Capítulo 80: O Festival Escolar
O despertador tocou, mas eu já estava acordado havia um tempo, só encarando o teto do quarto. A luz do sol passava pelas frestas da cortina, iluminando as paredes. Uma mistura inquietante de ansiedade e empolgação já começava a surgir em mim.
O dia do Festival Escolar havia chegado.
Rolei pro lado e sentei na beira da cama, os pés tocando o chão gelado. Não era só mais um dia qualquer.
Tinha algo diferente no ar… e não era só o nervosismo.
Me levantei devagar, ajeitando o cabelo no espelho. A camisa do uniforme já me esperava, pendurada na cadeira. Vesti rápido, tentando não pensar demais na peça da nossa turma.
Enquanto descia as escadas, o cheiro familiar de café e torrada já vinha da cozinha.
— Bom dia, Shin — chamou minha mãe, sentada à mesa, cortando uma maçã. Hana, com um laço no cabelo, balançava as pernas animadamente na cadeira.
— Bom dia — murmurei, pegando uma xícara no armário.
Ainda meio tonto de sono, me sentei enquanto Hana me observava com os olhos brilhando.
— É hoje o festival, né? — perguntou ela, apontando a maçã como se fosse uma varinha. — Vai ter castelo? E princesas?
— Castelo vai ter. — Dei um gole no café. — Princesas… mais ou menos?
Minha mãe riu, limpando as mãos no avental.
— Você tá nervoso, não é? — disse ela, com aquele tom que só mãe consegue ter. — Vai dar tudo certo. Eu e a Hana vamos lá te ver.
— Sério? — levantei os olhos, enquanto bebia mais do café. — Que bom.
Hana bateu palmas, empolgada.
— Quero ver o Shin no palco! — gritou ela, tão alto que quase derrubei a xícara da mão.
— Ah, desculpa. Eu não vou subir no palco, Hana — falei, rindo apesar da tensão. — Só ajudei a escrever o roteiro da peça.
— Mesmo assim… — disse minha mãe, sorrindo — A gente vai estar torcendo pela sua turma.
Terminei o café, conferi o horário e peguei a mochila. Já estava na hora de ir. Minha mãe e Hana saíram comigo até o portão, o ar da manhã ainda fresco, com aquele silêncio típico da cidade que ainda estava se levantando.
— Boa sorte, Shin! — gritou Hana, acenando com força enquanto a mãe estava ao lado dela, tentando conter a animação.
— Já vou indo — respondi, sorrindo e devolvendo o aceno. — Vejo vocês lá.
Segui sozinho pela rua, e, logo na esquina, vi Seiji e Rintarou encostados em um muro, me esperando.
Seiji girava uma garrafa de água na mão, o cabelo penteado de uma forma que não combinava com ele, enquanto Rintarou mantinha sua expressão calma de sempre.
— Shin! — chamou Seiji, erguendo a garrafa. — Preparado pra hoje?
— Um pouco — respondi, dando uma risada leve. — Que penteado é esse…?
— Gostou? Incrível, né!? Mas, cara… Eu só quero saber das barracas de comida — disse ele, já animado. — Bolinhos de polvo, panquecas, waffles, espetinhos… Isso sim é festival!
— Você vai comer o dia inteiro, é isso? — murmurou Rintarou, ajustando os óculos.
— Parece que sim… — falei, rindo.
Seguimos juntos, caminhando e conversando sobre algo qualquer. E então, mesmo antes de ver os portões, já dava pra sentir: o som das músicas no ar, o som das vozes, risadas, passos.
Quando passamos pelo portão principal, o Festival Escolar já tinha tomado conta de tudo.
O pátio, que no dia anterior era só tinta, madeira e correria, tinha se transformado em um local cheio de vida.
As barracas coloridas se enfileiravam de um lado ao outro, o cheiro de espetinho, algodão-doce e panquecas, e outras comidas já estavam no ar, misturado ao som de risadas e músicas vindas de salas que foram transformadas em atrações.
Alunos circulavam por todo lado, alguns com os uniformes impecáveis, outros em fantasias improvisadas, e vários com crachás de funcionários do próprio estande.
Entre eles, passavam pais, irmãos mais novos, gente de fora, todos com celulares na mão e olhos curiosos, fotografando cada detalhe.
Eu caminhava com Akira, Seiji e Rintarou, tentando não ser arrastado pela multidão. O sol da manhã era forte, mas uma brisa constante agitava as faixas presas às janelas e dava um ar de festa à escola inteira.
— Cara, olha isso! — Akira apontou pra uma barraca com argolas e garrafas, os olhos brilhando. — Aposto que acerto todas!
— Você? — Seiji bufou, ajeitando a bolsa no ombro. — Certeza que vai errar todas e ainda vai culpar alguém…
— Hã!? Quer apostar então? Perdedor paga bolinho de polvo! — desafiou Akira, já sacando a carteira como se tivesse certeza da vitória dele.
Rintarou soltou uma risada baixa, empurrando os óculos de volta pro lugar.
— Vocês dois vão acabar sem dinheiro antes do almoço… — comentou, mas já os seguia, como se nem tentasse resistir.
