Índice de Capítulo


    “Patético!” gritou Lâmina Brilhante. “Isso não mataria nem um pombo!”

    Arran gemeu de cansaço, depois passou a formar outro Golpe Flamejante com o fragmento de Essência de Fogo que ainda restava em seu corpo.

    Conforme ele lutava com o feitiço, uma massa de Essência de Vento foi disparada da mão da Lâmina Brilhante e atingiu o Escudo de Vento que a Snow Cloud formou rapidamente para se proteger. Mas a defesa feita às pressas fez com que o ataque fosse enfraquecido, e Snow Cloud foi jogada no chão.

    “Não é bom o bastante! O meu próximo ataque vai ser mais forte!” Com um sorriso no rosto, Lâmina Brilhante se virou de volta para Arran. “Está querendo esperar a minha morte? Ataque já!”

    Arran deixou escapar outro gemido forte e atirou mais um Golpe Flamejante em sua professora.

    Foi ligeiramente melhor do que a última tentativa, pensou ele. Embora não fosse capaz de matar um pombo, ele tinha plena confiança que poderia pelo menos ferir um.

    Três meses se passaram depois que eles chegaram à propriedade do Patriarca e, nesses meses, o tempo de Arran foi dividido entre o estudo do selo do Mestre Zhao e a prática de magia com a tutela da Lâmina Brilhante.

    Sua evolução no selo era tão rápida quanto irritante. Quanto mais ele entendia o selo, mais claro se tornava o quão difícil era rompê-lo.

    Mesmo antes das demonstrações do Patriarca, ele imaginou que poucos meses de estudos intensivos seriam o suficiente para realizar a tarefa. Mas agora, ele viu que levaria pelo menos mais um ano. Foi um pequeno consolo descobrir que o processo ajudou muito na sua  compreensão dos selos em geral.

    Seus estudos mágicos, entretanto, foram ainda mais irritantes. Mesmo com o conhecimento praticamente perfeito do que ele estava tentando fazer, ele rapidamente descobriu que não possuía a habilidade e o controle necessários para realizá-lo efetivamente.

    Depois de três meses de estudo árduo, ele conseguia formar um Golpe Flamejante que atacava com a força de um bebê irritado. E, embora Snow Cloud tenha dito que isso era o suficiente para classificá-lo como um novato – ainda que por pouco -, não adiantava muito em combate.

    Quando a sessão de treinamento do dia terminou, Arran e Snow Cloud deixaram o campo de treinamento e retornaram para suas pequenas cabanas na propriedade do Patriarca. Como sempre, Arran iria passar a noite estudando o selo, enquanto a Snow Cloud seguiria com seus estudos de alquimia.

    Quando caminhavam pelos luxuosos jardins da propriedade, Snow Cloud deu a Arran um olhar estudioso. “Você está melhorando”, disse ela.

    “Não está parecendo”, respondeu Arran. “Já se passaram meses e eu só consigo usar o Golpe Flamejante.”

    Ela o olhou com descrença. “Você avançou mais em meses do que a maioria dos magos em anos, ou mesmo décadas.”

    “Acho que você tem razão”, admitiu Arran. “Mas me parece muito lento. Com a ajuda do Patriarca, eu deveria ter progredido mais rápido.”

    Snow Cloud deu apenas uma olhada para ele, depois suspirou. “Seu progresso será mais rápido se você não consumir toda aquela carne de dragão”.

    Ela estava certa, é claro. Arran passou os últimos meses se alimentando de uma dieta constante de carne de dragão e pouco mais, absorvendo vários Cristais de Essência como forma de compensar o efeito negativo que a Essência Natural teve em sua afinidade mágica.

    Os Cristais de Essência ajudaram, mas, mesmo assim, a quantidade de Essência Natural que ele consumiu desacelerou o seu progresso na magia. E embora Arran acreditasse que a força que ela proporcionava valia a pena, Snow Cloud claramente discordava.

    Arran estava prestes a defender mais uma vez a sua escolha quando viu um servo se aproximar deles. Vestido com um simples manto branco, o homem se parecia mais com um sacerdote do que com um mago, embora Arran não tivesse dúvidas de que teria pelo menos a força de um adepto.

