Capítulo 12 - Sequestrado? Não! só assinaram meu OnlyFans
Quintus estava tendo uma manhã tranquila, daquele tipo que costuma vir antes de terremotos ou declarações de falência. Lia o bilhete com a mesma despreocupação de quem confere um cupom de desconto, até absorver a segunda metade da mensagem como quem morde uma pimenta pensando que era morango.
O papel tremulou em suas mãos. Por um nanosegundo, considerou amassar tudo e fingir que era analfabeto, mas o dano já estava consumado com a velocidade de uma fofoca atravessando grupo de família no WhatsApp.
“Meu Deus, onde foi que eu me meti?”
Seu cérebro travou igual caixa eletrônico em dia de pagamento, cuspindo recibo sem dinheiro. O quarto luxuoso ao redor transformou-se numa armadilha claustrofóbica, as paredes pareciam ter assinado um contrato para se aproximarem, e até o ar decidiu cobrar pedágio para entrar nos seus pulmões.
A verdade caiu sobre ele com a delicadeza de um caminhão de melancia fazendo curva sem freio, escorregou pela espinha e espatifou-se no estômago com pedaços e calda grudando em tudo que é canto da consciência.
“Onde é que eu tô?” — pensou, com o desespero de quem acorda no meio do desfile da São Paulo Fashion Week vestindo camiseta do posto de gasolina.
O medo cresceu exponencialmente quando releu a última frase do bilhete: “logo retorno para nosso encontro.”
Um calafrio percorreu-lhe o corpo como uma corrente elétrica em circuito defeituoso. Aquilo não era um tchau, era um ‘volte sempre’ escrito por alguém que claramente não entendia o conceito de consentimento.
Quintus piscou primeiro devagar, depois com a frequência de um estroboscópio em festa rave, como se pudesse resetar a realidade através de força bruta ocular. Infelizmente, o universo não funcionava como um videogame de antigamente.
O quarto luxuoso continuava existindo com sua insolência decorativa, e o roupão rosa se agarrava a ele como um epitáfio vestível, elegante e absurdo, lembrando que talvez o velho Quintus tivesse morrido em algum momento entre um apagão e o outro.
O bilhete dançava em suas mãos suadas, suas pupilas dilataram num estalo instintivo, e sua mente embriagada berrava alertas de emergência com a histeria de um sistema de segurança defeituoso. Foi quando o pânico finalmente venceu a paralisia por nocaute técnico.
— QUE PORRA É ESSA?!
O desespero floresceu em seu peito como uma planta carnívora faminta. Sua mente girava como um hamster dopado numa roda enferrujada, tentando reconstruir os destroços da noite anterior. Bebidas… Risadas suspeitas… Alguma genialidade questionável do Gustavo… Mais bebidas… E então, o vazio mais completo que sua conta bancária.
Um apagão total. O tipo de esquecimento que só significa duas coisas: ou você dormiu pacificamente em casa, ou cometeu um erro de proporções bíblicas.
E considerando que tinha acordado numa suíte que custava mais que seu apartamento, envolto num roupão cor-de-rosa com ‘Riqueza Interior’ bordado no peito, a segunda opção parecia mais inevitável que mosquitos no verão carioca.
Suas mãos deslizaram pelo tecido felpudo com a cautela de quem explora uma substância pegajosa no escuro. Cada fio do roupão zombava dele com sua maciez acusatória, cada ponto bordado era um lembrete da catástrofe inexplicável que o trouxera até ali.
— Roupão?! — gemeu de confusão, como se estivesse identificando uma espécie alienígena — Eu não estava com isso… Como essa coisa veio parar no meu corpo?!
Seus pulmões inflaram com um pânico que se recusava a ser nomeado. O cérebro tentava organizar os fatos, mas todos os caminhos levavam à mesma conclusão aterrorizante: alguém havia o vestido. Enquanto estava inconsciente. E então, a pergunta que ninguém quer fazer surgiu rastejando como um pesadelo inevitável:
“E O QUE MAIS FOI PARAR NO MEU CORPO?!”
