Capítulo 76: O Roteiro da Peça
A luz da manhã atravessava a janela da sala do Clube de Literatura, espalhando uma luz suave sobre as estantes cheias de livros e a mesa redonda onde eu, Rintarou, Mai e Taro estávamos sentados.
Papéis em branco estavam misturados com os cadernos abertos diante de nós, acompanhados por algumas canetas pela mesa e a fumaça de um copo de chá que Mai tinha trazido da sala dos professores. Do corredor, vinham sons abafados — passos apressados, vozes animadas, o barulho distante da banda do Clube de Música ensaiando.
A escola inteira parecia vibrar com os preparativos para o Festival Escolar.
Rintarou ajustou os óculos, olhando pra uma folha em branco como se ela fosse responder sozinha.
— Então… “Branca de Neve” — começou ele, a voz calma, mas com um tom de quem sabia que a tarefa não ia ser simples. — Por onde começamos?
Taro, que normalmente apenas dormia no clube, estava ao redor da mesa, mas pronto para ajudar também.
— Pelo começo, óbvio. A Rainha Má olhando pro espelho, né?
Mai franziu a testa, folheando um livro de contos antigos que trouxe pra referência. O papel já estava gasto nas bordas de tanto ela mexer.
— Sim, mas não dá pra deixar igual ao original — disse ela, parando numa página amarelada. — Tem que ter algo nosso, ou vai ficar chato pra todo mundo…
Peguei meu caderno, sentindo o peso leve dele nas mãos enquanto olhava pras linhas vazias. Escrever um roteiro não era tão diferente assim de uma história, mas saber que a Yuki e a Sasaki iriam usar aquilo no palco… parecia que tinha mais gente olhando para o que a gente escrevia do que o normal.
— Talvez a Rainha Má possa ser mais engraçada do que o normal — sugeri, rabiscando uma ideia solta no canto da página. — Tipo… ela fica tentando penteados ridículos pra se achar mais bonita que a Branca de Neve, ou algo do tipo.
— Isso parece bom. E o espelho podia zoar ela de volta, algo como, “Desculpa, Majestade, mas esse laço tá horrendo.” — Taro murmurou baixo, enquanto Mai quase cuspiu o chá.
Rintarou levantou uma sobrancelha, mas um leve sorriso surgiu no canto da boca dele enquanto anotava.
— Uma Rainha Má cômica… pode funcionar — disse ele, a voz seca. — A Yuki e a Sasaki já vão carregar o drama da peça, então um pouco de humor no começo ajuda a equilibrar no geral.
Mai assentiu, ainda com os olhos no livro.
— Mas a gente precisa decidir como ela vai envenenar a maçã — apontou ela, séria. — Não pode ser só “aqui, toma uma maçã”. Tem que ter um motivo pra Branca de Neve aceitar.
— Não é só dizer que é um presente importante? — sugeri, coçando a nuca. — Tipo, “Trouxe isso do pomar real, experimenta”.
— Isso parece muito óbvio, teríamos que adicionar um motivo melhor… — Taro murmurou, a cabeça apoiada nos braços, a caneta quase escorregando da mão.
— É só teatro, Taro — retrucou Mai, revirando os olhos, mas com um sorriso contido. — Não precisamos complicar tudo, um pequeno motivo já é suficiente.
Rintarou rabiscou mais algumas linhas, pensativo.
— Certo. A Rainha Má engraçada, o espelho sarcástico, e a maçã como um presente falso. Tá começando a parecer uma peça de verdade.
Enquanto discutíamos, o resto da turma já tinha se espalhado pela escola e além. Durante o intervalo, ouvi Seiji junto de Akira e outros, gritando no corredor sobre ir para as lojas do bairro comprar materiais pros cenários, tábuas de madeira, latas de tinta e alguns rolos de tecido barato que alguém disse que “dá pro gasto”.
O som das risadas deles e uma discussão alta sobre se o castelo devia ser cinza ou marrom ainda ecoava na minha cabeça. Aiko também tinha passado na sala mais cedo, o caderno dela cheio de esboços rabiscados com lápis coloridos.
— A Yuki vai ficar perfeita de Branca de Neve, e a Sasaki também — disse ela, os olhos brilhando enquanto segurava um desenho de um vestido extravagante. — O Clube de Costura já tá medindo elas!
Eu só assenti, tentando não pensar muito em ver a Yuki num vestido de princesa, enquanto desviava o olhar.
Sabia que se pensasse muito nisso eu não conseguiria mais focar no roteiro.
Continuamos focando nas ideias para a peça após isso.
O sol já estava mais baixo quando a porta da sala se abriu devagar, rangendo levemente. Kaori entrou, os ombros caídos e os cabelos bagunçados caindo sobre o rosto. Ela parecia completamente derrotada.
A mochila escorregou do ombro dela e caiu no chão fazendo barulho, ela deu um chute leve nela antes de se jogar numa cadeira vazia perto da janela.
— Mai… me dá um pouco desse chá, por favor — murmurou ela, a voz rouca de quem tava no limite. — Eu tô morrendo por causa da minha turma.
Mai ergueu uma sobrancelha, sem tirar os olhos do livro.
— O Maid Café? — perguntou, quase como se já soubesse a resposta. Kaori assentiu, esfregando os olhos com as costas da mão.