    “Jovem mestre Lâmina Fantasma”, disse o servo com um pequeno aceno de cabeça. “O Patriarca requisitou sua presença.”

    “O Patriarca? Agora?” Arran franziu a testa de surpresa.

    O Patriarca deixou o palácio duas semanas depois dos eventos, mas eles raramente tinham visto o homem nos meses seguintes. Das poucas informações que passavam pelas paredes da propriedade, toda a sua atenção se concentrava em lidar com os traidores e colocar o Vale em ordem novamente.

    “Imediatamente”, confirmou o servo de veste branca. Acreditando, obviamente, que não havia necessidade de mais nenhuma informação, ele se virou e saiu correndo.

    “Vejo você hoje à noite”, disse Arran rapidamente a Snow Cloud depois de correr atrás do servo.

    O terreno era vasto, mas a mansão do Patriarca não era muito longe do campo de treinamento, e não levou muito tempo para que chegassem ao grande edifício. Construído com madeira em um estilo simples, mas elegante, ele parecia mais a casa de verão de um nobre de baixo escalão do que a mansão de um mago poderoso.

    O servo rapidamente guiou Arran para dentro, e os guardas os deixaram passar sem dizer nada.

    Eles atravessaram uma série de corredores até chegarem a uma sala grande e simples, com uma mesa redonda de madeira, diversas cadeiras e pouco mais. O Patriarca estava sentado diante da mesa, com uma xícara de chá e com uma tigela de sopa à sua frente.

    “Senhor Patriarca, eu trouxe para o senhor o jovem mestre Lâmina Fantasma”, disse o servo e saiu imediatamente.

    “Sente-se”, disse o Patriarca a Arran. “Eu espero que você me dê licença ao comer enquanto conversamos – depois de várias décadas sem comer, eu tenho muito a fazer.”

    Arran se sentou e olhou para o Patriarca. O homem já não parecia tão magro como no palácio, mas sua aparência ainda continuava magra a ponto de emaciar. E com seus cabelos brancos e rosto enrugado, ele aparentava ser assustadoramente frágil aos olhos de Arran.

    “Não é tão ruim como parece”, disse o Patriarca com uma risada. “Mais alguns meses e eu vou estar mais forte do que nunca.” Ele fez uma pausa para comer um pouco de sopa, depois continuou: “Agora, temos assuntos para discutir – assuntos que envolvam suas memórias”.

    Arran imediatamente se arrepiou. Ele sabia que esse momento iria chegar há muito tempo, mas o temia mesmo assim. Em suas memórias estão enterrados segredos que ele não queria compartilhar com ninguém, nem mesmo com um aliado.

    “Não precisa ficar tão preocupado”, disse o Patriarca, mantendo uma expressão agradável. “Eu vi as suas memórias e não tenho necessidade de questioná-lo. Eu o chamei aqui hoje a fim de responder às suas perguntas, não às minhas. Agora, o que você deseja saber?”

    Isso não era o que Arran esperava, e ele se viu sem palavras, procurando se lembrar desesperadamente das muitas coisas que queria saber.

    Finalmente, ele perguntou: “Como você entrou em minha consciência e assumiu o controle do meu corpo?”

    “Quando eu criei a formação a fim de me proteger, coloquei uma parte de minha consciência dentro dela”, explicou o Patriarca. “Depois que você entrou na formação, jovem e fraco, ter entrado em sua mente foi muito simples. Mas não tem motivo algum para se preocupar com outro fazendo a mesma coisa – separar parte da consciência de uma pessoa não é uma tarefa simples e tem… consequências desagradáveis.”

    Uma expressão desagradável surgiu em seu rosto ao falar essas últimas palavras, e Arran compreendeu que esse era um assunto que não seria discutido com prazer. Em vez da tentativa de ir mais fundo, ele perguntou: “Com seu poder, como eles foram capazes de envenená-lo?”

    O Patriarca sorriu ironicamente. “Ao contrário de você, eu não possuo a Ruína do Dragão em meu sangue. E os traidores conseguiram me envenenar enquanto eu me encontrava gravemente ferido, quando o meu corpo estava mais fraco.”