Sua mente operava em modo catástrofe absoluta, conectando tragédias com a eficiência de um detetive paranoico produzindo teorias conspiratórias:
“Sequestro por dívida de cartão? Vendido para exploração no OnlyFans? Golpe do Tinder que pulou direto para lua de mel?” — as possibilidades eram infinitas e todas aterrorizantes.
Foi então que uma lembrança traumática da infância ressurgiu:
“Pior que encontrar um verme na goiaba é perceber que já mastigou metade dele…” — e naquele momento, Quintus estava definitivamente mastigando algo suspeito.
Como se o universo fosse um roteirista sádico, a porta se abriu exatamente quando ele precisava de mais tempo para processar a própria desgraça.
Um homem enorme e loiro entrou, usando o mesmo roupão felpudo cor-de-rosa, como se fossem membros de uma seita muito específica e ligeiramente perturbadora.
O coração de Quintus ameaçou uma fuga desesperada pelas costelas. Sua alma pegou uma senha para reencarnar e sua capacidade de pensamento racional entrou em greve. Tudo que conseguiu formular foi:
“Eu entrei num relacionamento sério sem assinar nada?!”
O sujeito era o tipo de homem que vendia seguros de vida para pessoas que acabava de conhecer: alto, musculoso e perigosamente confiante. Seu sorriso irradiava a energia de quem vendeu curso de day trade no Pix e foi visto pela última vez num camarote open bar em Monte Verde.
O cabelo loiro reluzia como se cada fio tivesse um consultor financeiro particular, provavelmente custando mais que o salário mensal de Quintus. E o toque final? Pantufas de tubarão combinando com o roupão de seda, como se ser milionário significasse se vestir como criança que fugiu do banho, mas com patrimônio suficiente para comprar a banheira inteira.
— Ah, você está acordado! — exclamou, abrindo os braços como se fosse abraçar um parente querido que não via há décadas — Meu querido herói, o destino foi generoso comigo ao trazê-lo para minha vida!
O instinto de sobrevivência de Quintus explodiu como pipoca no micro-ondas. O bilionário tinha uma presença intimidadora, e sua própria sanidade já havia vendido as ações e se aposentado em definitivo.
— EU NÃO SOU SEU PRÊMIO, VELHO TARADO! — berrou, agarrando o lençol como escudo medieval e se arrastando para longe com a dignidade de um caranguejo assustado.
— Velho? — O homem franziu a testa com genuína confusão — Tenho 35 anos e sou personal trainer!
— Merda!
Quintus saltou da cama com agilidade olímpica e correu até a janela, já planejando um rapel cinematográfico com os lençóis. Mas quando olhou para baixo, seus sonhos de fuga se desintegraram mais rápido que suas expectativas de vida.
O quarto ficava tão alto que até os pássaros voavam em classe executiva, olhando para ele com desdém aéreo. E então, como tapa na cara da esperança, notou as grades elegantemente instaladas na janela.
— Parece que você está um pouco confuso!? — disse uma voz suave, carregada de um entusiasmo que só piorava a situação.
Quintus congelou. Virou-se devagar, cada movimento um exercício de autocontrole, como se um gesto errado pudesse detonar uma bomba. E então olhou com mais atenção para o dono da voz e do roupão gêmeo.
Um homem enorme parado ali, com um sorriso satisfeito. Com o tipo de expressão que alguém faz ao encontrar um filhote abandonado e decidir que agora tem um novo bichinho de estimação.
— Confuso?! — explodiu Quintus — Olha, sequestro tem níveis! Porta-malas de carro velho, eu entenderia. Amarrado numa cadeira, ok, clássico. Mas acordar de roupão rosa em lençóis mais caros que minha dignidade, com bilhete enigmático?! Isso é um crime que meu cérebro se recusa a processar!
— Sequestro?! — O homem riu como se tivesse ouvido a piada do século — Nada disso, rapaz! Foi um resgate! Você desmaiou no restaurante e, como bom samaritano, fiz questão de trazê-lo para um lugar seguro!
— E QUE LUGAR É ESSE?!
— Meu… — O bilionário pausou teatralmente, depois abriu os braços como apresentador de prêmios — Quer dizer, nosso humilde lar!
