecil.

    — Não preciso que me proteja.

    Hazan se inclinou ligeiramente para trás, apoiando as costas na cama e entrelaçando as mãos atrás da cabeça. Um sorriso se formou no canto dos lábios.

    — Não foi o que eu vi da última vez.

    Foi a última coisa que conseguiu dizer antes de um travesseiro voar em sua direção. O impacto quase o jogou para trás, arrancando um riso surpreso.

    Aurora já estava deitada de bruços, com o rosto enterrado no colchão.

    — Vai dormir, já perdemos tempo demais aqui.

    Hazan pegou o travesseiro caído ao lado dele e o ajeitou sob a cabeça, ainda rindo.

    — Beleza. Durma bem, companheira.

    O único som que veio em resposta foi um resmungo abafado.


    O aroma de pão recém-saído do forno pairava pelo salão comunal da Igreja de Unitas. Naquela agradável manhã, a longa mesa estava repleta de pratos simples, mas bem servidos.

    Hazan comia com um vigor impressionante, devorando cada pedaço como se fosse a última refeição da vida dele. A cada mordida, soltava um som satisfeito, um suspiro, um estalo de língua, um leve “hmm” de prazer.

    — Você não consegue ser menos nojento? — Aurora estreitou os olhos, mexendo no mingau com a colher sem muita vontade. — Esses barulhos estão me fazendo perder o apetite.

    Hazan nem mesmo se importou.

    — Ótimo. Se não quiser comer, deixa o resto comigo. — Sorriu, já se inclinando para pegar o pão dela.

    Num movimento tão sutil quanto veloz, Aurora desviou a atenção dele ao empurrar um copo de suco na direção oposta. Quando ele virou a cabeça, a mão dela se fechou ao redor de um pedaço do bolo de mel do prato dele.

    Hazan olhou para frente de novo e congelou.

    — Ei… cadê meu bolo?

    Aurora mastigava lentamente, olhando para ele com uma face cínica.

    — Que bolo?

    Ele piscou, processando a audácia. Então, arregalou os olhos.

    — Você roubou minha comida?!

    — Você tem provas?

    A guerra foi declarada. Hazan avançou para pegar o resto do pão dela, mas Aurora puxou o prato para longe. Em retaliação, ele se serviu mais da travessa de queijos. Ela agiu no mesmo instante, capturando mais do mel.

    O ritmo acelerou. O pão passou de mão em mão, as colheres se cruzaram no ar como espadas, e até um último pedaço de queijo foi disputado numa tentativa desesperada de pegá-lo antes do outro. 

    — Solta — Aurora exigiu.

    — Você solta. — Hazan era teimoso.

    Por conta da disputa, o queijo se dividiu em dois, e Hazan logo comeu a sua metade. Aurora, por sua vez, encarou aquele pedaço partido ao meio e o colocou de volta no prato. Sua expressão mudou sutilmente, não mais brincalhona, mas cautelosa.

    — Hazan. — A voz dela agora soava diferente, mais firme. — Você tem algo que quer me contar?

    Ele arqueou uma sobrancelha, confuso.

    — Não.

    Aurora inclinou ligeiramente a cabeça, os olhos analisando cada detalhe do rosto dele.

    — Tem certeza?

    Hazan não hesitou.

    — Tenho.

    Por um instante, Aurora não disse nada. Apenas o encarou, e a leve tensão no ar se tornou mais palpável. Então, quando abriu a boca para falar algo mais, uma voz irrompeu no ambiente.

    — Nossas cozinheiras trabalham com muito amor e carinho, mas quem diria que isso traria uma guerra?

    A jovem acolhedora da noite anterior sorriu com doçura. Ela era baixa, de cabelos ruivos trançados e olhos gentis que exalavam paciência, o tipo de pessoa que parecia nunca perder a calma. 

    Ao lado dela, havia um homem alto e esguio de meia-idade. Os cabelos castanhos, já salpicados de prata, caíam até os ombros, e os olhos azuis refletiam um céu tranquilo.

