O crepúsculo se aproximava. A luz do sol poente se espalhava do horizonte da cidade, derramando raios de brilho dourado entre os arranha-céus que se erguiam como uma floresta. Mas nas profundezas do bairro antigo, cercado por prédios altos, onde a luz do sol mal chegava, as vielas já tinham mergulhado na penumbra.

    A umidade residual e o leve frio no ar contrastavam com o ar seco do lado de fora da viela. E os pedaços de gelo que derretiam e desapareciam rapidamente entre as frestas dos paralelepípedos serviam como “evidência” de que algo incomum tinha acontecido naquele beco silencioso.

    Algumas sombras velozes cruzaram as frestas entre os prédios, saltando do ar como se não tivessem peso e aterrissando em um canto da viela. As bordas das sombras tremeram, solidificando-se rapidamente em formas semelhantes a lobos. Essas sombras de feições borradas perambularam e farejaram pela viela por um tempo, antes de se reunirem lentamente. A sombra líder ergueu a cabeça e soltou um uivo retumbante para o céu:

    “Auuu… au!”

    !”

    Uma pedra atingiu com precisão a cabeça do lobo-sombra, cortando o uivo pela metade. Em seguida, uma repreensão veio das sombras de um prédio: “Cala a boca! É proibido uivar na área urbana! E adicionar um ‘au’ no final não adianta! Os humanos não são idiotas, ninguém vai acreditar que vocês são cachorros!”

    Os vários lobos formados por ilusões soltaram alguns gemidos baixos e recuaram obedientemente para o lado. Uma figura um tanto pequena se aproximou de não muito longe.

    Era uma jovem de cabelos curtos, vestindo uma saia preta e um casaco vermelho-escuro. Uma mecha de cabelo em sua testa estava levemente arrebitada. Ela não parecia ter mais de dezesseis ou dezessete anos, mas sua expressão era excepcionalmente calma e madura. Ela saiu das sombras, passou direto pelos lobos de cabeça baixa e então viu o cadáver masculino caído ao lado da estrada.

    Uma sombra de melancolia quase imperceptível passou pelo rosto da jovem. Ela se agachou ao lado do corpo para examinar algo, enquanto um dos lobos se aproximava, transmitindo alguma informação com um rosnado baixo e confuso.

    “…Cheiro de chuva?” A jovem franziu a testa, olhando para o céu que esteve ensolarado nos últimos dois dias. Embora já fosse quase crepúsculo, o céu visível entre os arranha-céus ainda parecia claro e límpido, sem sinal de nuvens, apenas o sol que gradualmente se apagava.

    Depois de um momento, ela pareceu entender algo, baixou a cabeça para confirmar o ferimento assustador no cadáver masculino e murmurou para si mesma: “…Chuva, coração, cheiro de sapo…”

    Nesse momento, o toque de um celular vindo de sua pochete interrompeu seu monólogo. O toque era a música de abertura da série de TV “Jornada ao Oeste”, de 1986 1.

    A jovem de cabelos curtos atendeu a ligação antes que o macaco na música desse a quarta cambalhota.

    “Alô, quem… Ah, sim, sou eu.” Ela colocou o celular no ouvido e gesticulou para os lobos que a seguiam protegerem a cena, enquanto se levantava e se afastava. “Já cheguei. Meus lobos sentiram a anomalia aqui primeiro… Não peguei, cheguei tarde.”

    A jovem disse, suspirando, com o olhar fixo no corpo azarado.

    “Foi a ‘Chuva’, com a geração de um ‘Sapo da Chuva’ materializado. Mas essa chuva deve ter sido apenas uma projeção localizada, com alcance de efeito para apenas uma pessoa… Sim, muito azarado, uma ‘Chuva’ que caiu só para um. Quando cheguei, já tinha parado. A profundidade aqui já voltou para L-0, a ‘Chuva’ já se desconectou do Limiar.”

