Capítulo 263: Festividade

Ao entrar nos jardins com a Matriarca, Arran ficou surpreso com o número de pessoas presentes. Mesmo que tenha passado horas a receber pessoalmente todos os grupos, ele só se tinha dado conta de quantas pessoas estavam presentes quando as viu todas juntas.

E também não eram pessoas quaisquer. Eram os magos mais poderosos e distintos do Vale, juntamente com muitos dos seus estudantes mais promissores.

Um ataque ali poderia prejudicar o Vale por incontáveis gerações, talvez até o enfraquecesse a ponto de entrar em colapso. E tudo o que seria preciso eram algumas garrafas de veneno.

Arran ficou um pouco pálido ao pensar na idéia, e se viu feliz por Lâmina Brilhante ter feito visitas frequentes às cozinhas para provar as iguarias do banquete.

Mas então, quem sabe, essa não era a única motivação dela. Talvez ela tenha reconhecido o risco e tenha tomado medidas para combatê-lo. Conhecendo Lâmina Brilhante, Arran ficaria surpreso se ela não tivesse feito isso.

A chegada da Matriarca aos jardins não deixou de ser notada. Ao seu lado, Arran viu que todos os magos voltaram os olhos para eles assim que eles se aproximaram, com olhares que continham uma mistura de curiosidade e ansiedade.

Isso era totalmente diferente de como os Anciões tinham reagido à Matriarca duas semanas antes. Naquela altura, a maior parte deles tinha-lhe mostrado o respeito exigido pela sua posição, e nada mais.

No entanto, alguns Anciãos tinham desaparecido desde então e, agora, os Anciãos estavam a olhar para ela com muito menos confiança. O medo, ao que parece, era um substituto eficaz do respeito.

Havia um palco nas traseiras do recinto do banquete e foi para lá que a Matriarca conduziu Arran. Quando ela pisou nele, ela fez sinal para que ele o seguisse, então olhou rapidamente ao redor, e chamou, “Comandante Lâmina Brilhante, por favor, tenha a gentileza de se juntar a nós”.

Lâmina Brilhante saiu do meio da multidão um momento depois, rapidamente terminando o último pedaço de um bolo quando ela subiu no estrado.

A Matriarca a saudou com um pequeno aceno de cabeça, depois voltou seus olhos para a multidão. Ela ficou em silêncio por alguns momentos, deixando seus olhos vaguearem sobre os magos reunidos, até que finalmente, ela falou.

“Um tempo de mudança está sobre nós”, ela começou, sua voz alta o bastante para alcançar até mesmo os magos mais afastados do estrado. “Hoje, nós nos juntamos para dar as boas-vindas ao meu herdeiro escolhido, e conosco está o novo Comandante do Vale”.

Fez uma breve pausa e ouviram-se alguns vivas e palmas da multidão.

“Mas esses passos são só o começo”, ela continuou, sua expressão endurecendo enquanto falava. “Meio século de paz viu o nosso Vale enfraquecer, e prosseguir neste caminho é convidar à guerra. Só se recuperarmos a nossa força é que poderemos deter os nossos inimigos. E para esse fim, tenho três anúncios a fazer”.

Desta vez não houve aplausos. Enquanto os magos na multidão já tinham conhecimento das mudanças nas posições de Arran e Lâmina Brilhante, agora eles foram informados de que haveria mais mudanças, e eles aguardavam as próximas palavras da Matriarca com olhos cautelosos.

“Primeiro”, disse ela, “Os alunos mais talentosos das Casas vão juntar-se ao meu herdeiro em treino. Muitos de vocês já sabem disto, mas as Casas que ainda não selecionaram os alunos para esta tarefa devem fazê-lo sem demora”.

Alguns resmungos foram ouvidos, mais do que alguns dos Anciãos pareciam infelizes por terem sido obrigados a fazer algo que pretendiam fazer de qualquer maneira. Mas a Matriarca continuou, “Estes estudantes vão receber a orientação de todos nós – o seu treino e a sua lealdade vão pertencer primeiro ao Vale, e só então às suas próprias Casas.”

A isso, vários gritos e queixas surgiram da multidão. Ter seus alunos treinando com Arran era uma coisa, mas abrir mão do seu controle sobre eles era um passo além – e um que as Casas claramente não pretendiam dar.

No entanto, a Matriarca ignorou os protestos, e o som de sua voz abafou o murmúrio insatisfeito.

