A carruagem balançava suavemente sobre a estrada irregular dos Campos Bestiais, seus eixos rangendo levemente sob o peso dos ocupantes. 

    O interior era luxuoso, diferente da última carruagem que tinha viajado. Os estofados, de cor vermelha, eram macios e pareciam lhe convidar para tirar um cochilo a todo momento. Havia carne seca perto das janelas, o qual se esforçou para não comer.

    Do lado de fora, a paisagem se estendia em colinas verdejantes, iluminadas pelo sol que espreitava entre nuvens dispersas. O cheiro de terra e vegetação selvagem permeava o ar.

    Darius e seu grupo estava de um lado da carruagem, Hazan e Aurora do outro. 

    O líder mantinha uma postura relaxada, mas o olhar era afiado, atento a cada detalhe dos dois convidados. Com um meio sorriso, ergueu uma das mãos enluvadas e passou o dedo pela borda do copo de vinho que segurava.

    — Antes de tudo, agradeço por aceitarem nossa proposta. Eu gosto de pessoas decididas.

    — Melhor repassar o plano — respondeu Aurora, mudando de assunto. — Não queremos surpresas no caminho.

    Darius assentiu com o mesmo sorriso.

    — O couro dos bronthir está em alta. A demanda é enorme. A guilda quer aproveitar o momento e pediu uma caçada pra reunir recursos. Vamos atraí-los com um composto especial: uma mistura de sangue e ervas raras que imita o cheiro dos filhotes deles. O instinto de proteção vai fazê-los vir direto para cima, sem pensar duas vezes. Então, pegaremos eles de surpresa.

    — E quanto podemos ganhar?

    O nobre abriu um sorriso mais amplo e gesticulou com a mão livre.

    — Se estamos falando apenas da recompensa da missão, 10 moedas de ouro para cada um. Mas o nosso maior lucro virá da venda dos corpos. Cada um deles pode valer seu peso em prata. E os órgãos também têm seu mercado. 

    — A Guilda Pena Azul vai pagar bem, bonequinha — disse Tannor, exibindo um sorriso ardiloso. — E nós, como bons parceiros, vamos dividir tudo de forma justa. 

    Darius girou o vinho na taça, apreciando o aroma.

    — Cada um aqui vai sair com uma bela quantia de ouro no bolso. Uma oportunidade dessas não aparece todo dia.

    Aurora assentiu discretamente, sem alterar sua expressão. — Parece um bom plano.

    Hazan manteve-se igualmente calmo, apoiando um cotovelo sobre o joelho enquanto fingia observar o padrão da tapeçaria da carruagem, tentando afastar o sono.

    — Você tem um olhar feroz, e essa pele… — Mirielle inclinou-se levemente para frente, um sorriso brincando em seus lábios. — Você é um tahtoriano, não é?

    Hazan sequer a encarou.

    — É, eu sou… — respondeu com uma expressão desinteressada, como se estivesse cansado daquela palavra. — Vim de uma tribo muuiito distante… — Seu tom era quase cômico.

    Darius ergueu uma sobrancelha, girando o vinho em sua taça antes de tomar um pequeno gole.

    — Para alguém que veio de tão longe, você fala a língua comum de Varsília muito bem.

    Hazan inclinou-se levemente para trás no assento, bocejando preguiçosamente.

    — Aprendi com alguém que me acolheu quando cheguei aqui. — Fez uma breve pausa antes de concluir. — Mas essa pessoa já morreu.

    O clima ficou desconfortável, mas Darius sabia como conduzir uma conversa.

    — Bem, espero que tenha lhe ensinado mais do que apenas palavras. Será uma caçada interessante, afinal.

    Mirielle sorriu de canto, brincando com uma mecha de cabelo.

    Um homem cheio de mistérios…

    Tannor observava Aurora com um olhar preguiçoso e um sorriso cheio de subtextos. Ele tamborilou os dedos sobre o punho da adaga presa à sua cintura antes de se inclinar um pouco para mais perto.