    “Ferido? Quem o feriu?” Com a força do Patriarca, Arran achou muito difícil acreditar que havia um inimigo poderoso o suficiente para machucá-lo gravemente. Mas, evidentemente, havia, e Arran desejava saber sobre eles – para saber para onde não viajar.

    O Patriarca tomou outra colher de sopa e disse: “Foi quando a guerra civil de Eidaran terminou. Agentes do Caos haviam fornecido as facções em guerra com magias muito além do seu controle, e os idiotas lutaram entre si em uma batalha final desesperada – embora, tendo seu império à beira da ruína, eu não saiba exatamente o que eles pretendiam ganhar com a vitória. O resultado… bem, você já viu Uvar. Como a cidade ficou impossível de ser salva, eu a fechei.”

    “Você criou a formação ao redor de Uvar?” Os olhos de Arran se arregalaram de surpresa.

    O Patriarca concordou com a cabeça. “Se eu não a criasse, não haveria sobreviventes em um raio de 160 quilômetros da cidade. Para criar a formação, eu tive que entrar na cidade enquanto a magia dentro dela continuava a correr desenfreada. Sobrevivi, mas estive a um fio de distância da morte. E quando retornei ao Vale, o meu corpo ainda não havia se recuperado, fui traído”.

    Arran assentiu pensativo, os eventos começando finalmente a fazer sentido para ele. “Você disse que os agentes do Caos se envolveram na guerra?”

    “São poucas guerras nas quais eles não estão envolvidos. Se você se aprofundar no assunto, sem dúvida vai encontrar agentes do Caos por trás dos traidores do Vale também. A Sociedade está lutando há muito tempo contra os inimigos, e o poder da resistência aos nossos inimigos é tentador para muitos.”

    “Mas por quê?” perguntou Arran. “Esses agentes do Caos, o que ganham ao iniciar guerras?”

    “Receio que não seja possível responder a essa pergunta”, respondeu o Patriarca. “Todo o conflito entre o Caos e a Ordem vem existindo desde muito antes da formação da Sociedade, mas eu não sei qual é o objetivo da luta entre eles. Tudo o que posso dizer é que ambos são nossos inimigos.”

    “É isso?” Arran não conseguiu deixar de ficar desapontado com a resposta. Ele queria obter as respostas que procurava, mas parecia que o patriarca sabia pouco em relação ao assunto.

    “Não há nada a dizer que já não seja do seu conhecimento”, confirmou o Patriarca. “A Academia nos expulsou do Império há milhares de anos e busca o controle de toda a magia dentro do Império, e as forças do Caos espalham guerra e desordem onde quer que vão. Mas além disso? Até eu ver suas memórias, eu não sabia nem mesmo sobre os supostos deuses deles.”

    O rosto de Arran caiu quando ele percebeu que sua pergunta mais urgente não seria respondida.

    “Mas acredito que existe alguém que tem mais respostas”, continuou o Patriarca. “Alguém que você já conheceu.”

    Naturalmente, Arran soube de quem o Patriarca estava falando. “Mestre Zhao? Você sabe quem ele é?”

    “Não posso ter certeza, mas acho que posso adivinhar.” Um pequeno sorriso surgiu no rosto do Patriarca. “Pelo selo que ele colocou em seu Reino da Destruição, eu desconfio que ele seja um dos ancestrais da Sociedade – os seguidores originais do Santo das Sombras. A maioria deles desapareceram assim que a Academia derrotou a Sociedade das Chamas das Sombras, mas depois disso, existem rumores de que eles têm trabalhado nas sombras para proteger a Sociedade.”

    Arran levou um momento até processar as palavras, depois perguntou: “Isso significa que ele é mais poderoso do que você?”

    O Patriarca riu alto. “Se ele é de fato um dos Ancestrais, a diferença que existe entre nós será como noite e dia. Eu sou um Mago Supremo – um Mago de verdade, veja bem, não sou como aqueles imbecis da Academia – enquanto os Ancestrais são Sábios.”

    “Sábios?” Arran nunca ouviu esse termo antes.

    O Patriarca franziu a testa. “Eu esqueci que ninguém ensinou adequadamente a você as fileiras de magos. É hora de remediar isso.”

    Enquanto Arran aguardava ansiosamente, o Patriarca comeu mais uma colher de sopa de forma rápida e depois limpou a garganta. Então, ele começou a falar.

