Capítulo 17: Amarra Prateada (2)
As <Grandes Terras>, a terra prometida.1
Os Adaptadores que haviam vivido por algum tempo naquele lugar sabiam o que a ‘Terra Prometida’ significava. O território não prometia chances, mas prometia uma coisa.
Estava relacionado à morte.
“…você só pode vir aqui quando morrer.”
Jaehwan percebeu por que não conseguiu se mover para as <Grandes Terras> e, em vez disso, veio para o <Caos>. Se ele tivesse seu corpo, teria conseguido ir para as <Grandes Terras>. Mas Jaehwan escapou da torre depois de completar o tutorial apenas com seu espírito. Foi por isso que a Árvore das Imagens o categorizou como um ‘homem morto’ e o enviou para cá.
Este era o lugar onde todos os espíritos que murcharam nas <Grandes Terras> se reuniam.
Esse lugar era o <Caos>.
Jaehwan olhou para as pessoas nuas que tinham sido enviadas em forma de espírito. Elas saíam das raízes, mas eram enviadas para o tronco. A maioria eram homens, mas algumas eram mulheres. Contudo, todos tinham expressões de desespero. Alguns nem sequer percebiam que estavam mortos.
“Então, essa é a ‘última chance’ dada pelas malditas <Grandes Terras>.”
Mino falou enquanto observava o campo de convocação.
“Se você morrer aqui, acabou. O espírito será enviado como nutriente para a Árvore. Não há mais chances.”
Jaehwan pensou nos membros da Raposa Vermelha que haviam se dispersado.
“Então, as pessoas aqui ainda têm uma ‘chance’?”
“Sim.”
“Existe um jeito de encontrar um corpo?”
“A chance é muito pequena, mas se você sobreviver aqui…”
Parecia brutal. Mesmo depois da morte, você ainda precisava encontrar um jeito de ‘sobreviver’. Mino olhou amargamente para as pessoas.
‘Por isso ela tem inveja de mim.’
Ela também havia chegado aqui após a própria morte. Era uma lembrança que ninguém queria pensar. A pergunta de Jaehwan, “Como você veio para o <Caos>?”, significava que ele estava perguntando: “Como você morreu?”
A runa desapareceu e soldados apareceram pela ponte, vindo da entrada da fortaleza.
“Droga, tem muitos dessa vez também. Vamos ao trabalho!”
Um homem barbudo em uniforme gritou, e os soldados começaram a ajudar os feridos.
“Ei! Se recompõem! Vocês morreram porque são inúteis!”
Os recém-chegados foram escoltados para dentro da fortaleza pelos soldados. Parecia que era função deles cuidar dos mortos.
“Ei, coloquem isso e vão se alinhar.”
Dezenas de pessoas se alinharam em frente ao escritório. Em um pequeno palco diante do escritório estava o homem barbudo. Ele olhou ao redor e falou:
“Vocês provavelmente já sabem onde estão. Podem pensar que isso não é verdade, mas é. Vocês estão ‘REALMENTE’ mortos. A maioria provavelmente morreu na primeira batalha das <Grandes Terras>. Suas cabeças foram esmagadas ou seus intestinos explodidos como insetos.”
As expressões de todos ficaram sombrias. O que ele disse era verdade. A maioria das pessoas ali havia morrido assim que entrou nas <Grandes Terras>.
“Alguém aqui sabe por que morreu?”
Ninguém respondeu enquanto o homem barbudo permanecia em silêncio. Ele tirou um cigarro da roupa e acendeu. Dava tempo para que encontrassem uma razão. Permitindo-lhes chegar a uma conclusão.
Algumas das mulheres tremiam de frio, pois os trapos que as cobriam não eram suficientes. O homem barbudo jogou o cigarro no chão e o pisou. Então, um dos homens perguntou com voz trêmula:
“Foi… porque éramos fracos?”
Parecia que ele estava sendo esmagado por dentro só ao dizer aquilo. O homem barbudo riu com desprezo.
“Sim, mas para ser mais preciso…”
Ele atraiu a atenção de todos.
“Vocês morreram como insetos porque não se esforçaram o suficiente.”
As pessoas começaram a murmurar entre si. Discordavam. Todos ali tinham se esforçado bastante. A Torre dos Pesadelos não era fácil de limpar se não se tentasse de verdade. Alguns até lançaram olhares para o homem barbudo.
