Índice de Capítulo

    O silêncio do meu quarto era quebrado apenas pelo som baixo da minha respiração, lenta e constante. As sombras pareciam paradas no lugar, e o peso do sono ainda me mantinha preso à cama, relutante em me mover.

    Foi então que a campainha cortou toda aquela tranquilidade.

    Uma vez.

    Duas vezes.

    Fiquei deitado, tentando ignorar. Mas ela não parou, insistente, como um despertador que se recusa a ser desligado. Soltei um resmungo, afundando o rosto no travesseiro. Quem seria capaz de incomodar tanto num domingo de manhã?

    A campainha continuava, impiedosa.

    — Tá bom, já vou… — murmurei, arrastando-me para fora da cama com passos pesados.

    Bocejei enquanto descia as escadas, ainda meio tonto. Quando abri a porta, esfregando os olhos, fui recebido por um… sorriso radiante.

    — Bom dia, Shin! — Seiji exclamou, cheio de energia, como se fosse o dia mais empolgante do ano.

    Pisquei devagar, enquanto os raios de sol tocavam meu rosto com um calor suave.

    — Seiji? O que você tá fazendo aqui tão cedo?

    Ele arqueou uma sobrancelha, incrédulo com o que tinha acabado de ouvir.

    — Cedo? São onze da manhã! Já tá quase na hora de almoçar…

    Fiquei paralisado por um instante, enquanto tentava assimilar aquelas palavras. Era fim de semana, por quê eu iria acordar cedo?

    — …E daí? É domingo.

    Seiji cruzou os braços, balançando a cabeça com uma risada.

    — Você disse que tinha um lugar em mente pra gente ir. — Seu olhar afiado me analisava como se estivesse prestes a me dar uma bronca. — Não me diga que esqueceu que a gente ia sair…

    Foi então que a lembrança do dia anterior me atingiu com a força de um raio.

    — Ah… é verdade — murmurei, deixando escapar um suspiro longo enquanto meu ombro relaxava contra a quina da porta.

    — Você esqueceu, né? — Ele inclinou a cabeça, os olhos semicerrados carregados de desconfiança.

    — Claro que não… — respondi, coçando a nuca e soltando uma pequena risada forçada.

    Seiji bufou, balançando a cabeça em decepção.

    — Inacreditável…

    Abri a porta um pouco mais, o rangido leve preenchendo o silêncio, e fiz um gesto com a mão pra ele entrar.

    — Espera aí um pouco. Vou me arrumar.

    — Beleza! — Ele entrou sem hesitar, jogando-se no sofá.

    Enquanto eu mexia na cozinha, o cheiro forte do café subindo da cafeteira e o leve barulho da colher contra o copo ecoavam pelo ambiente, Seiji estava completamente jogado no sofá. Uma perna balançava sem parar, batendo no ar com a impaciência de quem mal podia esperar pra sair.

    — Ei… sabe se a Kaori vem também? — perguntou, a voz ecoando da sala com um tom curioso.

    — Não faço ideia — respondi, levando o copo aos lábios e sentindo o calor do café aquecer minha garganta antes de continuar. — Liga pra ela.

    Ele pegou o celular do bolso com um movimento rápido, os dedos deslizando pela tela enquanto discava. O som do toque ecoou algumas vezes, cortando o silêncio, mas ninguém atendeu. Seiji franziu a testa, a sobrancelha subindo em uma mistura de confusão e leve irritação.

    — Estranho… — murmurou, encarando a tela.

    Dei outro gole no café, me trazendo um pouco mais de clareza, antes de responder com um tom mais casual:

    — Ela deve que ainda tá dormindo, não me surpreenderia…

    Seiji soltou uma risada, cruzando os braços.

    — Aposto que tá babando no travesseiro enquanto a gente tá aqui planejando o dia — disse, o sorriso crescendo como se ele pudesse visualizar a cena com perfeição.

    Ri baixo, a imagem da Kaori desmaiada na cama, com os cabelos bagunçados e um fio de baba escorrendo, surgindo tão clara na minha mente que quase parecia real. Peguei minha mochila do canto, enquanto checava se estava com tudo, e caminhei até a porta.

    — Vamos tentar chamar ela direto? — sugeri, já sentindo o ar fresco da manhã entrando pela fresta.

    Saímos e caminhamos até a casa de Kaori ao lado.

    — É meio estranho, né? — ele começou, perguntando.

    — Hm? O que é estranho?