Fiquei um pouco pra trás, observando tudo.
Num lugar, uma turma vendia crepes com papel colorido ao redor. Do outro lado, alunos desenhavam caricaturas com filas se formando na porta. Crianças corriam com balões, tropeçando nos próprios passos. Um grupo de garotas tirava selfies ao lado de alguém com uma fantasia qualquer.
Era como se a escola tivesse se transformado num lugar novo, maior, mais leve, mais cheio de vida.
E isso era só o começo do dia.
— Ei, Shin, tá sonhando? — Akira me cutucou. — Vem tentar a sorte, quero ver se é melhor que o Seiji!
— Passo — respondi, rindo. — Prefiro guardar meu dinheiro pra comida.
E foi o que fiz…
Enquanto Akira errava todas as tentativas, e, como previsto, culpava Seiji por distrair ele, seguimos para uma barraca de macarrão frito. O cheiro de molho quente e cebola fritando era forte o bastante para deixar qualquer um com fome.
Mal cheirei e já senti a barriga roncar.
Nós sentamos em banquinhos improvisados, e Seiji nos entregou os pratos com um sorriso de quem não ia perder a chance de provocar.
— Cara, sério… como você errou todas? — disse ele, comendo rapidamente. — Até minha avó acertaria uma…
— Tsc. Cala a boca! — Akira resmungou, mas não segurou o riso. Jogou uma bolinha de massa em direção a Seiji, que desviou e riu dele.
Rintarou só balançou a cabeça, mastigando devagar.
— Se a peça de hoje for tão organizada quanto vocês dois, com certeza não vamos ganhar — murmurou, mas havia sinal de um pequeno sorriso no canto da boca.
Dei uma risada fraca. A comida estava ótima, mas meu estômago já começava a apertar por outro motivo.
A peça era só de tarde, mas só de pensar na apresentação, no palco… na Yuki vestida como Branca de Neve, minha cabeça começava a girar.
— Falando nisso… — Seiji disse, com um sorriso travesso surgindo no rosto. — Quero passar no Maid Café da Kaori! Disseram que tá lotado de gente…
— Maid Café… é uma pena que foi a turma dela que conseguiu fazer isso… — Akira suspirou, provavelmente ainda triste que a ideia dele não venceu.
Quando ele ia deixar essa ideia ir embora? Não, de verdade.
— Uma pena mesmo — concordou Seiji, limpando a boca com o guardanapo. — Mas não é por isso que vamos deixar de ir!
— Vamos então? — falei, me levantando junto com eles.
O Maid Café da turma da Kaori ficava num canto do prédio principal, com algumas cortinas rosa nas janelas e cartazes cheios de corações espalhados pela porta. A fila do lado de fora já era enorme.
— Cara, essa fila é brincadeira… — Akira murmurou, encarando a quantidade de gente à nossa frente. — Eu falei! A gente devia ter feito um Maid Café! Mas não! Ninguém me escuta!
— A essa altura nem dá pra reclamar — disse Seiji, suspirando. — Só resta aceitar que a turma dela já venceu essa…
Depois de alguns minutos, que pareciam horas com o calor e a ansiedade, finalmente conseguimos entrar.
O ambiente era um caos: garotas com uniformes de empregada correndo de um lado pro outro, vozes altas, o barulho de xícaras e pratos, um cheiro doce de bolo no ar… e muitas, muitas risadas.
Nos sentamos em uma mesa no canto, ainda observando a decoração da sala, quando Kaori apareceu com um bloco de anotações na mão.
O uniforme de empregada com a saia, avental e laço ficava tão estranho quanto, de algum jeito, também ficava bem nela. As bochechas dela estavam coradas, e o olhar, dividido entre irritação e constrangimento.
— Shin!? Pessoal!? O que vocês tão fazendo aqui?! — perguntou, a voz meio incrédula. — Não tinham outro lugar pra gastar o dinheiro de vocês!?
— Estamos com fome — respondeu Rintarou, virando as páginas do cardápio com uma calma quase provocativa. — E, claro, pura curiosidade.
— Mesmo que a gente tenha acabado de comer… — Seiji murmurou baixo.
— Curiosidade, é? — Kaori bufou, cruzando os braços com o bloquinho ainda na mão. — Tá, vão pedir alguma coisa ou só vieram rir de mim?
— Calma, vamos pedir, sim…— falei, tentando não rir. — Mas, sério, Kaori… esse uniforme meio que combinou com você. Você ficou fofa nele.
As palavras saíram antes que eu pudesse pensar direito. E assim que saíram, percebi.
O silêncio que seguiu foi rápido, mas desconfortável.
Kaori piscou. O rosto dela ficou ainda mais vermelho, e por um momento, ela desviou os olhos, murmurando algo que soou como um “obrigada” baixo demais pra ter certeza.

Mas logo se recuperou.
— Cala a boca, Shin! — disse, batendo de leve no meu ombro. — Pedidos. Agora.
— Um chá gelado e uma fatia de bolo de chocolate — disse Rintarou, ainda folheando o menu.
— Omelete com arroz, por favor — falei, tentando ignorar o calor no rosto desde o meu comentário anterior.
