Índice de Capítulo

    Tochas de chamas rosadas lançavam reflexos sobre as paredes estreitas de madeira. 

    Na cadeira, repousava uma figura de aparência inusitada: usava um sobretudo coberto de penas negras, e uma máscara moldada como o rosto de um corvo.

    Ambos os cotovelos estavam apoiados na mesa circular de madeira, cujo um livro escuro repousava no canto.

    O queixo estava apoiado na mão em um gesto genuíno de tédio.

    E pensar que o Conselho teria a audácia de me enviar para um lugar tão pífio… Ariasken não passa de um ponto esquecido no mapa. Não se envolve nas Nebulosas, não pesa em política. Só mais uma pedra irrelevante em meio a tantas outras.

    Baixou a testa contra a mesa e deixou escapar um suspiro dramático.

    Clientes relevantes? O cão de caça dos Erienval… a marquesa dos Ignis… nada que valha uma linha de nota. Se ao menos eu estivesse em Sohen, assistiria Kaylor Valur dilacerar rivais no Torneio das Lâminas Ascendentes.

    Ajeitou as costas na cadeira e retirou um relógio de bolso prateado. Segundos deslizaram pelos ponteiros, cada um mais lento que o anterior.

    Transformar fofoca em profissão é quase uma arte, mas o preço é cruel: quando não há fofocas interessantes, resta o vazio. Unitas, tenha piedade! Faça alguma coisa acontecer. Qualquer coisa!

    O desejo parecia um sussurro lançado no escuro, até que passos ressoaram pela escadaria. 

    A figura, de imediato, se recompôs. A coluna reta, o manto ajustado. A máscara projetava agora imponência.

    Aurora parou no último degrau da escadaria, os olhos cianos atentos como sempre.

    — E pensar que lhe encontraria nessas circunstâncias, após tanto tempo… Como vai, velha amiga? — A voz trouxe um sussurro aveludado, tingido de escárnio.

    Aurora avançou dois passos, seus olhos gélidos encontrando a máscara. 

    — … Corvo. Preciso de informações sobre esta cidade.

    Ele gesticulou com a mão aberta, num movimento lento e dramático. — O Céu Negro tem olhos, ouvidos e boca em todos os lugares. Vendemos segredos. Basta oferecer o preço correto.

    Aurora uma bolsa de moedas em cima da mesa. 

    Ele pendeu o corpo para trás na cadeira, cruzando os braços. 

    — Aqui deve ter umas cem moedas… Você pode até esbanjar agora? Isso é diferente daquela época. Você parece… civilizada. Bem diferente de quando tentou cortar minha língua da última vez.

    Não houve qualquer alteração na expressão da polariana. Sua voz soou baixa, mas com um toque de ameaça. — Basta. Passado é passado.

    Com um assobio desapontado, o informante balançou a cabeça.

    — O que há com essa frieza, velha amiga? Nós compartilhamos uma Glaciônave roubada, atravessamos um mar congelado durante meses, e o mais engraçado? Só fui descobrir quem você era quando retornei para a sede principal…

    A polariana deu um passo brusco para frente, os olhos faiscando na penumbra.

    — Cuidado com suas palavras.

    O Corvo endireitou-se na cadeira, a postura relaxada desaparecendo. Sua voz baixou para um tom perigosamente grave, sussurrado como se contasse um segredo íntimo. 

    — Aurora Polaris! Ou eu deveria chamá-la de Princesa?

    Antes que a última palavra terminasse de vibrar no ar, um brilho azulado cruzou o espaço entre eles. 

    Uma adaga de arremesso deslizou pela máscara, cravando-se na parede ao lado do informante.

     — … Pelo visto, eu estava enganado. Você permanece a mesma bárbara sanguinária de sempre. Me atacar é uma ofensa direta a minha organização. Você pode lidar com as consequências?

    Aurora não desviou o olhar. Bateu ambas as mãos na mesa, encarando-o com intensidade.

    — Acha que o Conselho iria gostar de saber que um de seus coletores está bisbilhotando seus clientes? 

    O Corvo pegou a adaga da parede e se inclinou sobre a mesa, a máscara a poucos centímetros da luz das tochas, a voz sussurrando em um tom sombrio.

    — Eu te mato aqui, e problema resolvido.

    — Então tenta.

    Após um momento de tensão palpável, o Corvo explodiu numa gargalhada rouca. 

