Existe um mundo que você jamais alcançará apenas tentando.
    — Meikal Garnad


    No <Caos>, havia postos avançados que permitiam aos Adaptadores descansarem enquanto caçavam. O mais famoso entre eles era o conjunto conhecido como Quatro Fortalezas dos Três Palácios. As quatro fortalezas tinham entradas consideravelmente mais fáceis e permitiam assentamentos que muitos Adaptadores amavam de visitar. A Fortaleza Gorgon era uma dessas quatro.

    “Eu devia ter simplesmente lutado com ele.”

    Jaehwan pensava em Karlton recitando a lei para ele.

    Jaehwan não confiava em ninguém que falasse de leis. Mesmo em sua torre, havia muitos que trabalhavam com assuntos relacionados a lei.

    Todos os humanos dentro da torre são iguais.

    A princípio, eles criaram leis para proteger os fracos. Parecia razoável criar leis, já que a torre estava completamente separada do mundo exterior. Fizeram muitas leis, e algumas até pareciam proteger os fracos.

    Mas era uma mentira.

    As leis se tornaram algo que apenas aqueles que as criaram conseguiam entender, e as pessoas passaram a ser vítimas de leis que nem sequer conheciam. Eram obrigadas a pagar impostos pesados e a caçar em áreas controladas, sob o pretexto de ‘proteção’. Também só podiam adquirir habilidades e armas fracas.

    As leis que operavam considerando todos os humanos como iguais haviam sucumbido às habilidades, status, itens e níveis.

    As leis eram fracas contra os fortes, cruéis contra os fracos e se tornaram complicadas para continuarem funcionando. Quando a torre chegou ao seu limite por causa da sociedade que as leis haviam criado, os próprios criadores dessas leis desapareceram no passado. Foram abandonadas.

    Jaehwan criou uma única lei após o 85º andar:

    Todos os ‘humanos’ vivem o hoje.

    Essa era a lei que ele seguia desde então.

    ‘De qualquer forma, este lugar é complicado demais.’

    Jaehwan franziu a testa. Ele também carregava um fardo. Mino ainda parecia atordoada. No entanto, ela seguia Jaehwan enquanto ele caminhava. Era incômodo levá-la consigo, mas ele não se sentia bem em deixá-la sozinha, já que ela foi o primeiro ‘humano’ que ele conheceu. Jaehwan decidiu andar um pouco até que Mino voltasse a si.

    Ele passou por mercadores vendendo diversas ervas, equipamentos e alimentos.

    “Faz tempo que não vejo o mestre do castelo…”

    “Ouvi dizer que ele está doente.”

    “Hmm…”

    Depois de muito andar por entre os mercadores, Jaehwan percebeu que havia se perdido. Agora estava num beco atrás do bazar. No fundo do beco, pessoas com aparência de marginais inalavam o mesmo ‘remédio’ que Mino tomava.

    ‘Onde diabos eu estou?’

    Jaehwan ativou [Suspeita] e [Compreensão]. Era para captar qualquer informação ao seu redor. No entanto, ele encontrou um problema. Era sua primeira vez num lugar tão lotado. Foi bombardeado por informações e sentiu uma forte dor de cabeça. Foi então que obteve uma informação importante.

    “Ei, já era hora de você acordar.”

    Mino lentamente voltou a si.

    “…por que eu estou aqui?”

    “Não pergunta. Só me guia. Tô com dor de cabeça.”

    Mino olhou ao redor e então guiou Jaehwan.

    “Vamos por ali primeiro.”

    Ao saírem do beco, chegaram a uma grande estrada com menos pessoas. Jaehwan sentiu a dor de cabeça desaparecer.

    “Ótimo. Pode ir agora.”

    “…Você não acha isso rude?”

    Ela agora lembrava de tudo o que havia acontecido. O rosto de Mino corou.

    “Você é um estorvo.”

    Mino gritou: “Eu só queria te provocar!”

    Mino então sentiu cada fio de cabelo se arrepiar quando Jaehwan a encarou.

    “…Desculpa.”

    Era demais para uma simples provocação. Afinal, Jaehwan havia salvado sua vida. O incidente que tinham acabado de passar talvez nem tivesse ocorrido se Mino não tivesse tentado provocá-lo.

    “…Sério, me desculpa.”