Kaori bufou, anotando os outros pedidos com rapidez, e girou, indo até a cozinha enquanto o vestido balançava atrás dela. Assim que ela desapareceu atrás da cortina, Rintarou abaixou o cardápio e me lançou um olhar breve.
— Você… é bem cruel às vezes, sabia?
— Hm? — franzi a testa, confuso. — Do que você tá falando?
Ele só suspirou e voltou os olhos para o cardápio.
— Nada. Esquece.
A comida chegou rápido. O prato da Rintarou era bonito, o bolo de chocolate brilhando sob a luz suave daquela sala. O meu omelete tinha um coração de ketchup no meio, que parecia ter sido desenhado com cuidado.
Comemos entre risadas. Akira, claro, derrubou batata no colo e fingiu que foi de propósito, enquanto Seiji contava, mais uma vez, como quase ganhou um prêmio na barraca de pesca.
Embora, pelo jeito, ele não tivesse acertado nem uma vez. Só ficou no quase mesmo.
O Maid Café estava cheio, mas por um instante, o barulho ao redor parecia distante.
Era apenas nós, rindo, comendo, conversando, como se todo o nervosismo do festival tivesse tirado um tempo pra respirar junto da gente.
Quando saímos, o sol estava mais alto no céu, e o som do festival parecia ainda mais vivo. Akira já estava puxando Seiji pra outra atração, provavelmente algum outro jogo, enquanto Rintarou seguia com aquele passo calmo.
Eu ia atrás, mas a multidão tinha outros planos. Um grupo de alunos passou correndo, carregando balões e gritando algo sobre um sorteio, e, num piscar de olhos, eu fiquei sozinho, separado dos outros pela aquela multidão.
— Ótimo… — suspirei, olhando ao redor. Decidi andar um pouco, sem rumo certo, só pra ver onde meus pés me levavam.
Passei por uma sala com música alta, onde vários alunos cantavam. Mais adiante, vinha um cheiro de crepe, mas com uma fila gigante atrás.
Enquanto caminhava, acabei notando uma cabana meio escondida num canto do corredor.
“Hm?”
Uma mesa simples, coberta com um pano roxo, uma bola de cristal brilhando sob uma lâmpada fraca e um cartaz torto que dizia “Vidência: Conheça Seu Futuro!”.
Um aluno estava sentado ali, acenando pra quem passava, com um sorriso meio exagerado.
— Ei, você aí! Quer saber o que o destino tem guardado pra você? — ele chamou, apontando pra mim.
Hesitei, coçando a nuca. Mas o corredor estava cheio, e eu não tinha nada melhor pra fazer no momento. Dei um passo à frente, e só então percebi quem era.
— Hã!? Takeshi? — perguntei, franzindo a testa. — O que você tá fazendo aqui!?
Ele riu, ajeitando uma capa preta que provavelmente pegou do clube de teatro.
— Tô ajudando um amigo que foi almoçar — disse, sentando atrás da mesa com um ar meio misterioso. — E aí, Shin, quer que eu leia sua sorte? É de graça… ou quase.
— Hã… tá — murmurei, olhando pra bola de cristal. Parecia mais um enfeite de loja barata do que algo místico. Obviamente. — Isso funciona mesmo?
— Só existe um jeito de descobrir! — respondeu ele, com um sorriso brincalhão e desafiador.
Acabei por sentar na cadeira à frente da mesa, sentindo os olhares curiosos de alguns alunos que passavam. Takeshi esfregou as mãos, como se fosse um vidente de verdade e apontou pra bola.
— Coloca a mão aqui — disse, sério de um jeito que não combinava nada com ele.
Suspirei, mas obedeci, pousando a mão na superfície fria da bola. Takeshi colocou as dele ao redor, fechando os olhos e fazendo uns sons… bem esquisitos.
— Hmmm… Ohhhh… Ah! — ele dizia, enquanto eu tentava ao máximo segurar a risada, mas acabei falhando.
Mas então, de repente, a cara dele mudou. As sobrancelhas se franziram, e ele abriu os olhos, arregalados, com um tremor que parecia de medo puro.
Takeshi era realmente bom atuando…
— O que foi? — perguntei, meio rindo, meio confuso. — Tá tudo bem?
— Uma revelação… — sussurrou ele, limpando a garganta como se fosse realmente anunciar algo que ele viu na bola mágica dele. — Shin… você será provado. Em breve.
— Hm? Provado? — repeti, erguendo uma sobrancelha. — Consegue ser mais específico?
Takeshi coçou a nuca, o ar sério caindo um pouco.
— É, eu… tipo, também não sei direito — admitiu, rindo baixo. Mas logo seu semblante mudou. — Ah! Mas espera, tem mais!
Ele fechou os olhos de novo, voltando para aqueles sons, enquanto balançava a cabeça como se a bola realmente falasse com ele. Então, parou de novo, o rosto bem sério, quase assustador sob aquela luz fraca.
— Outra visão — disse, olhando direto pra mim. — Você vai ter que fazer uma decisão. Uma decisão muito importante. E logo.
Por algum motivo, aquelas palavras me fizeram congelar no lugar.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.