“Parece que não concordam. Pensem bem. Vocês tentaram de verdade? Até o ‘último’ suspiro?”
Ele enfatizou a palavra ‘último’ de propósito.
“Vocês já morreram uma vez, agora vão entender. Vocês, depois de serem mortos com os intestinos abertos, cabeça decepada, estuprados e deixados para morrer, vão entender. Vocês vão saber o que eu quero dizer com ‘último suspiro’.”
As pessoas gemeram e choraram; as memórias das mortes ainda estavam frescas. Não conseguiam olhar para o homem barbudo. Ele estava certo afinal. Depois de morrerem, agora percebiam que nunca tinham tentado o suficiente a ponto de quase morrer.
“Mas vocês têm sorte. Vão receber outra chance. Uma chance para tentar mais.”
Alguns olharam para ele.
“Vocês precisam saber de uma coisa apenas. Se morrerem aqui, vão ‘realmente’ morrer.”
Essas eram palavras aterrorizantes para quem já havia morrido uma vez.
“Então o que vocês têm que fazer aqui é apenas uma coisa. Sobreviver. Continuar sobrevivendo.”
Sobreviver.
“Viver, trabalhar em suas habilidades. Se fortalecer. Esperar por uma chance.”
Esperar e crescer em poder.
“É quando o milagre virá. Garanto que aqueles que se esforçarem terão uma chance de sair da Árvore das Imagens. Tentem com afinco vingar seus inimigos. Façam o que for necessário para devolver o que sofreram. Isso é tudo que posso dizer.”
As pessoas que ouviram ficaram sem palavras. Algumas até tremeram.
O discurso terminou. Os soldados ao redor aplaudiram mecanicamente. Depois, começaram a guiar os recém-chegados para o escritório.
“Homens, por aqui. Mulheres, por ali. Vamos.”
Os soldados se aproximaram do homem barbudo enquanto ele descia do palco.
“Foi um ótimo discurso!”
“Que discurso incrível, Tenente!”
O homem barbudo pegou água de um soldado e murmurou:
“…Não.”
Ele estava desinteressado. Provavelmente já havia repetido aquele discurso centenas de vezes. As palavras soavam ótimas, mas ele sabia que eram todas mentiras.
Ninguém ali seria capaz de deixar a Árvore das Imagens. Como todos faziam nas <Grandes Terras>, a maioria morreria na sua ‘Primeira Caçada’, e os que sobrevivessem continuariam mal sobrevivendo.
Como ele mesmo.
Então alguém disse:
“James, esse foi um discurso e tanto. Achei que você só fazia isso quando convidava garotas para sair.”
James semicerrava os olhos. Um homem e uma mulher se aproximavam do portão. A mulher era uma beleza, vestia um robe preto e tinha cabelos vermelhos brilhantes. Era impossível que ele não lembrasse de uma garota tão bonita.
“Já me esqueceu? Vamos, James.”
Algo piscou em sua mente e as feições da mulher mudaram. Cabelos longos e negros, olhos brilhantes. Pele pálida quase branca. James se animou.
“…Uau! Quem temos aqui? Não é a Mino da Floresta Negra?”
Mino franziu a testa e rapidamente mudou as feições novamente.
“Não diga isso em voz alta!”
Jaehwan olhou para James e Mino. Parecia que os dois se conheciam.
“Então, você agora é Tenente Capitão?”
“É, por isso fiz aquele discurso.”
James examinou o corpo de Mino de cima a baixo, como se estivesse fazendo uma checagem na entrada.
“Esperei tempo demais para seu discurso acabar. Seria ótimo se vocês nos deixassem passar logo.”
James sorriu.
“O que traz vocês até a entrada Norte? Normalmente não usam o outro lado?”
“Só aconteceu de eu vir por aqui hoje.”
Mino não parecia querer entrar em detalhes e respondeu rapidamente:
“Eu não preciso ‘me identificar’, né? Você conhece meu rosto.”
Jaehwan olhou para Mino. Ela suspirou e sorriu, enviando um Sussuro2:
“Você também não sabe o que é ‘Identificar’, né?”
Jaehwan assentiu e Mino mandou outro Sussuro:
“Todos que entram na fortaleza devem se identificar. Normalmente você abre os Detalhes do Usuário para provar quem é… sabe como fazer isso, né?”