    A jovem parou. A voz do outro lado do telefone parecia estar dando instruções e fazendo perguntas. Ela ouviu pacientemente por um tempo, depois olhou novamente para o cadáver próximo.

    “…Equipe médica? Manda alguém para recolher o corpo. Como um civil comum que encontra um ‘Sapo da Chuva’ sozinho poderia sobreviver? O coração se foi… Tsc, vou ficar de guarda. Não se esqueça de pagar as horas extras.”

    A voz de um líder de meia-idade resmungou no telefone, mas a jovem já tinha perdido a paciência, respondeu com algumas palavras vagas e desligou.

    Em seguida, ela suspirou novamente, voltou, chamou um dos lobos que estava de guarda para se deitar no chão, sentou-se nele e apoiou o queixo nas mãos, observando o cadáver de Yu Sheng.

    “Coitado. Será que tinha família? Morrer sozinho aqui… Ai, vou te fazer companhia por um tempo… Deve ter sido frio morrer na ‘Chuva’, né? Pena que não sou aquela vendedora de fósforos, senão poderia te aquecer um pouco antes de você partir…”

    A jovem murmurava para si mesma, esperando pacientemente a chegada da equipe de limpeza. Pouco tempo depois, ela ouviu o ronco de um motor vindo do cruzamento a algumas dezenas de metros de distância — o som era ensurdecedor, como se um veículo blindado pesado estivesse arrastando um contêiner, queimando lenha e passando por uma série de dez quebra-molas. Até o lobo sob suas nádegas se assustou com o barulho e quase pulou — mas não conseguiu, com alguém sentado em cima.

    Então, a jovem olhou na direção do som e viu uma van grande se aproximando do cruzamento, rangendo. Ao passar pelos quebra-molas, tremia como a União Soviética em 1991.

    A jovem se levantou calmamente das costas do lobo, observando com uma expressão impassível a van passar pelos quebra-molas, desligar o motor e, em seguida, vários homens fortes em trajes táticos pretos, com equipamentos de alta tecnologia e armados até os dentes, saírem para empurrar o veículo…

    Outro homem de meia-idade, com um casaco cáqui, pele ligeiramente escura e corpo robusto, desceu do veículo, seguido por uma jovem de vestido branco e cabelos castanhos na altura dos ombros. Os dois olharam para trás, impotentes, para os membros da equipe que empurravam a van, e então se viraram e caminharam na direção dela.

    Quando os dois se aproximaram, a jovem de cabelos curtos não resistiu a resmungar: “Sério, a sua Segunda Brigada não pode pedir para trocarem de carro? A Agência de Operações Especiais não deve estar tão na pindaíba assim… Acho que o equipamento de qualquer um dos seus membros daria para comprar um carro novo.”

    “Psiu!” O homem robusto gesticulou apressadamente ao ouvir isso, baixando a voz e olhando para a van desligada e seus subordinados empurrando. “Não fale besteira… Você não entende a situação. Nossa Agência tem uma situação especial. Este carro só não está em um bom dia hoje, mas trocá-lo, nem pensar…”

    “Grandes organizações realmente têm muitos problemas”, a jovem de cabelos curtos fez uma careta, claramente desinteressada no assunto, e então se virou para a pequena senhora de vestido branco que veio junto. “Boa tarde, Doutora Lin. Há quanto tempo.”

    “Deveria dizer boa noite, ‘Chapeuzinho Vermelho'”, a mulher de vestido branco, chamada Doutora Lin, sorriu levemente. Seus lábios finos pareciam contidos e reservados. “Como está o ferimento da última vez?”

    “Quase curado”, a jovem de cabelos curtos, chamada Chapeuzinho Vermelho, flexionou o pulso direito. “Você sabe, a capacidade de recuperação dos lobos geralmente é bem forte…”

    “A capacidade de recuperação dos humanos é a mais forte — só que os humanos geralmente se opõem a se machucar”, corrigiu a Doutora Lin com uma expressão séria.

