Capítulo 2.2 – Sombras nas Fazendas
O vento cortante das montanhas Gallan fustigava o manto escarlate de Hiroshi enquanto ele observava o vale lá embaixo se perder na névoa fria da manhã. Três silhuetas o acompanhavam em silêncio, cavalgando entre as pedras e os pinheiros secos que estalavam com a passagem dos cascos.
Darian ia à frente, como sempre. Carregava o espadão preso às costas, e mesmo montado, sua postura era ereta como a de um general em marcha. A cada curva da trilha, seus olhos varriam o horizonte com desconfiança.
Atrás dele, a jovem maga Seraphine murmurava algo em idioma antigo, fazendo um fio de vento brincar com seus cabelos dourados. Ela não parecia incomodada com o frio. A brisa parecia segui-la como uma extensão de sua alma.
Roland fechava a retaguarda, silencioso, seu arco já pronto e uma flecha semi-encordoada descansando entre os dedos calejados. Ele pouco falava, mas sua presença era como uma sentinela. Nenhum movimento passava despercebido por seus olhos aguçados.
– Uma missão de três dias entre pedras, vento e ossos – murmurou Hiroshi, puxando o manto contra o pescoço. – Espero que valha a pena.
– Grifos não são conhecidos por mudarem de ninho com frequência – respondeu Seraphine, lançando um olhar ao céu pálido. – Se não estão mais aqui, algo os expulsou.
– E seja o que for – acrescentou Darian, virando-se brevemente – alguns deles foram para as plantações na vila de Vellen em frente à capital.
Ao final do primeiro dia, chegaram ao sopé da trilha que levava até a entrada da caverna. As montanhas Gallan se erguiam como muralhas negras sob a luz do entardecer. O antigo abrigo dos grifos estava adormecido, a boca da caverna aberta como o crânio de uma besta morta há muito tempo.
Montaram acampamento nas encostas, cercados por silêncio absoluto.
Durante a noite, Hiroshi não dormiu. Algo naquele lugar o inquietava. Não era só a ausência dos grifos — era o cheiro. Um leve odor metálico no ar, como sangue velho misturado à terra úmida. Quando Roland voltou de uma patrulha ao redor da caverna, carregava algo estranho nas mãos: uma ponta de lança quebrada, com entalhes que não pertenciam ao exército de Imperion.
– Isso estava enterrado a menos de um palmo do chão – disse o arqueiro, entregando a Hiroshi.
O velho duque passou os dedos pelo metal sujo.
– Isso não foi obra de um monstro…
Roland assentiu lentamente.
– Homens estiveram aqui, e não faz muito tempo.
Hiroshi se manteve em silêncio. A fogueira estalava entre eles, lançando sombras longas pelas pedras. Seraphine olhava para a entrada da caverna com olhos semicerrados, como se pressentisse algo que ainda não podia nomear.
Na manhã seguinte, entraram.
E foi lá dentro, entre os ossos dos grifos e as marcas de batalha nas paredes de pedra, que Hiroshi começou a perceber que aquela missão não era apenas sobre monstros.
Era o prelúdio de uma guerra.
A escuridão dentro da caverna era espessa como breu. Somente as esferas de luz conjuradas por Seraphine iluminavam o caminho, lançando reflexos pálidos sobre as paredes úmidas e escavadas. O cheiro de ferrugem era mais forte ali, misturado ao mofo ancestral das pedras.
Darian ia na frente, empunhando sua lâmina larga como um escudo de aço vivo. Cada passo seu ecoava fundo, como se a própria montanha escutasse. Roland cobria a retaguarda, flecha preparada. Seraphine caminhava ao lado de Hiroshi, murmurando encantamentos de alerta em voz baixa.
– Estão vendo isso? – sussurrou ela, apontando para o chão.
Havia marcas. Pegadas humanas. Muitas. Algumas recentes. Outras já cobertas por poeira e detritos.
– Eles vieram preparados – murmurou Hiroshi, agachando-se para examinar uma delas. – Calçados militares. Mas não do nosso exército as solas são de um formato diferente.
Mais adiante, encontraram os corpos. Não humanos. Quatro grifos jaziam em uma clareira cavernosa, os corpos mutilados, as asas cortadas. Dois pareciam ter morrido lutando, os outros abatidos enquanto dormiam.
– Isso foi uma execução – disse Darian, analisando as marcas de corte. – Precisa de mais de um homem para derrubar um grifo, mesmo adormecido.
Seraphine se ajoelhou ao lado de um dos cadáveres e tocou a pelagem suja.
– Foram espadas. Não garras, nem presas. Espadas humanas.
– Isso confirma – Hiroshi se levantou, o olhar sombrio. – Não era uma missão de caça. Era uma limpeza.
Roland se adiantou um pouco, sumindo por um corredor lateral. Minutos depois, chamou em voz baixa:
– Aqui.
O grupo correu até ele e encontrou uma pequena abertura que levava a uma sala natural oculta, com estalactites pendendo do teto como presas de pedra. Lá dentro, entre entulhos, lanças quebradas e restos de armaduras, algo brilhou na luz azulada de Seraphine.
Era uma mão.
Decepada no punho, ela jazia sobre uma rocha coberta de musgo. E ainda usava um anel de ouro escuro, marcado com um brasão estrangeiro — três lanças cruzadas sobre um sol negro.
Hiroshi se aproximou e, por um instante, o tempo pareceu parar.
– Não reconheço este símbolo – disse ele. – Mas não é de nenhuma casa de Imperion.
– Nem do norte, nem do leste – murmurou Roland.
– Já vi muitos brasões. Esse… não pertence a nenhuma casa registrada.
– É um invasor – concluiu Hiroshi, encarando o símbolo por mais tempo do que gostaria. – Isso é uma declaração silenciosa. Eles estão testando nossas fronteiras. E eliminaram os grifos… para apagar as inconveniência.
Darian fechou os punhos.
– E nós quase fomos mandados para morrer aqui, achando que era uma fera.
Seraphine guardou o anel em um pequeno saquinho de couro.
– Isso precisa ser entregue ao rei. E mantido em segredo, pelo menos por enquanto.
Hiroshi concordou lentamente. A verdade ainda era tênue demais. Mas agora, ele sabia: a guerra já havia começado e Imperion ainda dormia.
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