Capítulo 56 - Um Trio Monstruoso
— Haha, Edrin! É por isso que minha mulher não gosta de você! — gritou Marcan, correndo em ziguezague para evitar as garras que arrancavam pedaços de terra como se fossem folhas secas. — Seus planos são totalmente malucos!
— O quê!? — Edrin rebateu, mantendo o olhar fixo na criatura. — Duvido que a Srta. Nira fale mal de mim pelas costas!
— Ah, você ainda não conhece a cobra que ela é — Marcan começou, mas o rugido do Korgar o fez calar.
O urso monstruoso avançou, suas patas dianteiras quebrando árvores, cada golpe enviando ondas de choque pelo chão.
— Ei, vocês dois! — gritou Baelor, surgindo do lado, o cabelo negro desgrenhado voando. — Esqueceram o mais importante!
— O quê agora? — Marcan respirava pesado, desviando por pouco de uma pata que cravou o chão ao lado.
— Quem der o último golpe escolhe quem paga a cerveja hoje! — disse Baelor, sorrindo com audácia.
— Então vamos fazer valer a aposta! — Marcan riu, empunhando o martelo com força, aura amarela pulsando. Ele golpeou o chão, levantando um deslizamento calculado de terra. Pequenas paredes de pedra cercaram o Korgar, restringindo parcialmente seus movimentos.
Mas o monstro não era fácil. Com um rugido que sacudiu o ar, cravou as garras no solo e destruiu parte do cerco, lançando terra e detritos sobre o trio. Um golpe quase atingiu Marcan no ombro, que desviou no último instante, rindo nervosamente:
— Quase me engoliu inteiro! — disse, enquanto se recomponha.
Baelor avançou, circulando a fera. Seus círculos mágicos azuis giraram diante de suas mãos, e com um golpe firme, uma torrente de água transformou o chão em lama profunda.
[Conjuração Elementar de Terceiro Círculo: Torrente Alternada!]
O Korgar lutou, cravando as garras no atoleiro e tentando abrir espaço.
Um ataque de garra quase atingiu Baelor, que rolou para o lado, respiração acelerada, lama espirrando no rosto.
— Ainda não acabou! — Marcan gritou, saltando sobre uma raiz, usando-a como alavanca para desferir um golpe no solo, reforçando a armadilha de terra.
O Korgar, percebendo a estratégia, girou, destruindo parte do terreno, quase atingindo Edrin com a cauda.
Com um salto firme, Edrin fez a ponta da lança tocar o chão; no instante seguinte, uma dança de faíscas correu em espiral até explodir em raios, impulsionando seu corpo aos céus.
— Se afastem! — gritou Edrin.
Marcan e Baelor reagiram instintivamente, desviando de ataques letais e ajustando suas posições.
Emissão Elementar de Aura: Trovão!
A lança de Edrin cravou no crânio do Korgar, explodindo uma corrente elétrica que percorreu o corpo musculoso da criatura.
Ela rugiu, tentou resistir, mas a combinação do atoleiro, das paredes de terra e da descarga elétrica potencializada pelo terreno molhado foi demais.
O monstro colossal tombou, tremendo, finalmente derrotado, seu rugido ecoando enquanto o trio se manteve firme.
Marcan se apoiou em uma árvore caída, martelo ainda na mão, os cabelos ruivos caindo sobre o rosto suado.
— Aposto que os pais do Baelor estão preocupados — disse Marcan, balançando a cabeça. — Devem estar se perguntando se o filho único voltou inteiro…
Baelor revirou os olhos, mas não conseguiu segurar um sorriso curto. — Você literalmente vive o meu sonho de vida, com esposa e filha lindas, então nem venha com essa! — Ele balançou a cabeça, jogando a água da lama para o lado com um gesto de desprezo cômico.
Edrin permaneceu em silêncio, a lança ainda erguida, o olhar distante, calculando os arredores. Marcan e Baelor notaram o gesto, perceberam a sombra de solidão no rosto do estrategista, e trocaram um olhar rápido.
— Ei, Edrin — disse Marcan, dando um passo à frente. — Um dia você também vai ter… bem… alguém que te espere em casa. Não os pais, claro, mas… — Ele deu de ombros, tentando aliviar o peso da frase.
Edrin olhou para os dois, ergueu uma sobrancelha e, por um instante, sorriu com humor seco. — Vocês dois são terríveis.
O trio riu baixo, e o silêncio confortável voltou, quebrado apenas pelos passos suaves do vento nos Campos Bestiais.