Quintus olhou ao redor com nova perspectiva e, desta vez, não viu luxo. Viu um alerta vermelho piscando na sua cara. Grades nas janelas, botões de emergência estrategicamente posicionados, funcionários vestidos de branco entrando como seguissem um protocolo militar…
Eram muitos. Brancos demais. E então, como se o universo quisesse esfregar a verdade na sua cara, avistou médicos ao fundo segurando pranchetas e o observando como experimento em fase beta.
“Isso não é uma casa. É um spa para lunáticos com pensão completa!”
Antes que pudesse elaborar um novo plano de fuga, alguém materializou-se ao seu lado. A habilidade da mulher de simplesmente aparecer no ambiente era tão absurda que Quintus começou a considerar seriamente que havia reencarnado num mundo onde as leis da física eram meramente sugestões.
A recém-chegada vestia-se com impecabilidade profissional, segurando uma prancheta com a postura de quem já limpou mais confusão do que gostaria. Seu olhar tinha a frieza de uma professora que desistiu de salvar alunos burros e agora só corrige provas por inércia burocrática.
Ela o analisou de cima a baixo com a indiferença de quem avalia um móvel fora do lugar numa sala perfeitamente organizada. Sem dizer palavra, ajeitou as luvas como se preparando para remover uma grande bagunça.
— Vejo que nosso novo hóspede está acordado.
Quintus engoliu em seco pensando:
“Novo hóspede?” — havia um erro colossal aqui, e ele precisava esclarecê-lo antes que as coisas saíssem ainda mais do controle.
— Opa, opa, opa! Hóspede?! Não, moça, eu não fiz check-in aqui! Não assinei nada, não paguei diária, não faço parte deste clube exclusivo! Isso foi um mal-entendido cósmico. Só quero ir embora e fingir que nada disso aconteceu!
A mulher nem piscou diante do surto. Anotou algo na prancheta com a naturalidade de quem já estava acostumada com hóspedes gritando por socorro ao despertar.
— O senhor deseja celebrar sua chegada com bolo de casamento ou valsa?
O mundo parou. O tempo congelou. Até as moléculas de ar suspenderam suas atividades para testemunhar o colapso mental de Quintus em tempo real. Sua mente, já em frangalhos, tentou processar as palavras de forma que fizessem sentido, mas tudo resultou num curto-circuito espetacular.
— Q-quê? — esfregou os olhos como quem tenta trocar o cartucho da própria visão, achando que um reset ocular resolveria a crise existencial.
— Bolo de casamento ou valsa, senhor? — repetiu ela com a calma de quem pergunta se ele quer açúcar no café.
Foi nesse momento que Quintus percebeu que o buraco era mais fundo que a tristeza de um torcedor do Botafogo em outubro. Engasgou no próprio ar, recuando como se ela tivesse perguntado qual método de execução preferia.
— VOCÊS NÃO TINHAM UMA OPÇÃO MENOS LETAL?!
Casamento, na percepção do jovem, sempre fora o primeiro passo para um ciclo de ilusão e ruína financeira. Um evento glorioso que começa com juras de amor eterno e termina com boletos intermináveis, divisão de bens e processos judiciais.
Mas agora parecia que haviam simplificado o processo, eliminando a parte do consentimento e indo direto para o cárcere privado premium.
Quintus voltou a procurar uma saída desesperadamente, mas encontrou apenas funcionários se aproximando como tubarões cercando um barco furado, janelas gradeadas e um bilionário lunático controlando a situação como mestre de cerimônias de um reality show distópico.
— Deixem-no! — interveio o bilionário com magnanimidade suspeita — Uma união não se força… embora, às vezes, precise de um empurrãozinho estratégico.
— ISSO JÁ PASSOU DE TODOS OS LIMITES! EU EXIJO MEU DIREITO DE FUGA! — protestou Quintus com toda a indignação que conseguiu reunir.
— Antes, deixe-me contar as vantagens… — propôs o bilionário com um tom sedutor que só agravava a situação.
Quintus encarou a realidade nua e crua. Nada conspirava a seu favor. Nem as janelas blindadas, nem os funcionários vigilantes, nem o roupão rosa que parecia uma maldição têxtil personalizada. Se a sorte fosse uma pessoa, ela estava definitivamente rindo da sua cara naquele exato momento.
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