    — É brincadeira, é brincadeira! Me diga o que quer saber, cara cliente. Por favor, sente-se!

    Aurora bufou, sentando-se com os braços cruzados.

    — Dois meses atrás, concluí uma masmorra cuja classificação de corrupção aumentou de Véu para Névoa de repente. Por quê?

    — Entendo… — O informante estendeu a mão para o lado e puxou um livro encadernado em couro negro e sem adornos. O livro, que parecia absorver a pouca luz, foi aberto no centro da mesa. — Por gentileza, observe.

    Ele traçou a capa com a ponta do dedo enluvado.

    No instante seguinte, o interior das páginas tornou-se um mapa tridimensional e fantasmagórico de Ariasken.

    Símbolos arcanos pulsavam nas margens, e uma nuvem densa e esverdeada estava lentamente se formando acima da cidade.

    Enquanto o Corvo passava o dedo sobre o mapa, consultando as marcações, manchas verdes de corrupção brilhavam de forma mais intensa nos subúrbios, traçando linhas finas em direção ao céu.

    Aurora inclinou-se sobre a mesa, os olhos se estreitando ao ver a anomalia. — Essa quantidade imensa de concentração… Se continuar assim, o quão difícil será a próxima masmorra?

    O Corvo fechou o livro com um estalo seco, dissipando o mapa. Ele apoiou os cotovelos na mesa, as mãos cruzadas sobre a capa preta. 

    — Isso não é um fenômeno natural, Aurora. — Sua voz ficou mais baixa, confidencial. — Algo ou alguém está conscientemente aumentando os níveis de corrupção na região. Emoções como ódio e medo são as que mais contribuem para formar nuvens de corrupção.

    — E por que fariam isso? — O tom de Aurora voltou a ser de comando, com uma ponta de irritação. — Se uma masmorra muito poderosa surgir, ela-

    — Pode não ser limpa a tempo — ele interrompeu. — E uma Praga Corrupta se espalhará.

    — Você sabe quem fez isso.

    — Não sei… talvez? — Ele respondeu, inclinando a cabeça de lado com um sarcasmo evidente na postura.

    Ela bateu a mão na mesa. — Eu paguei cem moedas! Pessoas vão morrer!

    — E esse valor cobre apenas a confirmação do fenômeno, não a identidade “dos responsáveis”.


    O que eu faço…? Eu realmente estou aqui! O que eu faço agora!?

    À sua frente, o oponente era maior e mais forte. Olaf, de cabelos ruivos e um sorriso insolente. 

    Antes de morrer, seu pai era um lenhador respeitado em Ariasken, e o ruivo tinha herdado o trabalho.

    Aspen engoliu em seco.

    Ele está empunhando um machado… isso é perigoso!

    Murmúrios das conversas da plateia reverberaram por todo o espaço.

    Várias lutas se desenrolaram desde a entrada de Tiber, mas ninguém havia esquecido a brutalidade fria de um jovem agonizando com o braço retorcido.

    Aquele estilo de luta, selvagem e desumano, era o oposto do que se esperava em uma competição entre jovens.

    É claro, armas eram permitidas e qualquer ataque fatal seria pessoalmente impedido por Hadrian, um Pujante Experiente de quatro estrelas.

    E caso alguém se ferisse, a Guilda Pena Azul, em parceria com a Igreja de Unitas, disponibilizava tratamento imediato.

    A cena ainda estava assustadoramente nítida na cabeça de Aspen. 

    E se Olaf fizesse isso com ele? E se a força daquele lenhador o humilhasse, o quebrasse, na frente de todos?

    Ele buscou a seção da plateia onde sua família estava, viu o sorriso orgulhoso e a torcida apaixonada. 

    Eles acreditavam nele.

    Por que…? Esse aperto sufocante no peito é medo? Não pode ser. É apenas minha primeira luta! Eu não posso falhar. Não posso manchar a honra deles…

    BAM!

    O pensamento foi cortado por um punho áspero contra seu nariz.

    O som de sua queda silenciou a multidão.

    — Aí, cara, eu estava sendo educado, mas você realmente estava delirando no meio da nossa luta? — A voz de Olaf era um rosnado alto, cheio de desdém. Ele bateu o punho contra a mão aberta, impaciente. — Levanta e me mostra algo interessante, seu magrelo!

    O sangue escorreu pelo nariz, manchando os lábios. 