    — Você tem um brilho diferente sob a luz do dia, sabia? Dizem que as polarianas possuem uma beleza fora do comum, mas eu tenho certeza que você está acima da média. — Sua voz carregava uma doçura envenenada, o tom um pouco arrastado, como se degustasse cada palavra. — Deve ser por isso que seu parceiro a mantém tão por perto. Eu também faria o mesmo.

    Aurora não moveu um músculo além do necessário para lançar um breve olhar na direção dele. Sua voz veio fria e distante.

    — Obrigada pelo elogio.

    Tannor não recuou. Pelo contrário, inclinou-se um pouco mais, com um sorriso insinuante.

    — Falo sério. Você deve receber muitos olhares admirados, não? — Os olhos brilharam com malícia. — Especialmente de homens que sabem reconhecer algo raro quando veem.

    Aurora finalmente virou o rosto para encará-lo. A expressão permanecia neutra, mas havia um brilho cortante por trás do olhar — como uma lâmina sendo afiada em silêncio, uma sede de sangue vazando.

    — Nem sempre são olhares. Às vezes, são só cães latindo.

    Ofereceu um sorriso curto, desprovido de qualquer calor, antes de voltar a encarar a paisagem pela janela.

    Tannor sentiu um arrepio instintivo, e um sorriso involuntário surgiu em seu rosto.

    Tão feroz… Eu vou adorar quebrar cada parte de você!

    Darius lançou um olhar severo para seu subordinado.

    — Tannor, vamos manter o foco. 

    Tannor soltou um pequeno riso e ergueu as mãos em rendição.

    — Como quiser, chefe.

    A carruagem seguiu em frente, levando o grupo para seu destino.


    Os Campos Bestiais se abriam diante do grupo como um mar de grama ondulante, pontilhado por pedras musgosas e arbustos retorcidos. Sob o céu azul e o aroma das ervas queimadas, uma quietude tensa pairava sobre a enorme clareira em que o grupo estava, um campo improvisado de caça.

    Darius se ajoelhou entre duas rochas cobertas de líquen e removeu cuidadosamente a tampa de um pequeno frasco. 

    O cheiro forte de sangue misturado a ervas rarefeitas escapou no ar, pungente e quase ácido. Ele despejou o conteúdo em pontos estratégicos do campo.

    Depois disso, recuou para uma grande rocha, onde estava todo o grupo.

    — Agora é só esperar — disse, limpando as mãos com um pano escuro.

    Foi então que uma família surgiu da mata. O da frente era maior, mais musculoso, exibia cicatrizes e um olhar agressivo. O macho alfa, pai da ninhada.

    Atrás dele, a fêmea, caminhava em posição protetora, e no meio ficava o filhote, com o tamanho de um javali, que acompanhava sua família em um caminhar desajeitado.

    Os bronthir eram quadrúpedes robustos, semelhante a um cruzamento entre um javali e um rinoceronte, com pele grossa e chifres curvados. Eram grandes, com cerca de dois metros de altura e comprimento, contando com a calda.

    O focinho achatado do macho alfa gotejava baba e sangue de presas anteriores, e os olhos, pequenos, mas ferozes, brilharam com um ódio instintivo ao sentir o cheiro do composto. 

    Darius deu o primeiro passo.

    — Tannor, cobre meu flanco. Mirielle, mantenha os olhos no filhote. Não o deixem escapar. 

    Ele se ergueu, tirando a espada da cintura. — Nós vamos ficar com o macho alfa e o filhote. Esperem aqui, e quando separarmos a família, cuidem da fêmea.

    Sua voz era calma, mostrava experiência. Darius avançou sem hesitar.

    A lâmina de sua espada brilhou com uma luz esbranquiçada. Hazan, mesmo distante, reconheceu imediatamente.

    Então não era algo exclusivo do Eduar- Edgard… Parece que outros pujantes conseguem usar também. O brilho é branco em vez de azul, e a energia parece mais fraca.

    De fato, o brilho na espada de Darius era instável, quase pulsante, porém, mais fraco se comparado a aura latente de Edgard. Ainda assim, era eficaz.

    Com um grito seco, Darius saltou, desferindo o primeiro golpe. 

    Slash!

    Sua lâmina cortou o ar com um zunido e atingiu o ombro do bronthir pai, que urrou, a dor e a surpresa da emboscada aumentando sua fúria.