    Mino olhou para Jaehwan, mas ele não respondeu. Ela esperou por uma resposta, mas percebeu que Jaehwan nunca respondia. Ela nem sabia quem ele era.

    A única coisa que sabia é que ele era um humano.

    Ele era do tipo que fazia perguntas, não que respondia. Perguntou se ela voltaria ao passado, e também por que ele precisaria de um Certificado para provar quem era. Fazia perguntas que ela nunca havia cogitado.

    Isso era tudo o que Mino sabia sobre Jaehwan.

    “Onde você vai agora?”

    “Isso não te interessa.”

    “…Mas me diz mesmo assim.”

    Mino parecia magoada com a recusa tão fria.

    “Preciso encontrar algo.”

    “O quê? Talvez eu possa ajudar.”

    Jaehwan pausou por um instante e respondeu:

    “[Pesadelo].”

    Era um nome que Mino não ouvia há muito tempo. As existências chamadas de [Criadores] nas <Grandes Terras>. O início de todo pesadelo.

    “O que você vai fazer quando encontrá-los?”

    Jaehwan não respondeu.

    “Vingar-se deles?”

    Mino achava que Jaehwan talvez fizesse isso mesmo.

    “Você não entenderia mesmo se eu explicasse.”

    Mino abriu a boca para responder, mas a fechou. Imaginou que perguntar mais poderia irritar Jaehwan, e provavelmente ela não entenderia mesmo se ouvisse a explicação.

    “…É difícil encontrá-los, mesmo nas <Grandes Terras>. Eles nunca ficam num lugar só.”

    “Então, eles não estão aqui?”

    “Pode ser que tenha um se você procurar por <Caos>. Eles estão entre os poucos que conseguem entrar na Árvore da Imaginação sem morrer.”

    Era uma informação interessante, mas fazia sentido. A Torre dos Pesadelos era parte da Árvore. Mas havia um Demônio no 100º andar. Jaehwan tinha certeza de que esses [Cultivadores] ou [Criadores] sabiam como acessar a árvore sem morrer.

    “Uh… Não posso garantir nada.”

    Mino falou após hesitar por um longo tempo.

    “Eu conheço um lugar onde pode haver um [Pesadelo].”

    “Onde fica?”

    “Tem um ferreiro. Um criado por um [Pesadelo].”

    Jaehwan olhou para sua Espada do Dragão Gélido. Ele precisava passar por um ferreiro mesmo.

    “Oh.”

    Mino assentiu. Andar com uma espada tão valiosa sem bainha chamava atenção demais.

    “Quer que eu mostre o caminho então?”

    Jaehwan assentiu enquanto segurava sua espada.

    “Sim, mas só depois que eu acabar com aqueles que estão nos seguindo há um tempo.”

    Jaehwan se virou. Na esquina, estavam os marginais que inalavam remédio no beco. O homem que parecia ser o líder deu um passo à frente.

    “Chefe! É ele!”

    “Haha! Te pegamos agora. Entregue essa espada para…”

    Enquanto sacavam suas armas, Jaehwan os perfurou com sua espada.

    A cabeça do líder virou pó branco e se desfez.

    Logo depois, dez marginais desapareceram em pó branco e se dispersaram.

    ‘Acho que havia um que estava escondido e não era marginal…’

    Um os observava do alto de uma estrutura. Jaehwan o percebeu quando usou [Suspeita]. Também o nocauteou enquanto lidava com os outros. Não o matou porque não representava ameaça.

    Mino falou, espantada.

    “É realmente incrível toda vez que eu vejo. Como você consegue fazer tudo só com estocada?”

    “É a única habilidade que tenho.”

    “…Você está brincando.”

    “Não.”

    “Mas não existem vários tipos de estocada?”

    “Sim. Estocada leve, estocada comum, estocada forte.”

    “…Qual você acabou de usar?”

    “Estocada leve.”

    Os marginais eram fortes, considerando que eram apenas vagabundos de rua. A maioria era Não Adaptador, mas alguns pareciam ser do 1º estágio. No entanto, todos morreram com uma ‘estocada leve’. Mino lembrou de quando Jaehwan exterminou o Clã da Raposa Vermelha e perguntou:

    “Você usou só ‘estocada leve’ até agora?”

    “Não, usei ‘estocada comum’ uma vez.”

    Mino pensou que tinha sido quando ele eliminou o Clã da Raposa Vermelha, mas não foi.