    Mesmo com o rosto latejando, limpou o sangue e se ergueu, cambaleando um pouco.

    Olaf sorriu, colocou seu machado no chão e o chamou com o indicador.

    O gesto era deliberadamente zombeteiro. 

    Ao seu redor, as fileiras da plateia, especialmente onde estavam as jovens, suspiraram e começaram a cochichar, os olhares fixos no lutador ruivo. 

    Claramente, muitas haviam vindo apenas para ver o filho do lenhador em ação.

    — Qual é, vem pra cima, Aspenzinho! Ainda não acordou para a sua surra? Não me faça perder mais tempo!

    Apesar das provocações, o elfo se manteve calmo. A mente começava a trabalhar.

    Olaf… eu já ouvi falar dele. Seu pai era um lenhador incrivelmente forte. E ele mesmo… é um galã babaca, sempre cercado de garotas. Que inveja! Não, tenha foco!

    Forçou a mente a se concentrar, bloqueando todos os ruídos. Protegeu o queixo com os punhos cerrados e arqueou a coluna levemente, pronto para absorver e desviar o impacto. Avançou em passadas lentas e cautelosas.

    Ele tem um alcance muito maior que o meu. Não posso trocar golpes de igual para igual. Preciso entender seu padrão de ataque, o ritmo da sua força, antes de sequer pensar em contra-atacar.

    Olaf interpretou a aproximação como um sinal e rugiu, avançando com um soco lateral.

    Aspen balançou a cabeça no último instante, sentindo o ar deslocado pelo punho roçar sua orelha. 

    Pêndulo!

    Olaf tentou de novo, um gancho. E mais uma vez, o meio-elfo deslizou para trás, evitando o golpe por um fio de cabelo.

    Pêndulo! Passo em L!

    Isso se repetiu várias vezes: ataques brutais e rápidos de Olaf, e evasões frias e metódicas de Aspen. 

    O ruivo bufava, ficando cada vez mais irritado com a falta de impacto. 

    A plateia, que antes estava apenas curiosa, agora estava totalmente focada.

    Quando o último soco pesado do ruivo passou zunindo, Aspen estava em uma posição perfeita.

    Seu corpo estava inclinado, idealmente posicionado para um contra-ataque certeiro no flanco desprotegido do lenhador.

    Olaf arregalou os olhos, a confiança vacilando ao pressentir o perigo de sua própria abertura.

    Mas, contrariando toda a expectativa do público e do próprio Olaf, Aspen apenas recuou.

    Esse cara… ele podia ter me acertado bem no flanco. O pensamento cruzou a mente de Olaf com um calafrio momentâneo. Será que ele…?

    Um sorriso largo e presunçoso surgiu em seus lábios.

    Ele tá com medo! É claro, faz sentido, eu sou o oponente! Ele nem deve ter percebido a oportunidade que perdeu!

    Ainda ofegante pela série de golpes desperdiçados, o lenhador diminuiu a distância, buscando agarrar a cabeça do meio-elfo encerrar a luta.

    Mesmo com seu avanço sendo evitado mais uma vez pela esquiva evasiva elfo ligeiro, ele não perdeu o seu ímpeto.

    — Uma hora você vai cansar, seu magrelo! — anunciou, a voz esbanjando confiança.

    O próximo passo veio marcado por uma fraqueza repentina. Havia sentido um leve e quase insignificante impacto no queixo. 

    Então por que a sensação de tontura momentânea e falta de vigor?

    Apesar da confusão, continuou avançando.

    A cada novo golpe que errava, seu queixo era tocado, de raspão, por um jab rápido de Aspen. 

    Foi então que sua perna cedeu.

    A visão  escureceu nas bordas, a confusão se instalando nos ossos.

    O quê? Esses soquinhos fracos me deixaram tonto…?

    Ele, que sentia-se sempre cheio de vigor, o lenhador da família! Ele, que tinha recebido a proposta da Irmandade do Punho pela sua afinidade elevada com a aura!

    — Eu não admito! — rugiu Olaf, avançando ferozmente.

    Com um vigor impressionante, atingiu o estômago do elfo em cheio. O jovem rolou pelo chão.

    Ele pressionou a mão contra o abdômen, buscando se recuperar, mas Olaf já havia o alcançado.

    Agarrou o cabelo claro de Aspen e usou o punho para golpear seu rosto repetidamente. 

    Me recuso a perder pra esse magrelo patético!

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