    Rooooar!

    A criatura avançou num contra-ataque feroz, mas Darius girou para o lado, desviando por centímetros. A aura branca em sua lâmina explodiu em partículas, deixando um rastro de luz pelo ar.

    Tannor surgiu pelos flancos, deslizando com as duas adagas prontas. Ignorava a fêmea por completo, focando seus ataques no bronthir mais perigoso. As lâminas deslizaram pelas coxas em várias cortes superficiais, mas isso já era o suficiente para cumprir com seu objetivo.

    — Mirielle! — gritou ele.

    Uma flecha cortou o ar e explodiu em energia lilás ao atingir uma das feridas na coxa do bronthir. 

    Kaboom!

    A explosão não causou dano letal, mas atordoou a criatura por um instante precioso. 

    A fêmea tentou fugir com seu filhote, mas Tannor tirou uma rede de sua mochila e impediu os movimentos do pequeno.

    — Quebramos a formação deles! — ordenou Darius, girando a lâmina e desferindo um golpe na outra perna da criatura. — Vamos acabar com isso!

    Em sincronia, o grupo desmantelou a defesa da fera. Com a pata dianteira ferida, a coxa comprometida pela explosão, e os flancos dilacerados por Darius, o bronthir caiu de lado, arfando. Darius o finalizou com um golpe direto ao peito, enterrando a lâmina até o cabo.

    Após o combate acabar, eles olharam na direção da dupla. Mirielle estava pronta para atirar mais uma flecha, mas Darius a impediu com um gesto da mão. 

    — Vamos ver como eles se saem.

    Hazan e Aurora se posicionaram. A bronthir fêmea corria em disparada direto para o lutador, que, por algum motivo, estava plantado bem em frente a uma rocha.

    — Quando eu derrubar essa coisa, você finaliza — disse ele, estalando os ombros.

    Aurora revirou os olhos, balançando a cabeça em decepção.

     — O que acha de levar isso a sério? Se quer tanto morrer, faça isso sozinho.

    Ele já estava focado demais para ouvir ironias. Avançou alguns passos, agachou-se ligeiramente e arqueou o corpo, pronto para receber o impacto colossal que estava cada vez mais perto.

    Aurora piscou algumas vezes, incrédula.

     — Seu idiota! Ela deve pesar cerca de 200 quilos!

    Mas Hazan já tinha se desligado do mundo. Sua atenção era um fio de navalha preso entre ele e a besta.

    Ainda não… mais perto… só mais um pouco… agora!

    Num estalo, seu corpo se moveu. Os pés firmes, as mãos envolvendo os chifres da fera numa pegada firme. 

    Ao invés de tentar resistir à carga, abriu espaço entre as pernas, girando o corpo em um arco na diagonal. Com o impulso certo e um urro abafado, Hazan canalizou toda a força da fera contra ela mesma, desequilibrando-a com um giro e jogando-a contra a rocha atrás dele num impacto pesado.

    SCRASH!

    O chão cedeu levemente sob o impacto da criatura. Hazan sentiu as novas botas absorverem parte da força, estabilizando seu corpo no momento certo. Aproveitou a abertura e girou, socando o focinho da fera com força. As luvas amorteceram o impacto, mas o golpe ecoou, terminando de afundar a cabeça da bronthir na rocha.

    — Vai! — gritou ele.

    Aurora deslizou por baixo do corpo da fera e cravou ambas as adagas na parte inferior da pata traseira. A criatura rugiu e saltou de dor.

    — A sua esquerda! — Aurora avisou.

    Ele desviou por instinto, o golpe da cauda da Bronthir cortando o ar como um chicote. Em resposta, socou o estômago da criatura, e Aurora saltou sobre o dorso dela, cravando as lâminas no pescoço.

    Com um rugido final, a fera tombou.

    Hazan respirou fundo, o corpo tremendo pela adrenalina. Aurora limpava as adagas na própria calça, os olhos ainda fixos na criatura morta sem acreditar no que tinha acontecido.

    — Você… como fez isso?

    — Com um par de mãos e muita disposição — respondeu, exibindo o punho cerrado. — Estamos ficando bons nisso! — comentou, ainda ofegante.

