Capítulo 90: Depois da Tempestade
Ponto de Vista de Shin
A luz da manhã entrava pelas janelas abertas, iluminando o chão. Ventava um pouco, fazendo com que as folhas presas no mural do fundo mexessem levemente, e o professor falava com uma voz lenta.
O habitual.
Metade da turma copiava do quadro, e a outra metade desenhava no canto da página ou mexia no celular escondido do professor.
Depois do festival, a escola parecia… suspensa, de alguma forma. Como se estivesse entre uma coisa e outra.
As provas tinham acabado, os corredores estavam mais calmos. Não havia mais aquele ritmo intenso de montar barracas, salas temáticas ou decorar falas. Só o silêncio típico de depois de uma tempestade.
E, enquanto estava distraído em pensamentos do tipo, ouvi uma risada, baixa, abafada, vinda do canto direito da sala.
Yumi cochichava com Sasaki.
Sasaki, sentada no mesmo lugar de sempre, mas… diferente naquele momento.
Ela ainda parecia tímida, com o corpo um pouco curvado, os olhos evitando os mais diretos. Mas ela sorria.
Às vezes até ria… de verdade.
De vez em quando, a via andar com algumas comidas junto do grupo de Yumi, Mina e algumas outras garotas pela escola.
Claro, não era uma transformação gigante, mas era alguma coisa. E, no fim, era isso que importava.
Eu ainda não sabia o que exatamente tinha acontecido naquele dia. Ela pediu desculpas. Chorou. A turma… a acolheu.
Mas, alguma parte em mim sabia que tinha mais por trás daquilo tudo. Algo que talvez ela nunca fosse contar.
Algo que não precisava ser contado também.
Nem todo mundo consegue colocar em palavras o que sente de verdade.
— Ei. Você tá quieto hoje — murmurou Seiji, do meu lado, apoiando a cabeça nos braços cruzados sobre a mesa. — Tá pensando no que?
— Nada em específico… — respondi, mexendo na tampa da minha caneta.
Ele seguiu meu olhar, olhando para Sasaki, e então soltou um suspiro curto.
— Pensando nela?
— Não, é só que… — interrompi, suspirando. — Sim, um pouco…
Ele me olhou por um segundo, e voltou o olhar para Sasaki.
— Normal, a turma toda também tá pensando nisso. — Seiji levantou a cabeça lentamente.
Deveria ser o normal mesmo. Ninguém conseguiria esquecer de algo… como aquilo, em tão pouco tempo.
— O que você acha que aconteceu com ela antes da peça? — perguntei, olhando pra mesa onde as garotas estavam.
— Não faço ideia, só sei que aquela cena da Sasaki foi tensa… Mas sei lá. Ela parece diferente agora, não acha?
“Diferente?”
— Hã? Diferente como?
— Tipo… mais leve? Não se explicar, mas é como se tivesse saído de um lugar escuro, sabe?
Olhei de novo na direção dela, olhando com olhos de olhar.
Ela conversava com Yumi e desenhava alguma coisa no canto da folha. Talvez só estivesse distraída. Mas havia algo no jeito que ela segurava o lápis, no jeito que ouvia o que falavam, no jeito que… estava ali, com as garotas, que fazia realmente parecer que algo tinha mudado.
— É — murmurei. — Parece mesmo.
— Espero que continue assim — disse ele, se levantando, e indo até a mesa do Takeshi. — Porque nem todo mundo consegue voltar depois de sumir daquele jeito.
Fiquei em silêncio, refletindo. As palavras dele ficaram ecoando mais do que deviam.
O sinal soou, aquele som alto e conhecido que anunciava o intervalo. As cadeiras arrastaram lentamente pelo chão, misturadas com conversas baixas e o vento que atravessava as janelas abertas.
Peguei a mochila com uma das alças pendurada no ombro e fui até a mesa do Takeshi. Ele já estava lá, com Rintarou organizando os livros com a mesma calma de sempre, e Seiji apoiado de lado, com cara de quem já estava pensando em comida antes mesmo do sinal tocar.
