Índice de Capítulo

    Uma dor agonizante percorreu seu corpo, como se todo o seu corpo estivesse desmoronando.

    Vera abriu os olhos.

    “Ah…”

    Sua voz tremia, seca e fraca.

    Ele sentiu uma dor de cabeça lancinante e estalos nos ouvidos. As gotas de água pingando em sua pele só aumentavam seu desconforto, e a cada respiração vinha uma dor aguda no peito que rasgava seu estômago.

    Um corpo no pior estado possível e uma sensação insuportável.

    O que diabos aconteceu?

    Vera pensou por um momento, então virou a cabeça para examinar os arredores.

    “Isso é…”

    Escuridão.

    A água vazava por uma pilha de tábuas bem organizadas, parecendo uma casa improvisada que mal oferecia proteção contra a chuva e o vento.

    No interior havia algumas camadas de roupas esfarrapadas e algumas tigelas de latão enferrujadas.

    Havia insetos rastejando nas paredes enquanto a lama continuava escorrendo do telhado.

    Eles pareciam ser a causa do ar sufocante e do barulho de rangido.

    Vera deu uma olhada rápida e imediatamente soube onde ficava esse lugar.

    …Ele conhecia muito bem aquele lugar.

    ‘As favelas.’

    O lugar onde ele abriu os olhos pela primeira vez foi a favela onde nasceu e foi criado, conhecida como “Câncer Imperial”.

    Uma pergunta surgiu na mente de Vera enquanto ele olhava ao redor.

    Por que estou aqui?

    Vera pensou na situação antes de perder a consciência.

    Tenho certeza…

    ‘Eu deveria estar morrendo por causa da maldição.’

    Era uma maldição causada pelos muitos pecados que ele havia cometido ao longo dos anos.

    Três anos após o Rei Demônio ser subjugado, os Heróis que apagaram as longas e profundas cicatrizes da guerra buscaram limpar o interior do continente.

    Ele tentou desesperadamente evitá-lo, mas no final, foi amaldiçoado enquanto estava à beira da morte.

    No entanto, estranhamente, ele não sentiu a aura amaldiçoada que estava devorando seu corpo implacavelmente.

    A única coisa que ele conseguia sentir era a dor das cicatrizes da batalha anterior.

    Vera tentou se lembrar por que ele estava deitado ali, e por que ele tinha desmaiado na entrada das favelas, mas não conseguiu pensar em nenhuma explicação lógica. Como resultado, ele imediatamente sacudiu esses pensamentos e fechou os olhos.

    Não importava se ele foi salvo por um bom samaritano ou por alguém que o perseguia, porque não havia mais nada que ele pudesse fazer, então não havia razão para pensar mais nisso.

    O lugar estava em péssimas condições, mas ainda assim havia sinais de vida por toda parte.

    Ele não teria que pensar muito nisso porque logo conheceria a pessoa que morava ali.

    Quando Vera terminou de avaliar a situação, ele fechou os olhos e esperou. A porta do barraco abriu com um ‘clique’.

    Vera abriu os olhos e olhou para a porta assim que ouviu o barulho.

    Quem entrou?

    ‘…Uma mulher?’

    Era uma mulher com um rosto horrível, coberta por um manto esfarrapado e com cicatrizes de queimaduras em cada centímetro de sua pele exposta.

    Os cabelos brancos que apareciam por baixo do capuz do manto estavam manchados de sujeira, e seus pés estavam encharcados em água lamacenta, como se ela não tivesse sapatos.

    Parecia que ela não conseguia enxergar. Ele podia perceber através dos olhos azuis dela que tinham perdido a luz, e o jeito como ela andava torta enquanto se apoiava na parede.

    Quem é ela?

    Vera refletiu por um tempo, escutando o som metálico que ele ouvia sempre que ela se movia.

    ‘Um som metálico.’

    Era o som de objetos metálicos roçando uns nos outros.

    ‘Adagas… uma assassina? Moedas? Ou são joias?’

    Vera começou a listar as coisas que imediatamente lhe vieram à mente, mas só percebeu a identidade do som depois que se sentou no chão.

    Havia um colar cor de platina visível na nuca queimada da mulher.

    ‘É uma joia?’

    Os olhos de Vera se estreitaram.

    Era um acessório precioso que uma pessoa que morava em uma casa tão decadente não podia pagar.

    Diante disso, Vera suspeitou que a mulher pudesse ter se vendido em troca do colar.

    Era uma razão muito plausível. Entre aqueles que queriam sua vida, havia muitas pessoas que tinham condições de pagar por um colar tão precioso.