— Queria que pudéssemos aproveitar o festival sem pensar em missões, lutas ou qualquer loucura — disse Marcan, observando o horizonte da floresta. — Um dia só para beber, rir, dançar e aproveitar o evento.
— Concordo — Baelor respondeu, ajeitando os punhos. — Mas sabemos que não vai ser tão simples. Sempre tem ordens a cumprir. — Ele suspirou, mas um leve sorriso surgiu. — Pelo menos sabemos que estamos juntos.
— Juntos — repetiu Edrin, curto, mas firme.
Marcan soltou o martelo com um estalo de dedos, ajeitando a postura. — Ainda bem que não precisamos enfrentar outro Korgar agora. Só de pensar, minhas costas doem!
— Ou outro louco como aquele Vanitas — Baelor acrescentou, franzindo a testa. — A gente ainda precisa digerir que ele nos atacou e depois curou como se fosse normal.
— E ainda falou algo sobre estar arrependido — Marcan resmungou.
— Ronan nos deu a missão de observar Hazan e Aurora — disse Edrin, cruzando os braços. — E isso não muda. Precisamos manter tudo em segredo, principalmente agora, com Beatrice planejando seu grande discurso para o fim do festival.
— Hazan… Eu sabia, o destino nunca falha! Vou enfrentá-lo como um verdadeiro guerreiro e jogar cerveja sobre seu corpo tombado! — Marcan anunciou, exibindo os músculos.
— Não sabemos se vamos lutar com o garoto, Marcan — Edrin respondeu. — Mas, já que a questão da cerveja voltou… eu escolho você para pagar a rodada hoje.
— O quê? — Marcan exclamou, surpreso, recuando um passo. — Isso é injusto!
Edrin sorriu com ar sério, mas havia diversão nos olhos. — Você começou pesando o clima primeiro.
O quarto estava mergulhado na luz agradável do amanhecer.
Hazan estava sentado na beirada da cama, os cotovelos apoiados nas coxas, a cabeça ligeiramente inclinada para frente. Sua respiração era calma, serena, mas o olhar, esse queimava com intensidade.
À sua frente, o sistema projetava janelas cintilantes em sequência, derramando notificações em cascata. Sons metálicos, claros e implacáveis, anunciavam a conclusão da missão da Arconte.
A cada notificação, o sorriso em seu rosto se alargava. Não era um sorriso arrogante, nem um riso de alívio. Era orgulho puro.
Finalmente ultrapassei essa barreira, e de quebra, descobri a identidade daquela maldita arconte… As coisas vão ser diferentes agora.
Ele rolava os olhos sobre as notificações, impassível. Até que uma linha em especial surgiu, mais reluzente que as outras.
Piscou, e por um instante o ar pareceu vibrar no quarto. Sua expressão mudou. O sorriso se transformou em um riso baixo, rouco, cheio de satisfação.
— Isso aqui é totalmente a minha cara…
Seus dias não foram tão diferentes do habitual.
Mergulhava no poder da rotina: treinava até o corpo latejar, ajudava Aspen a aperfeiçoar seus movimentos e, quando não estava suando, dividia-se entre pequenos afazeres no orfanato.
Na parte da tarde, ajudava Lumélia com o seu pedido especial, algo que deixava sua mente e corpo exaustos. Apesar disso, a oportunidade abriu caminhos otimistas para o futuro.
A noite, trabalhava na pousada, e quando era a hora de descansar, sua mente ia direto para a maldita missão. Sequer havia dormido nesses seis dias que se passaram.
No orfanato, adorava adotar tarefas que pudessem ocupar a mente. Carregar água, cuidar do quintal, arrumar pisos de madeira quebrados, cuidar de vazamentos, ou ajudar até brincar com as crianças, considerava tudo um tipo de treino.
Em paralelo, sua curiosidade crescia. Aprendeu mais da geografia local com Aspen, mas sempre que o assunto mudava para magia, o elfo se retraía.
Foi então que tomou uma decisão inesperada: pediria ajuda para Aurora. Não era a mais paciente das criaturas, mas se alguém podia trazer respostas claras, seria ela.
Naquela manhã ensolarada, o quintal do orfanato havia se transformado em uma espécie de sala improvisada.
Aurora estava em pé ao lado de um quadro negro, apoiado em cavaletes que pareciam prestes a desmoronar. Segurava o giz entre os dedos da mesma forma que empunharia uma arma.