Jaehwan não sabia, pois não usava o Sistema de Interface desde que saiu da Torre dos Pesadelos. Não podia usar nenhuma habilidade relacionada.
Nesse momento, o Tenente James falou:
“Mino.”
“Hmm?”
“Desculpe, mas as coisas mudaram.”
“…O quê? Como assim?”
“Nossas políticas mudaram. Agora precisamos de certificação de todos que entram na fortaleza.”
“Certificação?”
Mino parecia confusa.
“Você quer dizer a certificação antiga que o [Grande Irmão] costumava distribuir?”
“É.”
“Por quê? Não tinha acabado quando permitiram usar o Sistema de Interface dentro da Árvore das Imagens?”
“Ouvi dizer que o sistema está com problemas e não funciona direito.”
Mino lembrou que sua habilidade de identificar falhou. Achava que estava quebrada, mas parecia que estava ligada a isso.
“De qualquer forma, há muitos casos em que a janela de Status do Usuário está corrompida. Por isso, todas as fortalezas no <Caos> agora exigem ‘Certificação’ para identificação.”
“Por que agora…?”
Era irritante. Mino reclamou e olhou para Jaehwan.
“Ei, você tem certificação?”
Jaehwan não respondeu.
“…Imagino que não.”
Então algo veio à mente dela. Muitas vezes o homem cometia erros grosseiros, como perguntar sobre seu passado e assuntos proibidos.
Mino sorriu de modo provocador.
“James.”
“Hmm?”
“Esqueci minha certificação, mas isso não serve? Afinal, não somos estranhos.”
Mino sorriu e entregou a James um envelope com pó branco. James olhou e respondeu:
“Boa medicina. Quantos chifres foi isso?”
“Bihorn.”
“Você deve estar tendo boas caçadas ultimamente.”
James sorriu ao aceitar o envelope e guardá-lo satisfeito no bolso. Depois se virou para Jaehwan e perguntou:
“Ele é seu amigo?”
“Não o conheço.”
Mino passou por James sorrindo de forma provocativa.
“Ah, ele disse que perdeu a memória… ou algo assim.”
Jaehwan ficou parado em silêncio e James falou:
“Então preciso da sua certificação.”
“Não tenho.”
“Hã? Então não pode entrar.”
“Você realmente precisa disso?”
James e os outros soldados ficaram atônitos.
“Claro.”
“Porque não posso provar que sou eu?”
“Isso.”
“Mas eu posso provar para mim mesmo que sou eu. Por que você precisa de mais alguma coisa?”
“Haha, está tentando me enrolar?”
Os soldados começaram a se aproximar, segurando as armas. Mino sorriu observando da entrada do muro.
“Por que você não me pede ajuda agora? Se quiser, eu posso ajudar.”
Mesmo que Jaehwan fosse poderoso, ele era apenas um indivíduo que precisava seguir as regras deste mundo. Este mundo tinha regras.
‘Talvez eu tenha exagerado.’
Mesmo sem Certificação, seria fácil para ela convencer um ou dois soldados. Mas algo estranho aconteceu. A energia dentro de Jaehwan mudou. Seu pé esquerdo recuou e ele baixou os ombros. Foi uma mudança sutil que só Mino percebeu, e se ele fosse pegar a espada…
‘Espera!’
Mino rapidamente usou o Sussuro.
“Espera! Não faça isso!”
Ela soava desesperada.
“Eu sei que você é forte, mas vai se tornar um criminoso se matar eles!”
Jaehwan não parecia querer ceder, e Mino mordeu o lábio.
“Você não pode lutar contra a fortaleza inteira! Sabe o que isso significa?”
Porém, isso não mudou a postura de Jaehwan. Os soldados tolos não sabiam, mas Mino estremeceu com a poderosa presença que se reunia dentro dele. Ela teve até a ilusão de Jaehwan matando todos ali e entrando despreocupadamente.
A devastação de ontem voltou para ela. O golpe terrível que incendiou a floresta inteira.
Mino percebeu que havia cometido um erro.
Esse homem não era apenas forte. Ele também não estava preso a nenhuma lei.
Ela sabia então que ele puxaria a espada. Mataria todos os soldados e, se necessário, lutaria contra a fortaleza inteira. A questão de ‘se ele poderia vencer ou não’ não parecia importar para ele.
Mino ficou pálida.
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