    — Está menos desastroso do que da última vez — ela respondeu, arqueando a sobrancelha. — Mas você ainda se arrisca demais.

    Ele sorriu. — É assim que eu fico mais forte.

    Ambos se aproximaram do outro grupo, onde o filhote capturado se contorcia na rede, soltando ruídos agudos entre choros e estalos.

    — O que vamos fazer com ele? — Hazan perguntou, cruzando os braços.

    Darius se aproximou, limpando a lâmina do sangue ainda quente.

    — O sangue dos filhotes de bronthir é extremamente valioso — respondeu com naturalidade. — Ele é usado em poções de fortalecimento físico. Ajuda no refinamento corporal. Mas existe um detalhe… precisa ser colhido quando o filhote está em estado de estresse profundo. Quanto mais ele sofre, mais denso e eficaz o sangue se torna.

    Tannor resmungou um “é cruel, mas funciona”. Mirielle apenas desviou o olhar.

    — Por isso é senso comum entre os caçadores fazer o filhote assistir os pais morrerem — Darius continuou. — Estimula a liberação de um hormônio que torna o sangue mais potente. E como os alquimistas são exigentes…

    Antes que alguém pudesse dizer algo, ele se virou e, com um único golpe, perfurou o crânio do filhote. O corpo ainda se debatia, os olhos arregalados e úmidos.

    Hazan observou a cena em silêncio. 

    Os fortes caçam os fracos. Eu já sabia disso.

    — Trabalho bem feito. — Darius limpou a espada. — Hazan, Aurora… vocês foram melhores do que eu esperava. Boa coordenação.

    — Hm. — Aurora respondeu seca, mas sem negar o elogio.

    — Essa espécie costuma dormir ao entardecer — continuou ele. — Se formos rápidos, dá pra encontrar mais duas famílias antes do pôr do sol.

    Ele se voltou para os corpos.

    — Comecem a tirar o couro. Cada pedaço bem extraído pode valer seu peso em prata.

    Aurora deu um passo à frente, encarando o corpo da Bronthir que haviam matado.

    — Eu cuido desta aqui.

    Hazan a observou por um instante. Ela parecia fria, metódica. Mas ao olhar mais de perto, ele viu a tensão sutil nos ombros. Começou a realizar vários cortes. Então virou-se e se ajoelhou ao lado do corpo, preparando-se para ajudar.

    — Por que você está fazendo esses cortes? — Hazan perguntou, os olhos fixos nos movimentos precisos de Aurora enquanto ela deslizava a lâmina sobre o flanco do Bronthir abatido.

    Aurora não desviou o olhar do trabalho, a lâmina afiada desenhando linhas diagonais na pele espessa da criatura. — Facilita a retirada do couro — respondeu, com a mesma calma de quem esculpe algo rotineiro. — Quanto mais rápido tiramos isso, mais rápido recebemos o pagamento. Eles pagam por tempo e quantidade.

    Hazan ergueu uma sobrancelha, cruzando os braços. — Você parece ter prática com isso.

    — E tenho. — Ela assentiu levemente. — Nem sempre como caçadora, mas já estive em muitas caravanas de extração.

    Ele observou por mais alguns segundos, mas o silêncio que se instalou foi diferente. Não era apenas o barulho dos insetos e do vento nas árvores — era a ausência de algo. Aurora também parou.

    — Não baixe a guarda — sussurrou, estreitando os olhos para a mata. — As coisas ocorreram bem demais. E o trabalho de equipe deles não é brincadeira. Precisamos economizar energia, e o que você fez foi idiota.

    Hazan estava prestes a retrucar, quando um brilho púrpura iluminou o chão sob seus pés.

    Um estalo de energia percorreu o ar, e então um círculo mágico púrpuro se formou, expandindo-se como um trovão silencioso.

    [Conjuração de segundo círculo: restrição!]

    Correntes etéreas, feitas de pura energia púrpura, subiram e prenderam ambos onde estavam. A gravidade pesou, forçando-os a se ajoelharem no chão com as mãos atrás das costas. Hazan tentou avançar, mas sentiu os músculos travarem.