    Sua túnica branca, adornada com bordados dourados, esvoaçava a cada passo. Runas gravadas na barra brilhavam suavemente. No peito, um broche prateado em forma de uma mão aberta envolta de raios do sol. Reluzia sempre que a luz o tocava.

    — Sacerdote Elios e Almira — disse Aurora. — Somos gratos pela ajuda.

    Hazan engoliu um último pedaço de queijo e limpou a boca. — Desculpa, padre. Força do hábito.

    Elios balançou a cabeça, mas o canto de sua boca indicava que segurava um sorriso.

    — Fico feliz que se sintam acolhidos. Eu gostaria de conversar sobre isso em outro momento, mas… — O tom dele ficou mais sério. — Seu tratamento foi muito caro, Hazan. Usamos muitas poções de cura para estabilizar seus ferimentos.

    Hazan trocou um olhar breve com Aurora antes de responder.

    Não tenho dinheiro pra pagar.

    O homem exibiu um sorriso gentil.

    — E não vamos cobrar.

    Aurora franziu o cenho, desconfiada. — Então, o que querem?

    Elios juntou as mãos, escolhendo as palavras. De acordo com Aurora, o estado de vocês se deve ao fato de terem completado uma masmorra sozinhos. Eu estive procurando por desbravadores talentosos que pudessem aceitar uma singela solicitação…

    O clima leve da mesa esfriou um pouco.

    — Que tipo de soliticação? — Hazan questionou, agora mais atento.

    Elios suspirou, como se o peso da lembrança o pressionasse.

    — Fazemos oferendas regulares a um antigo templo, distante daqui, onde nossos antepassados adoravam Unitas e suas filhas. Mas, recentemente, nossos enviados relataram uma presença estranha no local. Algo os impede de se aproximar.

    — Vocês registraram uma solicitação formal na guilda? — indagou Aurora.

    Almira balançou a cabeça, frustrada.

    — Fizemos isso há uma quinzena. Alguns aventureiros aceitaram, mas voltaram dizendo que não havia nada de incomum por lá. Seus rostos pálidos diziam outra coisa. É um verdadeiro caos…

    Elios retomou a palavra, a voz carregada de expectativa.

    — Se aceitarem, gostaria que levassem Almira com vocês. Ela pode ser de grande ajuda. E, claro, recompensaremos com poções de cura abençoadas.

    Almira piscou, surpresa.

    — E-eu? S-sacerdote, eu… não sei se sou capaz…

    Ele pousou a mão em seu ombro, o toque leve, mas firme. Seu sorriso trazia uma serenidade que desarmava qualquer dúvida.

    — Você ajudou esses dois, não foi? Considero isso um bom começo. Pode ser uma experiência valiosa para você.

    Ela ainda parecia hesitante, mas respirou fundo, tentando reunir coragem.

    — E então? O que me dizem?

    Hazan e Aurora se entreolharam por um breve instante, mas Hazan já tinha sua resposta.

    — Eu aceito. Trabalho é trabalho.

    — Mas vamos descansar antes — Aurora interveio. — Não estamos em condições de sair em missão agora.

    Elios assentiu, compreensivo.

    — Naturalmente. Avisarei à guilda que a missão já tem donos. Cumpram-na quando estiverem prontos, mas não se esqueçam de levar Almira.

    Seu olhar recaiu sobre os pratos praticamente vazios diante deles.

    — Mas, antes, talvez devêssemos resolver essa guerra civil na mesa do café da manhã.

    Almira abafou uma risada, enquanto Hazan e Aurora se entreolharam, prontos para negar qualquer acusação.


    A guilda da Pena Azul estava mais agitada que o normal. O burburinho dos aventureiros misturava-se ao som metálico das armas sendo ajustadas e ao tilintar de copos no bar ao fundo. Hazan, Aurora e Almira atravessaram o salão, observando o movimento incomum. Almira franziu a testa ao notar a estranha comoção.

    — Estranho… Parece que algo aconteceu. — murmurou.

    Quando se aproximaram do balcão de atendimento, a funcionária de cabelos castanhos e olhos amendoados ergueu o olhar e imediatamente ficou tensa ao reconhecer Hazan. 

    Havia um crashá de madeira em suas roupas, onde seu nome estava entalhado em dourado: Mirna.

