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    Algo estava errado.

    O auditório tava pesado, como se o ar tivesse sumido. A plateia murmurava, um murmúrio que parecia crescer a cada segundo. As palavras do apresentador, “Um momento, pessoal!”, ainda rondavam minha cabeça, junto com aquele “O que fazemos agora!?” abafado que vazou das cortinas pelo microfone.

    Meu estômago continuava afundando, preso em algo que eu nem conseguia explicar. Levantei dos assentos sem nem perceber, as pernas meio tremendo, como se algo me puxasse pro palco.

    — O que você vai fazer? — perguntou Rintarou, a voz baixa. Ele ajustou os óculos, me encarando como se tentasse ler o que eu estava pensando.

    — Não sei — murmurei, encarando as cortinas fechadas. — Só… preciso ver o que tá acontecendo.

    Akira se inclinou no banco, franzindo a testa.

    — Quer que eu vá junto?

    — Não precisa. Só vou dar uma olhada.

    Segui pelo corredor. O som dos meus passos afundava no carpete velho, e por um instante, tive a impressão de que todos os olhos do auditório estavam virados pra mim.

    Talvez fosse verdade. Talvez fosse só minha cabeça.

    Mas nada disso importava naquele instante.

    Passei pelo apresentador, que tinha uma expressão de alguém que queria sumir dali. Não parei, e empurrei a cortina com o ombro.

    O que encontrei atrás do palco foi… puro caos.

    Cabos no chão, caixas abertas, figurinos espalhados. Alunos corriam de um lado pro outro, esbarrando uns nos outros, tentando resolver coisas ao mesmo tempo. O castelo, com suas torres meio tortas, aquelas mesmas que a gente tinha rido tanto pintando, tremia enquanto dois alunos tentavam mantê-lo de pé.

    — Não dá pra começar assim!

    — Cadê a maçã, gente!? A maçã, caceta!

    — Não dá pra acreditar nisso! Alguém viu ela!?

    — Cadê meu traje!? Ei! Tão me ouvindo!?

    Fui andando por entre a correria, desviando de alguns alunos. Foi então que avistei Kazuki, encostado numa pilha de cadeiras, com o celular na mão e uma expressão que misturava um tipo de calma e frustração. Me aproximei dele.

    — Kazuki! — chamei, meio ofegante. — O que tá acontecendo?

    Ele levantou os olhos da tela, demorando um segundo para olhar em mim. De alguma forma, ele parecia exausto… e desapontado.

    — É… complicado, Shin.

    Antes que ele pudesse dizer mais, Yumi apareceu do nada, segurando um pedaço de um figurino.

    — Complicado!? — ela exclamou, as mãos gesticulando mais do que as palavras. — Isso é um desastre! A peça já era!

    A peça… já era? Como assim?

    — Calma, Yumi — disse Aiko, surgindo logo atrás, tentando manter o equilíbrio com um figurino de anão. — Gritar agora não resolve nada…

    — Gritar!? — Yumi girou de volta pra ela. — Você já viu o relógio!? Temos tipo… cinco minutos! No máximo! Já éramos pra estar começando!

    Olhei em volta, ainda sem entender o que exatamente tinha virado esse caos todo. O cenário estava ali. Os figurinos, também. Os adereços… quase.

    Então o que tinha acontecido?

    — Espera aí — falei, erguendo as mãos, tentando cortar a confusão. — Alguém me explica qual é o problema de verdade?

    O barulho não sumiu, mas caiu completamente. Um segundo de hesitação pairou no ar. Todos pareceram trocar olhares, como se esperassem que alguém tivesse coragem de contar. Kazuki mordeu o lábio. Yumi apertou o tecido nas mãos. Aiko baixou os olhos.

    Até quem ainda corria parou ou desacelerou. Os passos diminuíram, e aos poucos, olhares começaram a se voltar pra mim.

    Não era mais confusão… era expectativa.

    Foi então que Takeshi surgiu, com um cinto de espada enrolado no braço, provavelmente esquecido pela turma da peça anterior. Ele olhou direto pra mim.

    — A Sasaki… — começou, a voz mais baixa do que o habitual. — Ela… desapareceu.

    “Hã?”

    Eu congelei no mesmo instante.

    Aquelas palavras foram como um estalo na cara. Um segundo atrás, tudo era pressa e desorganização.

    E naquele momento… o ar parecia mais… frio, de alguma forma.

    — Que!? Desapareceu? — repeti, com dificuldade. — Como assim “desapareceu”!?

    — Ela não tá aqui, Shin! — Yumi explodiu ainda mais, o desespero era notável. — Não tá no camarim, não tá no corredor, não tá na sala, não tá em lugar nenhum! A gente já procurou por toda parte!