    Aurora levou rapidamente o olhar para o grupo de Darius. Mirielle estava com a mão estendida, emanando sua mana púrpura. Tannor estava ao seu lado, lambendo os lábios secos.

    Ambos sentiram o pescoço formigar. E isso era o suficiente para tirarem uma conclusão.

    Com um sorriso frio, Darius lentamente andou na direção da dupla. — Essa marca… Isso é o Contrato de Algêros. Vocês são escravos? — Levou a mão até a testa, alisando os cabelos para trás. — Isso facilita muita coisa!

    — O que você quer de nós? — Aurora perguntou. — Que eu saiba, não temos nenhuma desavença.

    — A masmorra… aquela maldita masmorra — começou o nobre, uma expressão amarga tomando conta. — Passei semanas me preparando, investi ouro, provisões, reforços… e quando chego lá, o lugar já está fechado. Dois forasteiros de terras distantes resolveram tudo em meu lugar.

    Aurora bufou. — Uma masmorra cheia não consegue absorver corrupção. Isso afeta as plantações, o clima,e consequentemente a economia. Nós aproveitamos o que vocês perderam.

    Tannor resmungou algo, mas foi o silêncio de Mirielle que denunciou o clima. Ver Darius irritado não era comum — e nunca era bom.

    Slap!

    Um tapa ecoou, seco, violento. O rosto de Aurora virou com o impacto, um filete de sangue escorrendo de seu lábio.

    — Você é corajosa demais para uma mera escrava — disse Darius. A voz já não tinha o tom civilizado. — Sinceramente, eu fiquei surpreso com a força do bárbaro ali, mas nada que magia não possa resolver. Mudando de assunto…

    Ele deu alguns passos, e com um ar professoral, começou:

    — O bioma desses campos é único. O equilíbrio entre presas e predadores é delicado. Bronthirs são criaturas pesadas, lentas, mas com carne rica. E onde há carne… há um predador. Um só. Dominante. Tudo aqui responde a ele.

    — N-não… — Aurora gaguejou.

    — O Korgar — concluiu Darius, sorrindo ao ver o impacto do nome.

    Tannor tirou uma pequena bolsa de couro do cinto e a sacudiu.

    — Isso aqui — disse Darius — é algo especial. Chamamos de pó de Vehrsar. Extraído de flores carnívoras do sul. Ele intensifica os odores naturais do corpo… e o sangue do bronthir, presente em vocês agora, será amplificado dez vezes. Sabem quem adora isso?

    — Que se foda… — rosnou Hazan, a voz firme apesar da pressão da conjuração. — Se não soltarem a gente agora… eu acabo com todos vocês aqui mesmo. — Seus olhos queimaram de raiva e confiança. — E vou começar por você. Vou esfregar a sua cara no chão.

    Mirielle deixou escapar um riso abafado, os olhos brilhando de excitação. — Tão tahtoriano… Tão previsivelmente bruto…

    Você? — Darius repetiu, inclinando a cabeça com fingido espanto. — Você? Acabar com a gente?

    Ele se aproximou de Hazan, lento, calculado. Com um gesto súbito, agarrou os cabelos dele e o forçou a encará-lo.

    — Eu não suporto esse seu olhar. Cheio de orgulho, mesmo no chão. — Seus dedos se firmaram. — É nojento.

    Bam! Bam! Bam!

    Cada soco ecoou como se o silêncio da floresta tivesse parado só para escutar. Mas Hazan permaneceu imóvel. Um sorriso improvável surgiu em seu rosto.

    — Se for só isso… — sussurrou, cuspindo no chão. — Posso ficar aqui o dia todo.

    — Pode ser. — Darius inclinou-se, o tom de voz esfriando, com um leve tremor de raiva. — Mas duvido que sua querida companheira aguente o mesmo.

    Sem aviso, ele se virou e agarrou os cabelos de Aurora. Ela tentou se esquivar, mas a magia de restrição a mantinha imóvel. A joelhada foi precisa e cruel.

    THUD.

    Aurora arqueou o corpo, um som de dor escapando entre os dentes, mas manteve o rosto neutro. Se recusava a demonstrar fraqueza na frente daqueles vermes.