    Seu rosto adquiriu um leve tom avermelhado, e ela desviou o olhar, lembrando-se da última vez que o vira — sem camisa, coberto de cicatrizes e sangue seco.

    Ela pigarreou, tentando manter a postura. — Em que po-posso ajudar?

    — Onde está Calista? — Aurora perguntou sem rodeios.

    — Na ala médica, cuidando d-de soldados feridos… — respondeu Mirna, ainda sem encarar Hazan diretamente.

    Sem mais perguntas, a dupla seguiu Almira pelos corredores, que já estava familiarizada com aquele lugar. Os corredores se alongaram, as vozes e os burburinhos foram ficando cada vez menores.

    Adentraram uma porta dupla de madeira, deparando-se com a ala médica. A iluminação era suave, proporcionada por lanternas a óleo penduradas em suportes de ferro ao longo das paredes de pedra fria. Um silêncio pesado dominava o ambiente, quebrado apenas pelo som de tosses ou murmúrios entre os poucos pacientes da sala.

    Próximo de três camas alinhadas, Calista permanecia de pé ao lado dos soldados inconscientes — Marcan, Baelor e Edrin. O peito deles subia e descia com dificuldade, as testas cobertas por suor frio. Hazan os reconheceu imediatamente. A pele dos guerreiros estava pálida, os corpos envoltos em faixas manchadas de vermelho escuro.

    Hadrian estava sentado ao lado, os braços cruzados, a expressão carregada de irritação. Seu manto negro estava endurecido pelo sangue seco, grudado ao tecido.

    Os dedos apertavam o punho da espada com força, os nós das mãos esbranquiçados. Nem se deu ao trabalho de erguer o olhar quando os outros entraram.

    Almira se aproximou das camas, trocando um olhar breve com Calista antes de se ajoelhar ao lado dos feridos. Com um suspiro silencioso, juntou as mãos sobre o peito. Um brilho esverdeado, quente e reconfortante, começou a irradiar de seu corpo, como se a própria terra lhe concedesse o poder da restauração. 

    A luz envolveu os guerreiros, fazendo as ataduras brilharem levemente à medida que a energia curativa penetrava em suas feridas.

    Sua voz emergiu em um sussurro firme, carregado de devoção:

    — Ó Unitas, mãe da compaixão e guardiã dos aflitos, ouça meu chamado. Que vossa luz preencha cada fibra enfraquecida, que vossa bênção flua como a nascente que jamais seca. Dissipai a dor, afugentai a sombra da morte, restaurai aqueles que ainda têm um caminho a trilhar. Pela vossa graça, que retornem ao mundo dos vivos. Assim seja.

    O brilho pulsou, como se a própria oração ganhasse vida. O ar ao redor pareceu vibrar por um instante. Ainda inconscientes, suas expressões relaxaram, prova de que a tormenta interna que enfrentavam estivesse, enfim, se acalmando.

    Hazan olhou para os soldados por alguns segundos antes de quebrar o silêncio:

    — Quem fez isso com eles?

    Calista hesitou. Seu olhar demonstrava pesar, mas evitou responder de imediato.

    — Não é uma boa hora, Hazan — disse ela, desviando os olhos.

    Aurora deu um passo à frente, sem paciência para evasivas.

    — Não? Olhe para nós. Completamos a maldita missão, mas isso quase custou as nossas vidas.

    Calista respirou fundo, claramente desconfortável. — Não foi essa a intenção…

    — Então explique. — Aurora insistiu, seus olhos faiscando de irritação.

    — Aurora… — Calista desviou o olhar. — Agora não.

    Aurora não gostou da resposta. Franziu o cenho, irritada, e segurou a manga da roupa de Calista, puxando-a para mais perto.

    — Chega de brincadeiras. Se há algo que precisamos saber, diga agora. Não estou com humor para joguinhos.

    Hadrian, que até então permanecia calado, finalmente se levantou, seu semblante sombrio.

    — Solte ela. Agora. — Sua voz cortou o ar, carregada de irritação contida.

    Os outros pacientes na ala pareciam se encolher diante da tensão crescente.

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