    — Tipo… você e a Kaori serem vizinhos.

    — Ah… sim. Não faz tanto tempo que também descobri isso também. Nunca achei que ela morasse por aqui.

    Seiji mostrou um olhar malicioso no mesmo instante, fazendo minha espinha se arrepiar.

    — Vocês devem passar bastante tempo juntos, né? Será que…

    — Cala a boca e aperta logo — interrompi, batendo de leve na cabeça dele.

    Ele apertou a campainha com um toque firme, cortando o silêncio da vizinhança.

    Esperamos, o vento balançando as folhas das árvores ao redor. Nada. Ele apertou de novo, insistente, o dedo quase afundando no botão. Silêncio absoluto.

    Seiji soltou um suspiro exagerado.

    — Hibernação confirmada — declarou, a voz carregada de uma indignação fingida.

    Balancei a cabeça, uma risada escapando.

    — Bom, acho que vamos ter que ir sem ela, não é? — falei, ajustando a mochila no ombro.

    — Que desperdício… — Seiji resmungou, os olhos brilhando com uma ideia travessa. — A gente podia ter trazido uma buzina pra acordar ela de uma vez.

    Ignorei a sugestão absurda dele, já me virando pra continuar o caminho.

    — Anda, vamos pegar o Rintarou — disse, deixando o comentário maluco de Seiji flutuar no ar atrás de mim.

    Quando chegamos à casa dele, Rintarou já estava pronto, parado na porta com uma pochete no ombro. Sua irmã mais nova apareceu atrás dele, espiando curiosa.

    — Vai sair, Rin?

    — Sim, vou almoçar fora. Volto mais tarde.

    Antes de sair, ele bagunçou os cabelos dela de leve, recebendo um resmungo em resposta. Então, virou-se para nós.

    — Então, vamos?

    — Finalmente! — Seiji jogou os braços pro alto, o movimento bem exagerado.

    Começamos a andar pelas ruas movimentadas, o burburinho das conversas e o som abafado de passos enchendo o ar. O sol brilhava forte no céu, aquecendo as calçadas da cidade que começava a acordar.

    Seiji, como sempre, tomou a frente da conversa, a voz com mais energia do que o habitual.

    — Ei, Shin, agora pode falar pra onde a gente tá indo, né!?

    Dei um sorriso pequeno, quase escondido, decidido a manter o mistério por mais um tempinho.

    — Calma aí. Vocês vão ver logo.

    Seiji virou o rosto pra mim, os olhos arregalados de indignação.

    — Cara, você sabe que eu odeio surpresas! — reclamou, a voz subindo.

    Rintarou lançou um olhar de lado, o canto da boca se curvando num sorriso discreto.

    — Você gosta de qualquer coisa, desde que tenha comida envolvida, Seiji — disse, o tom seco cortando o drama de Seiji.

    — Exatamente por isso que eu detesto surpresas! E se não tiver comida, hein? O que eu faço?! — Seiji cruzou os braços com força, bufando dramaticamente.

    Eu e Rintarou trocamos um olhar antes de rirmos, o som abafado pelo barulho da rua. Seiji fingiu uma cara de ofendido, mas os ombros dele tremiam de leve, traindo o riso que ele tentava segurar.

    Após mais conversas triviais, chegamos à estação e entramos no trem. O vagão estava cheio, mas conseguimos um lugar perto da porta, onde dava para ficar de pé sem nos apertarmos muito.

    — Só uma dica, por favor! — Seiji continuou insistindo, inclinando-se para o meu lado, como se estivesse tentando arrancar a informação de mim.

    — Relaxa, tenho certeza que você vai gostar — respondi, distraído, enquanto observava a paisagem passar rápido pela janela.

    — Hm, a gente tá indo até… ou então para… — Seiji começou, tentando adivinhar o local.

    A viagem foi mais curta do que o esperado. Quando descemos na nossa parada, seguimos por algumas ruas tranquilas até que, ao virar uma esquina, aquilo apareceu à nossa frente.

    Era um shopping enorme, recém-construído, com uma fachada cheia de telas gigantes que exibiam propagandas vibrantes. A luz do sol batia no vidro da entrada, refletindo um brilho que quase cegava, enquanto pessoas entravam e saíam sem parar.

    — Bem-vindos ao nosso destino! — falei, com um sorriso discreto.

    Seiji arregalou os olhos, e eu quase conseguia ver o brilho de empolgação surgindo neles.