    Darius se agachou, segurando seu queixo com força. — Sabe o que eu mais admiro nos polarianos? Essa frieza. Essa capacidade de controlar as próprias emoções mesmo quando sangram. É quase… admirável.

    Aurora então sorriu com desprezo. Lentamente passou a língua pelos dentes manchados de sangue… e cuspiu.

    A saliva rubra bateu no rosto de Darius com um som molhado.

    Tannor e Mirielle se entreolharam. A expressão dela era de puro fascínio. Tannor apenas balançou a cabeça.

    Darius congelou por um instante. Depois respirou fundo, limpando o rosto com o dorso da mão.

    — Que… repugnante.

    Ergueu a mão sem olhar. — Tannor. O pó.

    O subordinado entregou o saco de couro com reverência silenciosa. Darius abriu-o com um gesto quase cerimonial, como se estivesse prestes a realizar um ritual.

    — Vamos ver quanto tempo vocês conseguem manter essa arrogância… quando o cheiro de vocês atrair até os vermes do subsolo.

    Mas no instante em que começou o movimento, um estalo brutal rompeu o círculo.

    Hazan avançou. O som que se seguiu foi seco, como madeira se partindo.

    [Direto de esquerda!]

    Seu punho acertou o nariz de Darius com força absurda. 

    O impacto o lançou para trás em várias cambalhotas, rolando pela grama.

    Mas no processo… o saco se abriu. Todo o pó caiu sobre Hazan.

    Aurora congelou. Mirielle e Tannor também. O chão parecia ter tremido com o golpe. Darius tossia sangue e se levantava com dificuldade, o nariz num ângulo estranho.

    — Se escondam! — ordenou Tannor, puxando Mirielle. — Agora!

    Os três desbravadores se espalharam pela clareira, buscando refúgio.

    Aurora caiu de joelhos, a cabeça girando. Sentia o feitiço quebrado, mas a energia residual ainda pesava nos músculos. Era isso. Hazan quebrou um encantamento de contenção com pura força física. Isso deixaria qualquer um com náusea e fraqueza, mas só ela sentia os efeitos.

    — Que tipo de monstro é você…? — murmurou, tonta.

    Hazan se aproximou, ofereceu a mão para ajudá-la. Ele estava tenso, e esperou que o pior pudesse acontecer por longos segundos. Nada.

    Foi quando um assobio agudo começou a ecoar. Era baixo, mas desconfortável. Parecia o som de uma flauta desafinada. Um borrão colossal emergiu da mata, fazendo o chão tremer.

    Aurora mal teve tempo de reagir. Sentiu o impacto seco da mão de Hazan ao empurrá-la para o lado, com força suficiente para fazê-la rolar por entre folhas e galhos. No instante seguinte, algo descomunal atravessou o campo, atacando Hazan.

    O impacto levou Hazan na direção de uma árvore no começo da floresta, quebrando-a no meio. 

    Ela ergueu os olhos, ofegante — e o viu.

    Um monstro de proporções absurdas, com a forma de um urso, mas muito além de qualquer criatura comum. A pelagem era negra como a noite, manchada por tons ferruginosos que lembravam o brilho de metal forjado em brasa. Cada passo fazia o solo estremecer. Os músculos pulsavam sob a pele espessa, quase rochosa nas extremidades.

    A fera adentrou a mata.

    Os arbustos balançaram por longos segundos. Depois, silêncio.

    O grupo reapareceu.

    Darius cambaleava, bebendo uma poção espessa e avermelhada. Seu nariz se realinhou com sons crocantes. Em segundos, parecia intacto, embora a raiva ainda deformasse sua expressão.

    — Tannor. — A voz dele saiu rouca. — Traga a vadia da Aurora até mim.

    Tannor sorriu, caminhando devagar na direção dela.

    — Posso brincar um pouco primeiro?

    Darius olhou de lado, cuspiu sangue.

    — Faça como quiser.

    Aurora cerrou os punhos, sangue escorrendo do canto da boca, os olhos ainda presos à floresta.

    — Hazan…

    Mas o som da respiração pesada de Tannor logo se sobrepôs.

    O campo se preparava para o verdadeiro pesadelo.

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