Capítulo 70: Refinamentos
O quarto estava mergulhado em silêncio, interrompido apenas pelo som suave do vento batendo contra a janela. A luz fraca da lâmpada iluminava a mesa à minha frente, onde uma bagunça gigante de papéis se acumulava.
Anotações rabiscadas, folhas cheias de correções e comentários ocupavam cada espaço disponível. No centro de tudo, repousava meu manuscrito — não apenas um monte de páginas, mas o reflexo de muitas semanas de trabalho árduo.
Respirei fundo, olhando as observações de Shihei mais uma vez. Eu já havia iniciado os refinamentos alguns dias antes, ajustando trechos aqui e ali, mas naquele instante, sem as provas para desviar meu foco, podia finalmente mergulhar nisso por completo.
Peguei uma das folhas e a encarei por alguns segundos, antes de ler um comentário que já havia lido anteriormente:
“O protagonista toma essa decisão rápido demais. Uma hesitação antes seria mais realista, não acha?”
Meu olhar seguiu até o trecho marcado no manuscrito. Era um dos momentos cruciais da história, e também uma cena que seria mostrada na revista, onde tudo precisava ter peso e impacto. Eu queria que fosse forte, decisivo…
Mas talvez tivesse me precipitado.
Segurei o lápis entre os dedos, deslizando a ponta sobre o papel enquanto riscava algumas palavras, tentando ajustar o fluxo da cena. Mas, conforme lia e relia, percebia que algo ainda não encaixava direito.
Adicionar uma simples linha de hesitação não parecia suficiente.
Encostei as costas na cadeira, soltando um longo suspiro.
— Se eu só colocar um pensamento antes da decisão, será que já melhora…? — murmurei para mim mesmo, batendo a ponta do lápis contra o papel.
Ainda parecia forçado. Muito forçado.
Eu tentava remendar, mas a cena continuava sem o peso necessário. Algo nela parecia superficial, como se faltasse uma camada a mais de profundidade. Fechei os olhos por um instante, tentando visualizar o momento dentro da história.
O que faria o protagonista hesitar?
O que estava realmente em jogo ali?
E então, a resposta veio no mesmo instante.
Talvez o problema não fosse apenas a hesitação do protagonista… mas a razão pela qual ele hesitava.
O pensamento me atingiu como um estalo, e antes que escapasse da minha mente, me inclinei rapidamente sobre a mesa, pegando o lápis novamente.
Comecei a reescrever, novamente.
O tempo passou sem que eu percebesse. A cada ajuste, a cena começava a ganhar forma de maneira mais orgânica. As reações pareciam mais reais, o impacto da decisão se tornava mais forte.
Palavras eram trocadas, diálogos ajustados, descrições refinadas. Algumas frases fluíam com naturalidade, enquanto outras… exigiam tentativa e erro, sendo escritas e reescritas até encontrarem o tom certo.
Em um momento, um pequeno sorriso surgiu em meu rosto ao perceber como uma simples mudança no ritmo transformava completamente a dinâmica da cena.
Em outro, senti um aperto no peito ao perceber que teria que cortar um trecho que gostava — um que havia escrito com carinho, mas que, infelizmente, não acrescentava nada à narrativa.
“Se algo não contribui para a história, precisa sair.”
As palavras de Shihei ecoavam na minha mente enquanto o lápis deslizava pelo papel, riscando mais um parágrafo.
Encostei as costas na cadeira, sentindo os músculos tensos depois de tanto tempo curvado sobre a mesa. Peguei o celular e olhei o horário. Já era tarde. Do lado de fora, o céu escurecia aos poucos, pintado pelos tons escuros da noite que chegava.
Mas, pela primeira vez, o cansaço não pesava tanto. Pelo contrário. O manuscrito à minha frente começava a tomar uma forma que, tempos atrás, eu sequer imaginava ser possível. Cada ajuste, cada polimento, trazia a história para mais perto da melhor versão que ela poderia ser.
Soltei um suspiro leve, apoiando os braços sobre a mesa, e então um pensamento surgiu, inesperado, mas inevitável.
O que viria depois?
“Já pensou em começar a planejar uma nova obra?”
Shihei havia mencionado isso durante a última reunião. Eu deveria pensar além daquele manuscrito, além da publicação do meu trecho na revista.
Ele queria que eu começasse a enxergar um futuro como escritor.
Mas eu nunca tinha parado para pensar nisso de verdade.
Para mim, a ideia de simplesmente chegar até ali já parecia algo distante demais meses atrás. A editora, o concurso, a revista, o editor Shihei, os refinamentos, o processo de tornar aquela história real… tudo aquilo ainda parecia um pouco surreal.
Mas, pela primeira vez, meu olhar começava a ir além.
Fragmentos de cenas aleatórias surgiam na minha mente. Personagens sem rostos, frases soltas, momentos que ainda não tinham um destino definido. Pequenas visões do que, talvez, só talvez, pudesse se tornar uma nova história.
Quem sabe?