    — Cara, isso é…

    Até mesmo Rintarou observava o shopping com um pequeno sorriso de canto.

    — Nunca tinha ouvido falar desse shopping aqui, é novo? — Rintarou perguntou, enquanto olhava para a multidão de pessoas entrando e saindo.

    — Sim. Esse shopping foi construído recentemente — comecei a explicar, enquanto observava as vitrines reluzentes e a movimentação constante das pessoas. — Tem um monte de lojas e coisas diferentes pra gente experimentar que a gente não tá acostumado.

    Seiji abriu um sorriso de orelha a orelha.

    — Então o que estamos esperando?! Vamos entrar logo! — Ele praticamente disparou na frente, sem nem olhar para trás.

    Assim que cruzamos a entrada, fomos imediatamente recebidos por um ambiente vibrante e barulhento. O teto alto e as luzes modernas davam ao shopping um ar sofisticado, enquanto dezenas de lojas chamavam atenção de todos que passavam por ali.

    Mas foi justamente um fliperama, logo ao lado, que prendeu a atenção de Seiji.

    — Olha isso! — Ele apontou, empolgado. — Esse fliperama é totalmente diferente do nosso!

    As máquinas piscavam com luzes coloridas, exibindo sons chamativos que preenchiam o espaço. Havia jogos novos, simuladores de corrida com assentos realistas e até uma área de realidade virtual.

    — Isso… isso é um paraíso — Seiji declarou, segurando o próprio rosto como se estivesse diante de algo de outro mundo. Bom, talvez realmente fosse já que não tinham essas coisas na nossa cidade…

    Seu olhar foi imediatamente atraído por um dos simuladores de realidade virtual. Ele praticamente se jogou na frente do jogo, pegando um dos visores.

    — Eu vou nisso!

    Ri e logo o acompanhei. Ao colocar o visor, a tela escureceu por um instante antes de sermos transportados para outro mundo. A imersão era total — cada movimento parecia real, como se estivéssemos dentro do jogo.

    Seiji gritava e se debatia como se estivesse lutando pela própria vida. Eu tentava manter o equilíbrio, mas a jogabilidade era mais intensa do que parecia.

    Rintarou, que preferiu algo mais clássico, jogava tranquilamente um jogo de estratégia enquanto nos observava de canto.

    Após vários minutos de adrenalina pura, tirei o visor e pisquei algumas vezes para me readaptar à realidade. Seiji, por outro lado, balançou a cabeça, como se estivesse saindo de um transe.

    — Uau… aquilo foi incrível!

    Rintarou olhou para ele com um olhar levemente divertido.

    — Pareceu incrível mesmo. Você quase caiu no chão umas três vezes.

    Seiji riu, ainda meio tonto.

    — Você tinha que experimentar também! Era impossível não cair pra trás!

    Rintarou apenas ergueu a sobrancelha, cruzando os braços.

    — Passo. Prefiro sair daqui com o equilíbrio intacto.

    Eu e Seiji rimos, enquanto ele tentava se recompor. Saímos do fliperama ainda comentando sobre os jogos e continuamos andando pelo shopping.

    O ambiente era amplo e movimentado, cheias de novidades. Foi então que passamos por um café com uma estética vintage, janelas grandes revelando um interior aconchegante, com móveis de madeira escura e uma iluminação suave.

    Rintarou desacelerou o passo e olhou para a fachada, claramente interessado.

    — Vamos parar aqui?

    Seiji e eu trocamos olhares e concordamos com um aceno. O lugar parecia agradável, e o cheiro de café recém-passado também era tentador.

    Assim que entramos, o clima acolhedor ficou ainda mais evidente. Algumas estantes ao fundo continham livros à disposição dos clientes, e o menu oferecia não apenas cafés, mas também uma variedade de lanches e sobremesas que pareciam tão bons quanto sofisticados.

    Seiji foi o primeiro a pegar o cardápio e, sem nem pensar muito, já começou a apontar.

    — Quero essa torta… — ele disse, enquanto a atendente anotava o pedido rapidamente. — Também esse Smoothie… e, hm… talvez um daqueles…

    Ergui uma sobrancelha.

    — Ei, você sabe que a gente ainda vai almoçar depois, né?

    Seiji deu de ombros e bateu de leve na própria barriga.

    — Relaxa, cara! Tenho espaço de sobra.

    — Você diz isso agora… — Rintarou murmurou.