— Toda vez vocês pegam o último pão doce… — Rintarou resmungou, alinhando os cadernos com um suspiro. — Parece que nunca comeram um na vida.
— Ei, ei! Vai com calma aí — respondeu Seiji, com aquele tom exagerado de sempre. — Pão doce é tipo… a melhor coisa já feita. Se você não corre por ele, não merece comer! Não é, Akira?
Takeshi riu, já se levantando.
— Você só quer uma desculpa pra sair correndo pelo corredor — comentou, abrindo espaço na porta.
— Ah, Takeshi… — Seiji colocou a mão no peito, teatral. — Você não entende mesmo…
— Então me explica — disse Takeshi, virando com os braços cruzados. — Vai, tô curioso. Conta o que a gente não entende.
— Claro. Tudo faz parte do meu plano de treino! — respondeu ele, erguendo o braço e exibindo os músculos. — Meus treinos pros jogos nacionais começam logo! Preciso estar em forma ou o treinador me mata…
— Nacionais? — repeti, parando sem pensar.
Ele assentiu com um sorriso de canto, e o tom de brincadeira saiu um pouco da voz.
— É. Nosso time vai jogar contra escolas de Tóquio e de outras cidades grandes. Vai ter técnico, olheiro, um monte de gente importante assistindo. É algo muito importante!
Rintarou cruzou os braços, pensativo.
— Competições nacionais são puxadas. A pressão sobe muito fácil, sabe disso, não é?
— Que isso, Rin! — Seiji passou um braço ao redor de mim e do Rintarou. — A gente vai com tudo. Só não podemos deixar o pão doce acabar antes!
Eles seguiram em direção à porta, e eu fiquei um pouco atrás. Foi ali que a palavra ficou pendurada no ar. Então, a ficha caiu e tudo se ligou.
Nacionais.
Competições.
Atletismo.
Yuki.
A lembrança veio rápida. O momento na minha casa, o sofá, a voz dela meio baixa, meio confiante, e aquela promessa que fiz sem pensar muito… mas com o coração.
“Então eu vou! Pode contar com isso.”
Meu peito apertou no mesmo instante. Tinha me esquecido, não de propósito, claro, mas com o peso do festival, das provas finais, da correria do manuscrito da nova história, aquela promessa acabou ficando… um pouco esquecida
Mas no momento estava ali, clara e forte. Eu precisava falar com ela o mais rápido possível, não podia deixar aquilo passar.
Mas outra coisa começou a pesar na minha mente.
Quando seria o dia certo?
Se eu bem me lembrava, ela apenas tinha dito que seria alguns dias depois das provas, mas não tinha especificado a data…
O que eu deveria fazer? Procurar ela? Ligar para ela?
“Nem dá…”
Algo me impedia de fazer isso imediatamente.
O problema era que, já fazia algum tempo desde que tínhamos falado normalmente, desde o momento nos bastidores. Depois do festival, tudo ficou… meio estranho, talvez.
Não no sentido ruim, mas também não como antes.
Talvez o motivo fosse o acidente no palco, ou o…
— Shin? — Akira estalou os dedos na minha frente. — Tá me ouvindo?
— Hã? Ah, sim. Só… lembrei de uma coisa.
— Vamos logo! — Seiji exclamou, puxando o grupo.
Seiji saiu puxando o grupo na frente, e logo os passos apressados deles ecoavam pelo corredor, seguidos por uma discussão sobre quem ia comprar o quê primeiro.
Fiquei alguns segundos parado, observando a sala esvaziar aos poucos. Ajeitei minha mochila e andei até a porta devagar, com a cabeça ainda cheia de pensamentos.
Do lado de fora, o corredor já estava tomado pelo som de vozes, pelo cheiro de comida vindo da cantina e pelas risadas soltas no ar.
Mas a única coisa que eu conseguia ouvir era aquela voz na minha lembrança:
“Pode contar com isso.”
E mesmo sem ter enviado nada ainda… eu já sabia que a noite não ia terminar sem eu tentar.
Sem eu cumprir o que prometi.
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