    “No nível mais baixo temos os magos comuns – os iniciados, os novatos e os praticantes. São títulos simples com pouco significado além da tradição e variam muito entre os grupos. O que uma ordem de magos denomina novato pode ser considerado um aprendiz em outra.”

    “Acima deles estão os Mestres, Grão-Mestres e Arquimagos. Esses títulos têm significado, mas não tanto quanto você imagina. Os Mestres foram aqueles que conseguiram condensar a Essência em seus corpos ao ponto de ela se assemelhar a um líquido, o que aumenta muito as reservas de Essência que eles podem utilizar. Os Grão-Mestres têm condensado sua Essência ainda mais, tornando-a sólida. Naturalmente, as suas reservas de Essência são muito superiores às dos Mestres.”

    “Arquimagos como eu estão um passo além. Podemos utilizar a Essência de nossos Reinos diretamente, o que nos proporciona o que é essencialmente uma reserva infinita. Somos limitados por nossa mente e corpo, mas a maioria de nós consegue manter feitiços simples como o Manto de Sombras indefinidamente.”

    “Mas observe o que não mencionei: habilidade. Nenhuma dessas classificações requer que um mago seja necessariamente habilidoso. Em teoria, é possível se tornar um Mago Supremo sem conseguir lançar um único feitiço, mesmo com um corpo que não consegue lidar com um fragmento de Essência.”

    “É por isso que as classificações da Academia são tão insignificantes – todos os magos, com exceção de alguns, não têm força ou conhecimento para controlar feitiços verdadeiramente poderosos, e somente aqueles que são considerados suficientemente leais e talentosos são indicados para o caminho do verdadeiro poder. Os outros são iguais a espadachins sem treinamento que carregam suas espadas gigantes, as quais não possuem força nem habilidade para empunhar adequadamente.”

    Arran franziu a testa. “Então e os Sábios?”

    Com isso, um brilho de fervor surgiu nos olhos do Patriarca. “Os Sábios são totalmente diferentes. Suas percepções sobre magia atingiram um nível tão alto que é como se seus feitiços tivessem uma alma própria.”

    “Uma alma?” Arran olhou para o Patriarca confuso. Ele não fazia a menor ideia do que o velho estava falando.

    “Veja o selo em seu Domínio da Destruição. Mesmo que eu criasse o mesmo selo, ele seria muito mais fraco, porque não tenho a percepção necessária.” O Patriarca soltou uma risada e continuou: “Na verdade, eu obtive um grande benefício apenas por ter observado o selo enquanto estive dentro de sua mente. E você vai ter benefícios ainda maiores – com bastante estudo, você pode até mesmo obter parte das percepções ocultas no selo. É por isso que ele se tornou um tesouro inestimável, muito mais valioso do que o seu Reino da Destruição”.

    Arran refletiu sobre as palavras do Patriarca, mas sabia que seu conhecimento sobre magia era muito limitado para realmente compreender o que ele estava falando. Depois de um momento, ele perguntou: “Então o Mestre Zhao é um Sábio?

    “É quase certo”, respondeu o Patriarca. “E se não for, ele está apenas um fio de cabelo longe de se tornar um. De qualquer forma, o seu conhecimento de magia é muito superior ao meu.”

    “Existe um estágio além dos Sábios?” Arran perguntou, com a curiosidade que ainda não foi satisfeita.

    O Patriarca deu uma risadinha. “Além dos Sábios estão os Santos – assim como o fundador de nossa Sociedade. Todos são figuras lendárias, mas não sei se ainda existem alguns vivos hoje. Se você encontrar um, não tenho certeza se será uma maldição ou uma bênção.”

    Arran afirmou com a cabeça, mas tinha dificuldade em imaginar o poder de um Santo. Se o Patriarca criou a formação em torno de Uvar e os Sábios são muito mais poderosos do que o Patriarca, então os Santos têm que ser totalmente aterrorizantes.

    “Mas temos um outro assunto para discutir”, disse o Patriarca, sua expressão ficando séria. “Um assunto relacionado ao seu futuro.”

    “Meu futuro?” As ideias de Arran sobre Sábios e Santos foram imediatamente esquecidas.


    Apoie-me
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.

    Nota