    “…Oh”, a jovem de cabelos curtos respondeu superficialmente e mudou o assunto para o cadáver no chão. “Vamos dar uma olhada aqui primeiro. Vítima, homem, aparenta ter vinte e poucos anos. O coração foi levado pelo Sapo da Chuva. Hora da morte, aproximadamente duas horas atrás. Ainda não revistei o corpo, não tenho certeza se ele tinha documentos… Sim, para proteger a cena do crime.”

    Enquanto falava, ela olhou para a Doutora Lin com desconfiança: “Você veio até aqui… Não me diga que pretende tratar alguém assim? Isso tem tratamento?”

    “Não, eu não sou um deus”, a Doutora Lin balançou a cabeça, inclinando-se sobre o corpo de Yu Sheng. “Só vim dar uma olhada, aqui é perto da minha casa…”

    Ela examinou o corpo por um tempo, confirmando o ferimento e os pertences da vítima, e encontrou um documento de identidade.

    “O nome do falecido é ‘Yu Sheng’, vinte e quatro anos, endereço registrado na Rua Wutong, 66, no Bairro Antigo”, disse ela, olhando para o fino cartão que representava a identidade, enquanto comparava com o rosto do falecido. “Capitão Song, depois você verifica no sistema da agência e vê se consegue contatar a família dele.”

    O homem robusto ao lado assentiu e também se inclinou para olhar o documento de identidade nas mãos da Doutora Lin, franzindo a testa. “Por que a foto neste documento está tão borrada?”

    “Chapeuzinho Vermelho”, ao ouvir isso, também se aproximou curiosa para ver a identidade encontrada no corpo.

    A parte da foto no documento parecia estar coberta por uma mancha cinza-escura, o rosto inteiro estava borrado, impossibilitando ver os detalhes.

    A Doutora Lin tentou esfregar as manchas com o dedo e descobriu que não saíam. As manchas eram mais resistentes do que o esperado e cobriam quase todo o documento.

    “Nem o nome dá para ler direito”, resmungou Chapeuzinho Vermelho. “O número de identidade também não dá pra ver. Vocês vão ter que levar de volta e ler o chip com a máquina…”

    O homem de meia-idade, chamado “Capitão Song”, suspirou com resignação, assentiu e olhou para os restos no chão, dizendo com pesar: “Que pena, seria bom se pudéssemos encontrar os documentos da vítima… Com tão poucas pistas agora.”

    A Doutora Lin também assentiu com pesar, olhando para as manchas de sangue no chão, quase que completamente lavadas pela chuva: “…Nem mesmo o corpo foi deixado para trás, será muito difícil investigar o que aconteceu.”

    Chapeuzinho Vermelho ouviu a conversa dos dois, parecendo pensar em algo. Em seguida, ergueu a cabeça de repente e olhou para a mulher de vestido branco ao seu lado: “Doutora Lin, boa noite.”

    “Boa noite, Chapeuzinho Vermelho”, a Doutora Lin sorriu, cumprimentando a jovem. “Como está a patrulha?”

    Chapeuzinho Vermelho olhou ao redor, estendendo a mão para acariciar a cabeça do lobo mais próximo: “Caiu uma ‘Chuva’ aqui, e pode ter gerado um ‘Sapo da Chuva’ materializado, mas parece que não houve vítimas.”

    A Doutora Lin pareceu aliviada: “Ainda bem.”

    O som do motor ligando veio de não muito longe. A van velha e caindo aos pedaços deu um solavanco e ligou, e o som do motor gradualmente se estabilizou. Os agentes armados que antes empurravam o veículo vieram ofegantes de trás do carro. O líder se aproximou: “Capitão Song, o carro ligou, vamos…”

    O homem robusto, chamado Capitão Song, assentiu e caminhou em direção à sua equipe.

    “Certo, então vamos voltar para a agência. Ah, não se esqueçam de levar a Doutora Lin.”

    1. Tem no YT caso queira ver, só pesquisar por Journey to the West 1986 Intro[]
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