    ‘Matei aquele lobo de cinco chifres com ‘estocada comum.’

    Jaehwan também se lembrou de que ainda tinha o chifre daquele lobo de cinco chifres. Foi o inimigo mais forte que enfrentou desde que chegou ao <Caos>. O lobo não morreu nem após múltiplas ‘estocadas leves’. Mas foi morto com um único golpe de ‘estocada comum’.

    “…Bem, eu já vi alguém que usava só uma habilidade, igual a você.”

    “Igual a mim?”

    “Sim. Mas ele usava ‘corte’.”

    Um Adaptador que só usava corte. Jaehwan ficou interessado e ia perguntar, mas foi interrompido por um som metálico distante de marteladas.

    Fazia tempo que ele não ouvia um som assim. Jaehwan lembrou de seu amigo Jay e da oficina de ferreiro dele.

    Jaehwan adorava ouvir o som do martelo na oficina de Jay enquanto mergulhava na água sagrada do Templo. Não era música, mas era um som que o acalmava e lhe trazia paz.

    Mesmo após o desaparecimento de Jay, a lembrança daquele som ficou na mente de Jaehwan.

    Talvez tenha sido por causa daquele som que ele conseguiu continuar e, eventualmente, romper o 100º andar.

    “Aquele é o maior ferreiro de Gorgon.”

    <Queda do Crepúsculo>

    Esse era o nome do lugar.

    O povo das <Grandes Terras> já havia discutido sobre isso.

    “Quem são os melhores artesãos das Grandes Terras?”

    Após longa discussão, os melhores artesãos foram unanimemente considerados os [Pesadelos]. Se os Lordes eram os seres mais poderosos das <Grandes Terras>, os [Pesadelos] eram os melhores artesãos dentro delas. Quinhentos [Pesadelos] eram chamados de [Grandes Artesãos], e treze deles eram chamados de [Mestres Artesãos], os mais talentosos [Criadores] das <Grandes Terras>.

    <Queda do Crepúsculo> era uma forja criada pelo mais alto dos [Grandes Artesãos], ‘Ignell da Queda Profunda’.

    Jaehwan olhou ao redor e assentiu com satisfação. Era uma forja de qualidade muito superior à de Atopos. O interior era grande e todas as ferramentas eram de primeira linha. Dezenas de artesãos trabalhavam em diversos projetos e a fornalha ao centro irradiava um calor intenso.

    “Então, um [Pesadelo] criou este lugar?”

    “Sim.”

    “Então talvez esteja aqui.”

    “Talvez.”

    Um dos aprendizes, encarregado de atender os clientes, veio recebê-los. Era um rapaz jovem, saudável.

    “Bem-vindos–”

    “Você é um [Pesadelo]?”

    O Aprendiz franziu a testa com a pergunta. [Pesadelo] significava uma única pessoa. Mino rapidamente interveio:

    “Desculpa, ele não entende muito dessas coisas.”

    “Ah, entendi.”

    Mino sorriu educadamente, e o aprendiz aceitou a desculpa.

    […Ele é humano, de qualquer forma que se olhe.]

    Jaehwan não respondeu.

    “O que os traz aqui?”

    “Vim encontrar o [Pesadelo].”

    “…Quer dizer o Mestre Ferreiro.”

    O aprendiz pareceu incomodado.

    “Ele não está no local agora.”

    “Onde ele foi?”

    “Bem… ele gosta de visitar vários lugares. Você veio fazer um pedido a ele?”

    Jaehwan pensou.

    “Pode ser uma boa ideia.”

    “Se me permite perguntar, o que pretende pedir a ele…”

    “Bainha.”

    “…”

    O aprendiz olhou para a espada sem bainha de Jaehwan e balançou a cabeça.

    “Mesmo que ele estivesse aqui, não aceitaria seu pedido.”

    “Por quê?”

    O aprendiz olhou para Jaehwan e zombou.

    ‘Então ele realmente não entende nada.’

    Ele continuou:

    “A especialidade dele não é fazer armas. Talvez você não saiba, mas os [Pesadelos] são especialistas em criar ‘outras’ coisas.”

    Jaehwan quis perguntar que coisas eram essas, mas percebeu que já sabia a resposta.

    Era porque ele passou 30 anos lidando com essas “outras coisas” que eles normalmente criavam.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (1 votos)

    Nota