    O pedido chegou, e enquanto eu e Rintarou comíamos algo leve, Seiji devorava a torta como se não houvesse amanhã. Quando finalmente terminou, pegou o copo da bebida gigante e deu um longo gole.

    Alguns minutos depois, ele parou, encarando o copo quase vazio com uma expressão de arrependimento.

    — Cara… acho que devia ter te ouvido. Essa bebida era muito grande pra mim — disse, colocando a mão na barriga com um suspiro sofrido.

    Rintarou apenas olhou para ele, impassível, enquanto eu segurava o riso.

    — Não adianta reclamar agora, você foi avisado…

    Não consegui evitar de rir. A cena de Seiji derrotado pelo próprio exagero era sempre engraçada, não importava quantas vezes acontecesse.

    Depois que terminamos no café, guiei os dois pelo shopping, subindo até o andar superior. Lá, uma tela enorme brilhava atrás das portas de vidro do cinema.

    — Vamos ver alguma coisa? — perguntei, apontando para a entrada.

    Rintarou deu uma olhada nos cartazes, analisando as opções, enquanto Seiji coçava a cabeça, indeciso.

    — O que tem de bom? Nem lembro de ter visto trailer de nada interessante ultimamente.

    — Esse aqui — apontei para um cartaz chamativo de um filme de aventura que tinha acabado de estrear.

    Os dois olharam por um momento e concordaram com um aceno. Compramos os ingressos e, claro, Seiji não perdeu tempo. Mal saímos da bilheteria, ele já estava na fila da concessionária, pedindo comida. Como ele conseguia?

    — Um balde grande de pipoca, por favor! — pediu, animado, como se não tivesse acabado de passar mal por causa da bebida gigante que tomou minutos antes.

    Entramos na sala e, assim que nos sentamos, Seiji já estava com a mão enfiada no balde de pipoca, mastigando alto, mesmo no meio das propagandas.

    O filme durou cerca de duas horas. Quando as luzes se acenderam, me espreguicei na cadeira, sentindo os ombros estalarem levemente.

    — Cara… esse filme foi péssimo — murmurou Seiji, se esticando como se tivesse acabado de acordar de um longo sono.

    Olhei para ele, rindo.

    — Você dormiu o filme todo. Como sabe que foi ruim? — cobri a boca com a mão, segurando a risada. — Você até se babou.

    — Hã!? Isso é mentira! Eu vi tudo! — Ele olhou para a camisa, como se procurasse provas. — E eu não babei!

    Rintarou, que até então só observava a cena em silêncio, cruzou os braços com um olhar levemente divertido.

    — Ah, é? Então conta o que aconteceu no final.

    Seiji abriu a boca para responder, mas parou no meio do caminho. Seus olhos se estreitaram, como se estivesse tentando puxar alguma memória que simplesmente não existia.

    — Bom, no final eles… é…

    Eu e Rintarou trocamos olhares e começamos a rir.

    — Você não faz ideia, né? — provoquei, ainda rindo.

    Seiji bufou, virando o rosto para o lado.

    — Tanto faz! Aposto que foi horrível mesmo!

    — Claro, claro — Rintarou comentou, irônico. — Horrível ao ponto de te fazer dormir.

    Seiji resmungou algo inaudível, enquanto eu continuava rindo da situação.

    Enquanto caminhávamos pelo shopping em direção a uma loja de roupas, passando pela movimentação agitada das pessoas, Seiji quebrou o silêncio com um comentário casual.

    — Ei. — ele começou, sem olhar pra trás.

    — Hm? O que foi, Seiji? — perguntei.

    Seiji então parou, olhou para nós atrás e sorriu.

    — A gente devia fazer isso mais vezes.

    Rintarou, como sempre contido, olhou de relance para ele e assentiu levemente.

    Continuei andando ao lado deles, observando a cena ao nosso redor. O brilho das telas, o eco das conversas e risadas de desconhecidos, o cheiro de comida vindo da praça de alimentação.

    Tudo parecia tão comum, mas, ao mesmo tempo, tão… significativo.

    O Festival Escolar estava logo ali. Em poucos dias, estaríamos atolados com os preparativos, preocupações e responsabilidades.

    Mas, naquele instante, nada disso importava.

    Olhei para Seiji, que seguia à frente, empolgado como sempre, e depois para Rintarou, que mantinha seu olhar tranquilo habitual. Senti um pequeno sorriso surgir no meu rosto.

    — Sim… a gente devia.

    E, por enquanto, aquele momento era tudo o que importava.

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