Capítulo 68: Última Revisão
O som insistente do despertador cortou o silêncio do quarto, arrastando-me para fora do sono. Abri os olhos lentamente, piscando contra a luz suave da manhã que se atravessava a cortina.
Por alguns segundos, permaneci ali, encarando o teto, tentando lembrar o que fazia meu peito parecer mais pesado do que o normal. Então, a lembrança caiu sobre mim como uma pedra.
As provas finais eram no dia seguinte.
Soltei um longo suspiro, sentindo a tensão se enraizar nos meus ombros. Mesmo depois de dias de estudo intenso com o grupo, a tensão ainda estava lá, teimosa, grudada em mim. O Festival Escolar distraía boa parte dos alunos, mas a verdade era inescapável: ninguém podia fugir das provas.
Antes que pudesse me afundar nesses pensamentos, uma vibração na mesa ao lado da cama me trouxe de volta.
Estiquei o braço e o peguei, piscando algumas vezes para ajustar a visão à tela iluminada. Uma nova notificação tinha chegado.
Era uma mensagem de Yuki. Meus olhos se arregalaram por reflexo, e num instante eu já estava sentado na cama, o sono já longe do meu corpo.
“Bom dia, Shin. Será que poderíamos estudar inglês mais uma vez? Ainda tenho algumas dúvidas…”
Pisquei, surpreso por um instante, mas logo um sorriso involuntário surgiu nos meus lábios. Sem hesitar, meus dedos se moveram rapidamente sobre o teclado.
“Claro! Nos vemos mais tarde na biblioteca então.”
Pressionei “enviar” antes que meu cérebro tivesse tempo de reconsiderar.
Estudar com Yuki sempre tinha algo de… reconfortante. Mesmo com a pressão das provas, a ideia de passar um tempo ao lado dela parecia fazer tudo ficar um pouco mais leve. Desliguei o celular e soltei o ar lentamente, recostando-me na cabeceira da cama.
Um último dia de estudo.
O sol da manhã banhava a cidade, mas, ao contrário de um dia comum, as ruas estavam tomadas por um tipo específico de agitação.
Havia uma tensão invisível no ar, uma ansiedade coletiva que pairava sobre os estudantes como uma sombra persistente. Por toda parte, alunos caminhavam com a cabeça enfiada em cadernos, murmurando fórmulas e datas históricas para si mesmos, como se a repetição pudesse fixar o conhecimento na mente de última hora.
Outros folheavam cartões de memória freneticamente, os olhos correndo desesperados pelas páginas enquanto tentavam absorver o máximo possível antes do inevitável chegar.
Eu caminhava ao lado de Seiji, Rintarou e Kaori, observando o cenário ao nosso redor.
— Cara… minha barriga tá doendo só de pensar nas provas. — Seiji se lamentou, colocando a mão no estômago com uma expressão de puro sofrimento.
Kaori deu um tapinha nas costas dele.
— Relaxa! A gente estudou bastante na lanchonete, e ainda dá tempo de revisar mais um pouco hoje!
Seiji estreitou os olhos para ela, claramente desconfiado.
— Ah, claro. Como se você não estivesse nervosa também.
— Hã?! Do que você tá falando? Eu não tô nervosa! — Kaori rebateu rápido demais, desviando o olhar de um jeito nada convincente.
— Sei… Então por que você tá roendo as unhas? — Seiji respondeu, enquanto sorria de canto
Ela abriu a boca para retrucar, mas congelou no meio do caminho. Baixou o olhar para as próprias mãos e piscou algumas vezes, como se só naquele momento percebesse o que estava fazendo.
— …Tá, eu admito! Eu tô nervosa! Tá feliz agora?!
— Muitíssimo. — Seiji respondeu satisfeito, cruzando os braços com um ar vitorioso, enquanto Rintarou apenas suspirava ao lado.
Dei uma risada baixa, balançando a cabeça enquanto observava os dois. Por mais que o peso das provas fosse inevitável, momentos como aquele tornavam tudo um pouco mais leve.
A entrada da escola surgiu diante de nós, e, mesmo com a apreensão pairando no ar, segui em frente com um pouco mais de confiança.
Assim que chegamos, Kaori se separou do grupo como sempre, seguindo para sua turma com um breve aceno. Seiji, Rintarou e eu continuamos pelo corredor, misturados ao fluxo de alunos que pareciam divididos entre duas emoções opostas: o desespero e a resignação.
Eu queria que o tempo diminuísse o ritmo, que as aulas se arrastassem um pouco mais para absorver cada explicação final. Mas, como sempre acontecia nos momentos mais críticos, o relógio parecia correr sem piedade.
O professor ainda esclarecia os últimos conteúdos, revisando pontos-chave que poderiam cair na prova. Mas ninguém mais estava realmente prestando atenção.
A tensão era quase palpável. O som das canetas tamborilando contra as carteiras, o som de páginas viradas mecanicamente e os olhares vagos denunciavam a ansiedade da turma.
Então, em determinado momento, o professor parou de escrever no quadro e se virou para nós.
— Muito bem. Alguém pode me dizer qual foi o impacto dessa mudança econômica no período seguinte?
O silêncio tomou a sala.
Alguns se entreolharam, buscando alguém que tivesse coragem de responder. Mas ninguém parecia confiante o suficiente.
Até que Akira levantou a mão.
— É… Foi a industrialização que estabilizou tudo?
O professor negou com um leve aceno de cabeça.
— Perto, mas não exatamente. Mais alguém?
Outro aluno arriscou um palpite, mas também errou. O professor suspirou, prestes a dar a resposta ele mesmo.
E então, antes que pudesse perceber, levantei a mão.
