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    A Lâmina Brilhante demorou alguns minutos na tentativa de conter o riso e, depois disso, lançou um largo sorriso para o mago. “Meu outro aluno será muito grato pelos seus esforços em proteger a castidade dele”, disse ela, com a voz ainda tremendo de alegria mal reprimida.

    Arran, por sua vez, fez uma carranca irritada para a maga.

    Ele não esperava que a mansão fosse repleta de servas núbias. A ideia nem passou por sua cabeça. Talvez fosse um pouco atraente, mas não era algo que ele esperasse que acontecesse – não seriamente, pelo menos.

    O que o irritou foi que o mago pensou que tais medidas inusitadas eram necessárias. Como se ele tivesse sido um lúbrico que esquecesse seu treinamento no momento que visse um rosto bonito.

    Não que ele se incomodasse de ter alguns rostos bonitos por perto, é claro. E quanto de distração podiam causar algumas empregadas simpáticas, de fato?

    “Vou me despedir”, Lâmina Brilhante interrompeu suas reflexões. “Lâmina Fantasma, não se esqueça do que eu disse a você esta noite. Nós nos veremos novamente em breve. Até lá, vou deixá-lo na mão de suas novas governantas”. 

    Com isso, ela saiu pela porta, ainda rindo ao deixar a mansão.

    “Eu também vou me despedir”, anunciou o mago. “Antes de ir, tome aqui sua mesada mensal de Cristais de Essência.”

    Ele entregou a Arran um pequeno saco vazio e o coração de Arran praticamente pulou quando inspecionou seu conteúdo. Havia cerca de mil Cristais de Essência dentro do saco – uma fortuna capaz de chocar até mesmo os Grão-Mestres.

    Ao ver a expressão assustada de Arran, o mago explicou: “A Lady Matriarca pretende acelerar seu progresso. O uso de tais quantidades de cristais de essência tem um retorno decrescente, mas ela acredita que os ganhos valem o custo”.

    Seu tom sugeriu que ele não concordava com a Matriarca, embora não tenha dito isso abertamente.

    Naturalmente, Arran não questionou a ordem da Matriarca também. Ele achava que o presente seria um desperdício de recursos obsceno, mas ele aceitaria de bom grado toda ajuda que pudesse obter. E se os cristais seriam mais bem gastos auxiliando o progresso de algumas centenas de noviços, isso não lhe dizia respeito.

    “A Senhora Matriarca espera por você ao amanhecer”, disse o mago, já se virando para sair. “Não se atrase. Ele passou pela porta um instante depois, deixando Arran para trás com um grande grupo de guardas e servos.”

    Por um breve momento, ele se viu perdido. Ele não só não conhecia nenhum desses homens, como também não fazia ideia do que ele deveria fazer com eles. No entanto, eles o olhavam com expectativa, quase como se estivessem esperando ordens.

    Felizmente, o silêncio incômodo só durou por um instante, pois um dos homens se adiantou. Corpulento e careca, com uma cicatriz na lateral da mandíbula, ele se parecia mais com um bandido do que com um mago ou servo.

    “Meu nome é Jovan”, disse o homem com uma reverência rígida. “Sou seu novo mordomo.”

    Arran se sentiu familiarizado com o sotaque do homem. “Lâmina Fantasma”, ele respondeu. “Você também é do Império?”

    “Sim”, disse o homem careca, sua expressão se aqueceu instantaneamente. “Costumava ser um guarda de caravana quando me juntei ao Vale. A maioria de nós aqui é imperial, mas há alguns habitantes da fronteira também.”

    “Vocês são magos?” perguntou Arran. Ainda que não parecessem, ele conseguia sentir um leve traço de Essência em vários dos homens.

    “Sim, somos”, confirmou Jovan. “Eu sou um especialista, assim como seus guardas. O resto é uma mistura homogênea de iniciados e novatos.”

    Arran franziu a testa brevemente. “Então você é da Casa dos Selos?”, ele perguntou, sem ter certeza de que a Casa permitiria que seus próprios membros se tornassem servos.

    Diante disso, o homem soltou uma risada aguda. Quando viu a expressão intrigada de Arran, ele explicou: “O povo do vale não aceita forasteiros com facilidade. Eles aceitam qualquer pessoa como iniciada, mas quando se trata de entrar em suas preciosas Casas…” Ele balançou a cabeça.

    Agora, Arran passou a entender a situação. “É por isso que vocês estão trabalhando como servos?”

    “Por isso mesmo”, respondeu Jovan. “É muito difícil avançar se tudo o que você tem são os cristais que você mesmo produz. E também não ajuda muito se os professores cobrarem caro só pelo treinamento.”

    Embora ele tenha sentindo uma pontada de raiva pela maneira como esses homens foram tratados pelo Vale, Arran a controlou. Ele percebeu que havia uma oportunidade aqui.

    “Quanto você está sendo pago?”