Talvez era cedo para tomar qualquer decisão sobre o futuro. Mas, diferente de antes, a ideia de seguir em frente, de talvez escrever algo novo depois dessa história, já não parecia tão distante assim.
Soltei um suspiro longo e me estiquei novamente na cadeira. Precisava de uma pequena pausa antes de continuar.
Me levantei e fui até a cozinha. O cheiro suave de café da tarde flutuava no ar, e minha mãe estava ao lado da mesa, organizando algumas coisas. Assim que me viu, lançou um olhar rápido na minha direção e sorriu.
— Trabalhando duro de novo?
Peguei um copo e o enchi com café antes de responder:
— Sim. Tenho uma reunião em breve e preciso terminar isso logo.
Ela assentiu, mas cruzou os braços, inclinando a cabeça de leve.
— Isso é ótimo, mas você também precisa descansar, sabia? Trabalhar duro é importante, mas exagerar pode acabar te desgastando…
Levei o copo aos lábios, sentindo o calor reconfortante do café, enquanto pensava sobre suas palavras. Talvez ela estivesse certa. Os dias intensos de estudo estavam atrás de mim. Talvez eu realmente merecesse um descanso, nem que fosse por um tempo.
Mas, antes que pudesse pensar mais sobre aquilo, senti meu celular vibrar no bolso. Peguei o aparelho e vi o nome de Seiji na tela.
Atendi, já prevendo o motivo da ligação.
— E aí, Shin! — a voz animada dele soou do outro lado. — Tá ocupado agora?
— Sim, e é algo importante — respondi, levando o copo de café até a boca.
— Tsk. Ah, qual é! — Seiji resmungou, soltando um suspiro exagerado. — Tô com mó tédio. Pensei em jogar um pouco, mas o Rin disse que tá ocupado também…
Soltei uma risada baixa, já imaginando a expressão frustrada dele do outro lado.
— Foi mal, mas eu também tô ocupado. Preciso terminar isso logo…
— …Todo mundo ocupado hoje. Fala sério…
Por um instante, achei que ele fosse continuar reclamando, mas, de repente, sua voz ganhou um novo tom, mais animado.
— Ah! Isso me lembra! — ele exclamou, seu humor mudando rapidamente. — As provas já acabaram, então a gente vai sair no fim de semana! Você lembra, né?
Parei por um momento, deixando as palavras de Seiji ecoarem na minha mente. Ele tinha razão. Precisávamos fazer isso logo, antes que não houvesse mais tempo para descanso.
Com o fim das provas, o Festival Escolar se tornava a próxima grande preocupação. Os corredores da escola logo estariam cheios de conversas sobre preparativos, ideias e execuções.
Nossa turma ainda não havia decidido exatamente o que faria, mas era certo que na próxima aula isso seria um dos principais assuntos.
E, qualquer que fosse a decisão, significaria… mais trabalho.
Decoração, organização, ensaios se fosse algo performático, planejamento se fosse algo interativo… tudo exigiria tempo e esforço de todos.
E, claro, provavelmente algumas discussões no meio do caminho.
Já me sentia cansado antes mesmo dos trabalhos do Festival ter sequer começado…
No mesmo instante, me lembrei do que minha mãe havia dito. Nos últimos dias, tudo que fiz foi estudar e refinar, ocasionalmente, meu manuscrito, sem dar espaço para mais nada.
Um respiro, antes da tempestade de preparativos que o Festival Escolar traria, parecia uma ótima ideia naquele momento.
— Sim… já tenho algo em mente também.
Seiji ficou em silêncio por um segundo, claramente surpreso.
— O quê?! Tá falando sério?
— Claro que tô — respondi, rindo.
— Não acredito… finalmente, cara! — Ele riu. — Então é isso! A gente se fala depois.
A ligação terminou, e fiquei ali por um instante, olhando para o celular. As palavras de Seiji apenas reforçaram o que minha mãe já havia dito.
Eu realmente precisava de uma pausa.
Mas, antes disso, ainda havia algo que eu precisava terminar.
Respirei fundo, guardei o celular no bolso e voltei para o quarto, sentindo uma estranha mistura de cansaço e determinação.
Sentei-me à mesa, encarando as páginas espalhadas diante de mim. Meu manuscrito já não parecia mais um rascunho inacabado, mas sim algo ainda mais próximo da sua melhor versão. Algo que eu iria sentir ainda mais orgulho em apresentar
Peguei o celular novamente, e abri a conversa com Shihei. Sua última mensagem ainda brilhava na tela.
“Então, já terminou? Espero que sim. Me encontre amanhã, se possível!”
Com um pequeno sorriso, digitei minha resposta:
“Estou quase lá. Só mais alguns ajustes.”
Enviei a mensagem e deixei o celular de lado.
No dia seguinte, eu estaria na editora para discutir o futuro daquela história. O que antes parecia um sonho distante, estava acontecendo bem diante dos meus olhos.
Mas, por enquanto, havia apenas o som do lápis riscando o papel, as palavras se encaixando aos poucos, e a certeza de que, a cada ajuste, meu trabalho se aproximava daquilo que sempre deveria ser.
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