“Segundo”, ela disse, “Uma nova fortaleza foi erguida para a Comandante Lâmina Brilhante. Lá, ela vai iniciar o treinamento dos magos do Vale para a batalha. Todas as Casas deverão mandar um décimo de seus números para essa fortaleza amanhã. Todos os que foram enviados treinarão sob o comando da Lâmina Brilhante por um ano, após o qual eles seriam substituídos por um novo grupo. Qualquer mago que ela decidir fazer parte de sua guarda pessoal, no entanto, permanecerá sob seu comando”.

Dessa vez, vários gritos de indignação vieram da multidão. Se o primeiro anúncio da Matriarca tinha desagradado aos Anciãos, este enfureceu-os – era um ataque aberto à autonomia das Casas, bem como ao seu próprio poder.

“Silêncio!” A voz da Matriarca trovejava pelos jardins. “Estas são ordens, não pedidos. Quem recusar ou se opuser será despojado do seu posto e banido do Vale.”

O seu tom de voz deixou claro que não era uma ameaça vazia, e a multidão calou-se imediatamente.

A Matriarca olhou para os magos reunidos e, quando se deu por satisfeita por não se atrever a falar, continuou seu discurso.

“Terceiro,” ela disse, “O Vale tem desperdiçado seus recursos por muito tempo. Não mais. A partir de amanhã, as Casas têm ordens para receber qualquer pessoa do nosso Vale com o mínimo de talento e treiná-la adequadamente. O Vale tem centenas de milhares de tais magos, e até ao próximo mês, eu espero que cada um deles se junte a uma Casa. Os líderes de qualquer Casa que não fizer a sua parte neste esforço enfrentarão consequências”.

Desta vez, a multidão não fez barulho. Em vez disso, houve somente um silêncio atordoante.

E não era de admirar, pensou Arran. Ele tinha visto quantos magos havia no Vale Exterior. Permitir que todos que quisessem se juntassem às Casas iria facilmente triplicar o número de membros das Casas, e as sobrecarregaria com o treinamento de inúmeros iniciados e noviços.

“Senhora Matriarca.” Uma voz calma soou da multidão e, com um olhar, Arran viu que vinha de uma Anciã – a mulher da Casa das Sombras que havia se recusado a representar Lâmina Brilhante na inspeção dos campos de duelo.

“O que é, Apate?” A Matriarca olhou para a Anciã com uma expressão sem emoção.

“Esses anúncios…” A mulher hesitou, e então continuou, “Você quer dizer que vai nos levar para a guerra contra os Caçadores?”

Era uma pergunta óbvia, mesmo para Arran. Pelo que a Matriarca tinha anunciado, soava como se ela não tivesse a intenção de apenas reconstruir a força do Vale. Em vez disso, parecia que ela estava a preparar-se para a guerra.

“Eu não quero.” A Matriarca falou claramente, e com uma voz calma. “Mas eu pretendo nos preparar para uma. Nós nos tornamos fracos – fracos o suficiente para nos transformarmos em um alvo para nossos inimigos. É só uma questão de tempo até que eles agarrem a oportunidade, e do jeito que as coisas estão, não temos esperança de vitória”.

Com estas palavras, um murmúrio de choque percorreu a multidão.

A fraqueza do Nono Vale era um segredo público, conhecido por muitos, mas raramente mencionado. No entanto, com a Matriarca discutindo-o tão abertamente, os Anciãos não podiam mais ignorá-lo – eles teriam finalmente que enfrentar a verdade indesejada.

Demorou vários minutos para que os sussurros terminassem, e a Matriarca aguardou pacientemente. Quando a área ficou finalmente em silêncio novamente, ela falou mais uma vez.

“Confio que todos vocês levarão estes anúncios a sério e que cumprirão as minhas ordens imediatamente”, disse ela. “Mas qualquer discussão adicional sobre estes assuntos poderá esperar até amanhã. Esta noite é uma noite de celebração, por isso, por favor, aproveitem as festividades.”

Suas últimas palavras foram tão absurdas quanto inesperadas, e Arran assistiu com espanto quando ela desceu do estrado e se dirigiu a uma das mesas.

Um rápido olhar sobre a multidão confirmou que, após os anúncios da Matriarca, o clima era tudo menos festivo e, após um momento de hesitação, Arran desceu do palco também. Ele esperava ter que fazer um pequeno discurso, mas com as expressões sombrias nos rostos dos Anciões, ele acreditava que as poucas piadas que tinha preparadas seriam bem recebidas.

Lâmina Brilhante seguiu atrás dele e, quando o alcançou, deu a Arran um olhar divertido.

“Rhea nunca foi muito divertida em festas, mesmo quando era jovem”, disse ela com um encolher de ombros. “Você dificilmente poderia esperar que alguns séculos mudassem isso”.