    — Alguém viu ela hoje? No festival? Em alguma barraca? Em algum lugar? — perguntei, sentindo o coração acelerar como se eu fosse correr mesmo parado.

    — Eu vi… — disse Aiko, hesitante. — Hoje de manhã, ela passou por uma das barracas. Tava sozinha… e meio estranha. Não falou nada, só pegou a comida e desapareceu.

    Meu estômago deu um nó ainda maior.

    Aquela pequena sensação que me perseguia desde o dia anterior, o jeito mais calado que o normal, mencionado pela Aiko, o ensaio que ela não apareceu, o olhar distante… tudo fazia sentido.

    Como se tudo estivesse ali o tempo todo, e eu só não tivesse ligado os pontos.

    Que merda.

    — A gente… precisa continuar procurando — falei, já girando o corpo em direção à saída. — Não tem como fazer isso sem ela!

    Mas uma mão firme agarrou meu braço.

    Takeshi.

    O olhar dele era sério, firme.

    — Não dá mais tempo, Shin! A peça é agora. A plateia tá esperando.

    — Mas a Sasaki…

    — Eu vou procurar de novo! — interrompeu Kazuki, já guardando o celular no bolso. Ele ajeitou a jaqueta com um gesto decidido, os olhos rápidos. — Pode deixar comigo, eu vou achar ela!

    — Kazuki…

    — Fica aqui. — Ele me cortou de novo, mas a voz não era dura, mas firme. — Você… precisa pensar numa solução.

    — Eu? — repeti, sem entender. — Solução? Mas eu…

    Kazuki não esperou muito mais. Deu um aceno curto e saiu correndo pelo corredor, desaparecendo totalmente. Fiquei ali, com o braço ainda meio levantado, cercado por colegas que esperavam algo.

    Algo de mim…?

    Mas a verdade era que eu não tinha a mínima ideia do que fazer.

    — Solução… — murmurei, o cérebro girando em algo que pudesse ser útil.

    Tentei pensar. Sasaki. Tinha acontecido algo de grave com ela? Ou… ela poderia estar evitando a peça?

    A imagem dela, sozinha em algum canto da escola, passou pela minha cabeça rapidamente, e deixou um aperto no peito.

    Mas nem deu tempo de organizar os pensamentos direito.

    Um garoto surgiu correndo, direto pra lateral do palco, onde o apresentador ainda segurava o microfone com uma expressão de desespero. O garoto cochichou algo rápido, apontando pros bastidores. Depois de uma breve troca de gestos, ele voltou com o rosto iluminado por uma ideia que parecia vitória pra gente.

    — Consegui! — anunciou, ainda ofegante. — Convenci o apresentador a inverter a ordem! A turma 3-B vai antes da gente. Ganhamos… uns dez minutos.

    — Dez minutos!? — exclamou Aiko, quase derrubando o chapéu de anão que já parecia grande demais. — Isso não dá pra nada…

    — É o que a gente tem! — rebateu Yumi, se virando pra mim. — Shin, pensa em alguma coisa. Qualquer coisa!

    Engoli em seco, o som do relógio martelando na cabeça. Olhei ao redor. O caos já estava mais contido, não resolvido, mas parado no tempo.

    Yuki estava num canto, ajustando o vestido branco de Branca de Neve, o rosto concentrado enquanto murmurava falas. Os anões ensaiavam alguma entrada, sussurrando os diálogos. A rainha encarava o próprio véu e o castelo… ainda estava de pé, pronto.

    Mas o príncipe… não estava ali.

    — A gente tem tudo pronto — murmurou Takeshi, como se estivesse completando meu pensamento. — Tudo… menos o principal.

    — O príncipe… — murmurou Aiko, os olhos arregalados. — Ah! É isso!

    — Hã? Isso o quê? Teve alguma ideia, Aiko? — perguntei, franzindo a testa, esperançoso e… preocupado ao mesmo tempo.

    — Precisamos de alguém pra ser o príncipe — ela disse, olhando pro chão. — Um garoto. Que conheça o roteiro. Que saiba as falas, ou pelo menos parte delas.

    — Certo, mas quem? — murmurou Mai, quase em desespero. — Ah! O Rintarou sabe!

    — Mas não dá tempo pra gente trazer ele aqui agora! — alguém respondeu. — Então…

    O silêncio que veio depois foi pesado. Denso.

    E então, como se tivessem ensaiado, todos viraram a cabeça ao mesmo tempo. Na minha direção.

    Eu conseguia… sentir.

    Não, não, não.

    O que estava prestes a acontecer não era algo que eu pudesse fazer.

    Sem chance mesmo!

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