— Foi o aumento das exportações que alavancou a recuperação econômica, já que a demanda externa cresceu significativamente naquele período.
Assim que as palavras saíram da minha boca, um pequeno choque percorreu meu corpo. A sala inteira se virou para mim, surpresa, e o professor ergueu uma sobrancelha.
— Isso mesmo! Boa resposta, Shin. Parece que alguém está realmente estudando.
Seiji se inclinou levemente na minha direção, a expressão carregada de desconfiança exagerada, e sussurrou:
— Quem é você e o que fez com o Shin?
Segurei um sorriso, dando de ombros.
— Só tô tentando sobreviver às provas.
Rintarou olhou para mim, mas não pareceu surpreso. Ele já tinha explicado aquele conteúdo incontáveis vezes para Kaori durante nossos estudos na lanchonete.
E, aparentemente, tudo aquilo tinha realmente ficado na minha cabeça.
O tempo continuou voando, e quando percebi, já estávamos guardando os materiais e arrumando as mochilas. Alguns alunos formavam grupos para estudar de última hora, enquanto outros simplesmente queriam ir para casa e esquecer que o dia seguinte existia.
— Vão na frente, vou passar na biblioteca para revisar mais um pouco — comentei para Seiji e Rintarou enquanto ajustava a alça da mochila.
Seiji me olhou como se eu tivesse acabado de dizer algo absurdo.
Mas, talvez fosse mesmo. Meu antigo eu nunca teria feito isso antes de uma prova.
Talvez, eu…
— Você ainda quer estudar mais?! — Ele fez uma careta exagerada. — Shin, isso já virou obsessão! Você tá bem?!
Rintarou, sempre tranquilo, apenas ajeitou os óculos antes de responder com naturalidade:
— Revisar nunca é demais.
— Exato — concordei, rindo. — Você devia tentar também, Seiji.
Seiji soltou um suspiro longo, colocando as mãos na cabeça como se carregasse o peso do mundo.
— Ah… eu só quero que isso acabe logo — Ele fez uma pausa dramática antes de acenar para mim. — Bom, boa sorte pra você. Eu vou fingir que nada disso tá acontecendo e ir pra casa dormir.
— Boa sorte pra você também — respondi, rindo enquanto seguia meu caminho.
A biblioteca me esperava para a última revisão antes do grande dia.
A biblioteca estava mergulhada em um silêncio confortável, quebrado apenas pelo som de páginas sendo viradas e pelo leve arrastar de cadeiras contra o chão.
Espalhados pelas mesas, alguns alunos ainda revisavam de última hora, rabiscando anotações apressadas, enquanto outros pareciam simplesmente encaravam os livros, como se esperassem que o conhecimento entrasse na cabeça.
A luz suave da tarde atravessava as janelas altas, iluminando as prateleiras e mesas com tons dourados e alaranjados. E ali, perto da janela, cercada por cadernos e livros abertos, estava Yuki.
Ela apoiava o queixo na mão enquanto lia, os olhos percorrendo as páginas com concentração. A luz do sol iluminava seus cabelos de uma forma linda, realçando os fios soltos que caiam levemente sobre seu rosto.
Assim que notou minha presença, ergueu o olhar e sorriu suavemente.
— Oi, Shin! Obrigada por vir de novo.
— Sem problema — comecei, puxando a cadeira ao lado dela. — Então, quais são as suas dúvidas?
Yuki deslizou o caderno de inglês na minha direção, apontando com a ponta do lápis para algumas frases sublinhadas.
— Essa parte aqui… Tem algumas regras que ainda me confundem.
Olhei para o caderno e, sem perder tempo, peguei meu próprio lápis. Comecei a explicar, dividindo o conteúdo em partes menores, tornando cada conceito mais fácil de visualizar.
Ela acompanhava atentamente, a expressão alternando entre concentração e surpresa conforme os pontos começavam a fazer sentido.
— Uau… Você realmente sabe explicar bem. Igual na aula hoje. — Yuki comentou, ainda anotando tudo com precisão no caderno.
Cocei a nuca, um pouco sem jeito.
— Ah… Não foi nada. Você provavelmente sabia a resposta também.
Ela riu baixinho, o som suave e espontâneo.
— Se fosse eu, não teria tanta certeza assim.
Por um instante, deixei de me concentrar nas anotações e simplesmente observei-a. O jeito como ela segurava o lápis, a tranquilidade na maneira como encarava até as dificuldades… Havia algo naquilo que fazia parecer que o tempo dentro da biblioteca fluía de forma diferente.
Mais devagar.
Mas afastei o pensamento e voltei minha atenção para o caderno.
As provas estavam à porta, e eu precisava manter o foco.
O tempo passou sem que percebêssemos. Entre explicações e revisões, fomos trocando dicas, ajudando um ao outro a consolidar o que havíamos aprendido.
— Então, se você aplicar essa estrutura aqui… — Yuki começou, apontando para um trecho no livro.
Segui seu raciocínio por alguns segundos até que, de repente, tudo fez sentido.
— Ah! Agora entendi! — exclamei, sentindo aquele pequeno estalo de compreensão.
Ela sorriu de leve e voltou a escrever algumas anotações no caderno. Aproveitei o momento de silêncio para desviar o olhar para a janela. O céu lá fora já estava tingido por tons alaranjados, anunciando o fim da tarde.
No dia seguinte, as provas finais começariam. Seria meu último esforço antes de, finalmente, poder me dedicar totalmente aos refinamentos do manuscrito.
Mas, naquele instante, sentado ao lado dela, ouvindo o som tranquilo do lápis riscando o papel, nada parecia mais importante do que aquele momento.
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