— Os garotos não param de discutir sobre os uniformes e as comidas — disse ela, o tom carregado de desgosto. — E ainda tenho que ajudar a montar mesas, lixar tudo… Tudo isso pra usar uma saia idiota no final! — Ela deixou a cabeça cair na mesa, o som abafado do impacto ecoando pela sala.
Taro ergueu a cabeça dos braços levemente, enquanto bocejava.
— Pelo menos… vocês vão atrair um monte de gente — disse, coçando a nuca.
— …Isso não me deixa feliz — resmungou ela, esticando o braço pra pegar o copo de chá da Mai. Deu um gole longo e deixou a cabeça cair de novo.
Rintarou ajustou os óculos, ignorando o drama dela como se fosse só algo normal do dia a dia.
— Onde o Takumi anda? — perguntou, a caneta ainda na mão. Kaori bufou, afundando ainda mais na cadeira.
— Não sei. Acho que ele tá fazendo uma casa assombrada com a turma dele? Ou é… — Ela fez um gesto vago com a mão, os olhos quase fechados. — Tô cansada demais pra lembrar… me deixa descansar em paz agora.
Olhei pra ela, segurando um riso enquanto rabiscava outra linha no caderno. Se o Maid Café já estava deixando a Kaori nesse estado, a nossa turma teria que dar o nosso melhor para competir com eles.
No fim da tarde, a porta se abriu de novo. Dessa vez, era Yuki, o uniforme um pouco amassado de tanto correr entre as tarefas de representante, mas ainda com aquele ar calmo que parecia segurar tudo no lugar.
Mesmo que ela fosse a protagonista, da peça ainda tinha que cumprir com seus papéis de representante enquanto o roteiro não estivesse pronto.
Sasaki vinha logo atrás dela, andando timidamente com as mãos atrás das costas, os olhos baixos como se quisesse evitar chamar muita atenção.
— Olá, pessoal. Como tá indo o roteiro? — perguntou Yuki, inclinando a cabeça com um sorriso curioso enquanto espiava os papéis bagunçados na mesa.
Levantei o caderno, mostrando as primeiras páginas cheias de anotações tortas e riscadas.
— Não muito ainda, mas tá começando a tomar forma — respondi, apontando pra uma linha rabiscada. — A Rainha Má vai ser mais engraçada do que má, por enquanto.
— Engraçada? Hmmm, isso parece ótimo! — ela respondeu, o sorriso dela virando na minha direção, suave o bastante pra fazer meu coração errar uma batida por um instante.
Sasaki ergueu o olhar por um instante, parecendo hesitar antes de falar num tom baixo.
— Já… tem algo sobre o príncipe?
Rintarou ajustou os óculos, folheando calmamente as anotações à sua frente.
— Não muito. Ainda estamos pensando nisso. Por enquanto, estamos ainda pensando nas cenas da Rainha Má.
Yuki esfregou o braço com um gesto tímido, o sorriso dela ficando um pouco mais nervoso.
— Espero que não tenha muita coisa difícil… Ainda não sei como vou desmaiar direito…
Taro, largado na cadeira com os olhos semicerrados, deu um bocejo antes de murmurar algo.
— Só precisa cair de lado e fingir que dormiu…
A voz dele saiu tão arrastada que parecia estar cochilando no meio da frase. Mai revirou os olhos, sem nem levantar a cabeça do livro, e esticou o braço pra dar um tapa leve no braço dele.
— Não ajuda desse jeito, Taro — retrucou ela, mas um sorriso pequeno escapou mesmo assim.
Kaori, ainda jogada na cadeira toda derrotada, soltou um suspiro longo que parecia carregar todo o peso do festival.
— Isso parece bom… — murmurou, a voz abafada contra a mesa. — Enquanto isso, vou estar servindo chá pra um monte de idiotas enquanto vocês fingem dormir no palco.
Yuki riu baixo, o som leve tentando puxar o clima pra cima.
— Pelo menos os figurinos da Aiko vão ficar bonitos. Ela disse que o vestido não deve demorar muito para ser feito.
Kaori ergueu a cabeça só o bastante pra lançar um olhar azedo, os olhos semicerrados de exaustão.
— …Que incrível. Enquanto isso, eu vou estar tropeçando numa saia que os garotos escolheram.
— Parece que a gente tá competindo pra ver quem sofre mais no festival — falei, rindo levemente enquanto olhava pra o roteiro.
— E parece que eu tô ganhando…! — Kaori respondeu, bufando alto.
A sala caiu em risadas abafadas. Sasaki ficou quieta, mas um leve sorriso torto surgiu no rosto dela enquanto observava a confusão.
Peguei meu caderno, sentindo o cansaço do dia pesar nos ombros, mas com uma pontada de animação ainda dentro do peito. Olhei pela janela. O céu estava iluminado de tons rosa e laranja, o sol descendo bem lentamente de trás dos prédios fora da escola.
A turma ainda corria para algumas lojas do bairro, carregando tábuas e latas de tinta, enquanto o Clube de Costura pegava as medidas e cortava tecidos, e nós tentávamos dar vida à Branca de Neve com palavras rabiscadas.
Era só o começo — um dia cheio de ideias soltas, discussões e um roteiro que ainda precisava de muito trabalho. Muito mesmo…
Mas, olhando para as páginas na minha frente e ouvindo as risadas da sala, dava pra sentir o Festival Escolar ganhando forma, pedaço por pedaço.
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