    Enquanto a olhava ansiosamente, Vera respirou fundo enquanto abaixava a cabeça e observava o formato do colar.

    Isso porque o colar, revelado totalmente, era algo que até Vera conhecia bem.

    O que estava pendurado no pescoço da mulher era na verdade…

    ‘Rosário do Reino Sagrado.’

    Um rosário de cor platina que só pode ser possuído por aqueles com o status mais alto no Reino Sagrado. Era isso que era.

    ‘Uma falsificação… não.’

    Por causa de todo o conhecimento que ele adquiriu ao longo dos anos, ele foi capaz de distingui-lo imediatamente.

    ‘É o verdadeiro negócio.’

    Era porque o valor do rosário de platina não podia ser avaliado. Só por negociar esse rosário, você seria perseguido por todo o Reino Sagrado.

    O pensamento que me veio à mente foi que a mulher era uma personagem importante do Reino Sagrado.

    Enquanto ele continuava pensando, uma figura passou pela mente de Vera.

    ‘Cabelo branco. Cega. Um rosário cor de platina.’

    Não era porque não houvesse pessoas com características semelhantes, mas Vera não podia ignorar o raciocínio que lhe veio à cabeça. Então, ele olhou para ela com uma expressão tensa, lambendo suavemente os lábios.

    “…Santa.”

    Uma voz embargada saiu.

    — Assustada.

    O corpo da mulher tremeu ao ouvir a voz de Vera.

    Quando o seu corpo inteiro tremeu, ele soube que estava certo com base nas pontas dos dedos dela se contraindo.

    Vera notou que a Santa parecia mais tensa do que antes. A Santa virou a cabeça em direção a Vera e falou.

    “Você está acordado?”

    Uma voz tranquila. Esse foi o primeiro pensamento de Vera ao ouvir a voz da Santa.

    Depois de dizer essas palavras, a Santa olhou para Vera e tentou formar uma expressão enquanto seus músculos faciais se contraíam.

    As cicatrizes de queimaduras estavam estranhamente distorcidas devido ao movimento dos músculos, mas Vera conseguia sentir que a expressão era para ser um sorriso.

    Foi por causa da atmosfera dela.

    O tom calmo que ele podia ouvir, e os olhos azuis que olhavam diretamente em sua direção, embora estivessem nublados por estarem fora de foco. Além disso, havia músculos faciais que pareciam estar tentando se levantar de alguma forma.

    Tudo isso, por algum motivo, pareceu um sorriso para Vera.

    Vera olhou para o rosto horrivelmente derretido revelado através das lágrimas de seu manto esfarrapado e pensou em uma pergunta.

    “…Ouvi dizer que você faleceu.”

    A Santa morreu na batalha final com o Rei Demônio. Vera sabia disso porque a notícia se espalhou como fogo.

    Mas por que ela, que deveria estar morta, estava aqui?

    A Santa sorriu e respondeu brincando à pergunta duvidosa de Vera.

    “Se for a Santa, é verdade que ela está morta.”

    “E você?”

    “Sou uma mendiga das favelas.”

    Era uma palavra distorcida, mas Vera entendeu seu significado.

    “…O funeral que ocorreu no Reino Sagrado foi falso.”

    “Você não pode dizer que é falso. Seja qual for o caso, é verdade que a Santa do Reino Sagrado está morta.”

    A Santa se atrapalhou com o braço e acariciou o peito de Vera enquanto dizia isso.

    No instante seguinte, Vera soltou um gemido. Foi porque a mão da Santa passou pela costela ferida por uma arma contundente.

    “Ahhhh…!”

    “Dói muito?”

    Vera cerrou os dentes e olhou feio para a Santa.

    “…”

    Não mostre sua fraqueza tão precipitadamente.

    Vera continuou em silêncio depois de ter esse pensamento. Foi então que a Santa inclinou a cabeça para ele e acariciou o corpo de Vera mais uma vez.

    “Os primeiros socorros foram concluídos, mas… Ainda assim, você terá que ficar aqui por um tempo. Pode ser desconfortável, mas, por favor, seja paciente.”

    Uma voz cheia de preocupação. Com isso, Vera ficou vigilante.

    “Qual é a intenção dela?”

    Não parecia que ela estava atrás dele.

    Enquanto olhava para a Santa, muitas perguntas lhe vinham à mente, então ele se esforçou para respondê-las.

    Por que a Santa está viva? Por que você está aqui desse jeito? Como você me encontrou? E você sabe minha verdadeira identidade?

    Enquanto inúmeras perguntas surgiam, Vera olhou para a Santa, decidindo que ele tinha que resolvê-las uma por uma.