Hazan, sentado em um banco de madeira, tamborilava o lápis contra o caderno, o que já a fazia bufar de irritação antes mesmo da primeira frase.
Mais à frente, Rashid e Zara mal piscavam, com o queixo apoiado nas mãos.
Lunna observava em silêncio, de braços cruzados, mas havia um brilho atento em seus olhos verdes. Ao fundo, sob a sombra de uma árvore, Aspen treinava alguns golpes no saco de pancadas, mas mantinha uma orelha sempre voltada para a aula.
Aurora pigarreou, de forma seca, e iniciou:
— Pois bem. Hoje vou falar sobre a mana e seus caminhos terrenos. — Deu uma pausa e acrescentou, com sarcasmo frio: — Se tiverem dúvidas, vão até uma biblioteca. Eu não estou sendo paga para isso.
— Sim, senhora! — respondeu os gêmeos de pele morena, prestando continência militar.
Aurora ergueu uma sobrancelha diante do entusiasmo deles, mas não comentou. Encostou a ponta do giz no quadro e começou a escrever.
— A mana… — começou, em tom cadenciado — é uma força viva da natureza. Ela respira, circula e se espalha. É chamada de “Sopro da Criação” porque permeia tudo, das pedras mais inertes às estrelas acima de nós.
Aurora desenhou um círculo com o giz. Dentro dele, escreveu a palavra “Mana”.
— Aqueles que manipulam a mana são os chamados magos. — Sua voz era calma, quase didática. — A magia não responde a instintos, mas a raciocínio. Para uma conjuração existir e dar certo, é necessário prática, intenção e método.
Lunna ergueu a mão, animada com a ideia de participar da aula.
— Então… eu sempre ouvi dizer que os magos são melhores que os pujantes porquê eles são mais inteligentes! Isso é verdade?
Aurora parou. Seus olhos se estreitaram, não em desdém, mas em reflexão.
— Não é uma questão de inteligência. — Ela fez um traço dividindo o assunto anterior e iniciando um novo. — É uma questão de propósito. Magos são versáteis. Contribuem para a construção de muralhas, para a preservação de colheitas, para o fluxo da água nas cidades. Eles se entrelaçam em cada aspecto da vida cotidiana, sustentando civilizações inteiras.
Aurora traçou um círculo maior e, dentro dele, escreveu “Propósito”.
De um lado, desenhou muralhas, campos e rios, ligando-os à palavra “Magos – construção, sustento, civilização”. E então, continuou:
— Os pujantes, por outro lado, têm um papel mais direto. São a espada e o escudo. Representam o esforço físico, a superação de limites, o vigor que protege fronteiras e garante que os magos possam construir em paz.
Do outro lado, riscou uma espada e um escudo, escrevendo “Pujantes – proteção, esforço, vigor”, conectando os dois lados com uma seta dupla.
Ela apoiou o giz no quadro e encarou seus estudantes, permitindo que eles refletissem.
— É por isso que existe ta-tanto debate… — disse Aspen, sentado no chão enquanto aproveitava sua pausa. — M-muitos consideram os magos mais úteis p-porque são práticos no dia a dia… Outros argumentam que, s-sem pujantes, não haveria muralhas erguidas nem cidades para proteger. Mas, no fundo, ambos sustentam o mesmo mundo!
— Uau, nosso irmão é tão esperto! — elogiou Rashid, erguendo o polegar.
Aurora assentiu positivamente, como quem concordava com o comentário.
— Continuando, há quatro caminhos para um mago. — Aurora limpou o quadro e riscou novos símbolos, cada um com traços distintos. — Conjuradores criam fenômenos e elementos; Encantadores gravam mana em objetos; Permutadores transformam a matéria; e Abjuradores dissipam, protegem e curam.
Ela deu alguns passos pelo gramado, o giz estalando em sua mão.
— Todo mago precisa criar um núcleo para abrigar seus círculos. — Ela desenhou dois símbolos diferentes, um ao lado do outro. — Cognatos, aqueles cujo o núcleo são criados na mente. E os spiratos, onde o núcleo se forma no espírito.
Lunna ergueu a mão novamente.
— E qual deles você é? — Sua voz trazia uma curiosidade genuína.
Aurora inclinou a cabeça, mas não respondeu. Franziu levemente as sobrancelhas e um espaço se abriu entre os lábios, quando…
— Com licença… — a voz suave quebrou o clima da aula.
Todos os olhares se voltaram para a entrada do quintal.
Extra
Anotações de Aurora antes do quadro ser tragicamente apagado:

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