    “Quatro cristais por mês para mim e para os outros adeptos”, respondeu o homem corpulento. “Os novatos ganham dois, e os iniciados, um. O salário é bastante decente, levando tudo em conta.”

    Arran franziu a testa enquanto olhava para os homens à sua frente.

    Então, levantando a voz, ele falou. “Vou acrescentar o dobro do que vocês estão ganhando agora, para cada um de vocês. Há apenas uma condição: vocês vão trabalhar para mim. Não para o mago que recrutou vocês, nem para a Casa dos Selos, nem para a Matriarca – apenas para mim. Alguma objeção?”

    Não houve objeções. Em vez disso, os rostos dos homens se encheram de alegria ao perceberem que o salário deles acabara de ser triplicado. E, embora ainda não seja tanto quanto os membros talentosos das Casas receberiam, será inestimável para o progresso deles.

    É claro que Arran não acreditava que isso fosse suficiente para ganhar a lealdade deles. Mas era um primeiro passo, e mais tarde teria muito tempo para ganhar de fato a confiança deles.

    O fato de que ele precisaria fazer isso, no entanto, era uma certeza.

    Mesmo que ele confiasse na Matriarca – algo que ele ainda tinha dúvidas -, o fato de se tornar aprendiz dela faria com que ele ganhasse muitos novos inimigos.

    Apesar de todo o seu status inesperado dentro do Vale, ele ainda era um forasteiro. O fato de ele receber uma posição dessas não seria bem visto por todos, e haveria problemas mais cedo ou mais tarde.

    Usar seus servos era uma escolha óbvia para qualquer inimigo que ele tivesse, e essa é uma fraqueza que ele deseja resolver antecipadamente, antes que possa ser explorada.

    Ele levou vários minutos para entregar os Cristais de Essência aos servos, e os olhos deles se iluminaram de emoção ao receberem o bônus inesperado.

    O custo foi alto – um pouco mais de cem cristais, no total – mas Arran não sentiu nenhum arrependimento em pagá-lo. Cem Cristais de Essência poderiam ser uma pequena fortuna para os outros, mas mal dava para diminuir sua riqueza.

    Com os cristais distribuídos, os homens rapidamente começaram a trabalhar na preparação da mansão. Depois de alguns minutos, apenas Arran e Jovan permaneceram no corredor.

    “Homem inteligente”, disse Jovan. “Depois disso, acredito que a maioria deles não vai vendê-lo por uma caneca de cerveja na taverna. Embora eu não posso prometer que outra caneca ou duas não farão o truque.”

    Arran sorriu, compreendendo que o homem havia lido suas intenções com facilidade. “Alguma ideia de como derrotar a segunda caneca?”

    “Dê a eles treinamento”, respondeu prontamente o homem careca. “Bons professores é difícil de encontrar fora das Casas. Dê a eles instruções adequadas e eles ficarão em dívida com você.”

    “Vou ver o que posso fazer”, disse Arran, mesmo temendo que o pedido fosse difícil de ser atendido. A distribuição de cristais era fácil, mas fazer com que outros magos dispensassem seu tempo poderia ser problemático.

    “Agradeço”, respondeu Jovan. “Mas devo voltar aos meus deveres, antes que os outros façam algum dano que não possa ser desfeito. Antes de eu ir, Lorde Lâmina Fantasma, há algo que você precise?”

    Arran pensou por um momento, depois disse: “Peça para alguém me acordar meia hora antes do amanhecer”.

    Quando seu mordomo saiu para orientar os criados a prepararem a mansão para o novo proprietário, Arran foi para os jardins.

    Entre o cochilo na fonte termal e a ansiedade com o que a manhã traria, ele sabia que não poderia dormir ainda. Então, em vez disso, ele começou na absorção dos Cristais de Essência.

    Ele não fazia ideia sobre o que esperar para o dia seguinte, mas aprimorar seu controle da Essência com certeza não faria mal algum. E, embora já estivesse muito além do ponto em que os Cristais de Essência ainda poderiam trazer um progresso rápido, ele tiraria qualquer vantagem que conseguisse, por menor que fosse.

    Ele passou várias horas absorvendo Essência Purificada, consumindo uma boa centena de cristais – mais uma fortuna perdida para sempre. Mas seu anel vazio ainda continha milhares de cristais, e ele se sentiu satisfeito por ter feito algum progresso, por mais insignificante que fosse.

    No entanto, ao terminar, ele se deu conta de que ainda não se sentia nem um pouco cansado.

    Depois de um breve momento de hesitação, ele resolveu ir para a fonte termal. Se essa era sua última noite de descanso, ele deveria aproveitá-la.

    Ele ficou na fonte termal por uma ou duas horas, sem pensar absolutamente em nada além das estrelas acima de sua cabeça. Quando finalmente fechou os olhos, levou um instante para que o mundo se fechasse ao seu redor e ele estivesse dormindo profundamente.


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