    “A maldição foi quebrada pela Santa?”

    “Tive a sorte de fazer o suficiente.”

    Foi uma afirmação vaga.

    “Suficiente?”

    “Eu tive o cuidado do Senhor.”

    Rugas se formaram sobre seu rosto derretido. Vera reconheceu como um rosto sorridente.

    Vera olhou para aquele sorriso e pensou mais profundamente quando ouviu a palavra “suficiente”.

    Era porque Vera sabia algo sobre as habilidades da Santa.

    Embora a maldição sobre ele fosse extrema, se fosse a habilidade da Santa, ela deveria ter conseguido desfazer a maldição sem se cansar.

    Dito isto, não havia razão para incluir a palavra “suficiente”.

    Vera permaneceu em silêncio e olhou para a Santa. Depois de contemplar por um tempo, ele finalmente entendeu o significado das palavras da Santa.

    “…Seus poderes foram roubados.”

    “Dizer que foi roubado é errado. Nunca foi meu para começar,” a Santa disse com um sorriso calmo.

    “Eu apenas devolvi o que me foi emprestado.”

    “Você desistiu sozinha?”

    “Agora que não há mais razão para tê-lo, é natural devolvê-lo.”

    Vera ouviu a resposta e não conseguiu deixar de rir.

    Foi porque ele sentiu que algumas de suas perguntas haviam sido respondidas.

    “Ela deve ter fingido sua morte por vontade própria.”

    Não havia a questão de ‘Por quê?’

    Era porque se você conhecesse a Santa, você poderia facilmente perceber isso olhando para seu rosto pacífico.

    “Você devia estar cansada da guerra.”

    No momento em que o Rei Demônio desapareceu, se a Santa estivesse em sua posição original, os países do continente teriam travado outra guerra pela Santa.

    Por que não? As habilidades da Santa valeram a pena.

    A Santa deve ter desejado evitar aquela situação, e sua solução foi apagar sua existência.

    Enquanto ele continuava seus pensamentos, a Santa abriu a boca.

    O tom estava um pouco abafado.

    “…Você sabe muito.”

    “Então, você vai me matar?”

    Vera perguntou e olhou para a Santa.

    Seu corpo estava na pior condição possível. Mesmo que a Santa o estrangulasse agora, ele não teria conseguido resistir.

    …Para ser honesto, ele não se arrependeu nem mesmo se morresse aqui. Era verdade que ele viveu uma vida merecedora da morte, e esperava um fim tão miserável.

    Vera fechou os olhos enquanto imaginava a Santa tentando alcançar seu pescoço.

    Naquele momento.

    A Santa abriu a boca.

    “Não há razão para matar.”

    Vera franziu a testa com as palavras que ouviu e abriu os olhos. A Santa tinha uma expressão calma no final do olhar.

    “Por que?”

    “Por que você acha que eu vou te matar?”

    “Não seria um problema ter alguém que soubesse quem você realmente é?”

    “Eu só quero que você fique de boca fechada.”

    “E se eu for espalhar a notícia?”

    “Seria lamentável.”

    Uma resposta que fluiu como água. Vera estudou sua expressão novamente, esperando entender as intenções da Santa, mas não conseguiu ler nenhum sinal em seu rosto, que estava completamente marcado pelas queimaduras.

    O silêncio continuou, e quando Vera não respondeu depois de um longo tempo, a Santa respirou fundo e continuou.

    “Acalme-se por enquanto. Você está doente.”

    “Se você soubesse quem eu sou, ainda estaria disposto a me tratar?”

    “Eu deveria saber?”

    “Coisas assim também acontecem. Você já pensou que a pessoa que a Santa curou pode ser um assassino que corta pessoas em pedaços?”

    “Então seria muito lamentável, mas não tenho coragem de fechar os olhos para os doentes. Tudo o que posso fazer é rezar para que você não seja um assassino.”

    Ao ouvir isso, Vera viu a Santa encostada na parede do barraco, e ele começou a rir.

    A Santa tirou o rosário do peito, agarrou-o com força e fechou os olhos.

    A cena diante de Vera parecia uma oração.

    Um comentário sarcástico escapou de seus lábios e, sem motivo aparente, uma dor lancinante em seu estômago se seguiu.

    “Santa, você certamente é fiel.”

    “…Renee.”

    “O que?”

    “Eu não sou a Santa, eu sou Renee.”

    Ser tão agradável o tempo todo e, ainda assim, ela responderia de forma surpreendente quando se tratava do seu nome.

    Vera fechou os olhos, pensando que a Santa era de fato uma pessoa estranha.

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