Índice de Capítulo

    O bilionário esticou os braços com a confiança de um autointitulado gênio financeiro vendendo um método infalível para a riqueza, o tipo de coisa que começa com promessas de liberdade financeira e termina com você vendendo cosméticos para parentes desesperados.  

    Era óbvio que algo estava errado. Quintus já tinha visto esse tipo de coisa antes: resorts que prometiam luxo e depois cobravam R$ 200 por uma garrafa de água, ou serviços ‘gratuitos’ que vinham com um asterisco maior que a própria oferta.

    E agora, ele estava preso num sequestro cinco estrelas, onde o check-out provavelmente envolvia um contrato vitalício, um pacto de sangue ou uma aquisição de um curso exorbitante sobre iluminação espiritual.

    — Você reencarnou, meu jovem! — anunciou o bilionário sem se importar com a careta que seu interlocutor fazia — E por sorte do destino… Eu posso lhe oferecer o direito ao EXCLUSIVO “Plano Premium de Reencarnação”!

    Ele estendeu as mãos, como se estivesse segurando o próprio destino de Quintus em oferta especial e continuou:

    — Milhões reencarnam sem entender seu propósito! Gastam anos vagando sem rumo, cometendo os mesmos erros! Mas com meu programa, você recebe um direcionamento completo e um caminho iluminado sem ser alvo de risos e descrenças. Além disso, um acompanhamento direto personalizado de um especialista com múltiplas encarnações de experiência neste campo… EU!

    Quintus sentiu um arrepio. Se aquele cara falasse mais um segundo sobre ‘missão divina’, ele tinha certeza de que ouviria algo do tipo: “Só restam duas vagas no plano avançado de reencarnação, e uma delas pode ser sua! Mas tem que decidir agora, ou o universo passa sua chance para outro!” 

    E pelo brilho quase messiânico nos olhos do bilionário, ele parecia pronto para oferecer um ‘bônus exclusivo’, caso confirmasse sua anuência nos próximos três segundos.

    O homem se inclinou para frente com a confiança de quem estava prestes a vender a melhor pílula milagrosa do mercado, o sorriso largo e paciente de um guru que sabe que sua presa já está meio hipnotizada. A voz dele soou quase melodiosa, embalada pelo tom de quem apresentava um produto revolucionário:

    — E o melhor? Você já está dentro! Sem taxas, sem mensalidades, sem aquele chato período de teste gratuito que te obriga a cancelar antes da cobrança!

    — Então… isso não é opcional? — perguntou Quintus com o cérebro processando a enxurrada de promessas com a mesma energia de alguém que acabou de descobrir que foi inscrito numa assinatura vitalícia sem consentimento.

    — Digamos que o universo já cobrou no débito automático. — O bilionário sorriu, cruzando os braços como se estivesse explicando uma verdade universal.

    — E sem esse plano… o que me acontece? — perguntou, hesitante, como quem tenta entender a política de cancelamento de um serviço obscuro.

    — Você continua sendo um zero à esquerda. — O bilionário gesticulou teatralmente — Um mero coadjuvante e fonte de riso na jornada dos outros. Mas, com a minha mentoria, você pode se tornar alguém que realmente importa!

    O guru fez uma pausa estratégica, deixando a última frase no ar, observando a expressão do jovem como um vendedor observando um cliente percebendo que caiu num golpe, mas ainda tentando se convencer de que pode valer a pena.

    Quintus conhecia bem seu histórico. Se havia algo que a vida lhe ensinara, era que a sorte era como uma ex rancorosa: aparecia de repente, fazia promessas doces e, no instante seguinte, lhe dava um tapa na cara. 

    Sempre que parecia que finalmente estava recebendo uma colher de chá do destino, logo percebia que a colher era de metal e vinha direto no olho. Glória e desgraça andavam de mãos dadas no seu caminho, mas, curiosamente, era sempre ele quem tropeçava.

    E agora, diante do homem que se autodenominava seu mentor espiritual, a única certeza que ele tinha era que estava prestes a entrar em um novo nível de desgraça. As opções eram limitadas que passavam em sua mente:

    “Isso é um golpe? Possível. Um trote dos meus amigos canalhas? Também provável.” — reafirmava Quintus mentalmente imaginando que Leon já deveria ter feito até uma enquete virtual com os possíveis desfechos trágicos. 

    “Agora… achar que isso aqui é meu grande bilhete dourado para a riqueza? HA! Nem na melhor das reencarnações.” — concluiu mentalmente Quintus. 

    Ele olhou para o homem à sua frente. Rico demais. Entusiasmado demais. Propagandista de destino demais. Isso não era um bom sinal.

    O bilionário ignorou sua cara de “socorro” e ajeitou o próprio roupão de cetim com a grandiosidade de um rei prestes a anunciar um decreto.

    — Vamos lá, jovem herói, aceite seu destino! — bradou como um pastor televangelista do canal Record pronto para vender uma bênção parcelada em 12x sem juros.

    “Beleza, isso aqui saiu de controle.” — pensava o jovem Maximus, sentindo cada neurônio implorar por um plano decente. 

    “Ok, essa é oficialmente a pior situação da minha vida.” — Quintus pensava, tentando encontrar uma brecha no sistema, avaliando as opções como quem escolhe a menos pior entre tapas na cara e um golpe na costela — “Gritar por socorro? Ninguém nunca vem. Fingir um ataque epilético? Com a minha sorte, eles me entubam. Lutar? Só se eu quiser sair daqui sedado e de fralda.”

    A conclusão era amarga, mas inevitável: aceitar que sua vida agora era um reality show gerenciado por um lunático de roupão rosa.

    — Você ainda não entende, mas sua vida finalmente fará sentido! — continuou o bilionário — Tudo que parece caótico, desconexo e sem propósito… É apenas o universo preparando você para este momento.

    O bilionário vendo a descrença normal que sempre encontrava quando falava de reencarnação, se levantou e começou a caminhar pelo quarto como se estivesse prestes a contar um grande segredo.

    — Esse é o seu destino! Não se foge do destino! — proclamou o bilionário, semelhante a alguém que acredita que volume de voz equivale a argumento.

    — Meu destino? — Quintus bufou, passando a mão no rosto — Meu destino era só sair pra jantar e não acordar num sanatório, vestido pra uma despedida de solteira do Ken!

    — Isso é resistência ao chamado da sua missão. Um clássico. — disse o bilionário, balançando a cabeça percebendo que seu escolhido ainda não entendeu a grandiosidade da própria jornada.

    — Não, isso é resistência ao sequestro mesmo! — corrigiu Quintus.

    O bilionário apenas sorriu, paciente, como quem lida com uma criança que insiste que pode viver de sorvete e videogame. E continuou:

    — Ah, você está confuso… Mostre a ele! — ordenou o bilionário dando o proximo passo, certo de que estava prestes a derrubar qualquer resistência enquanto um enfermeiro materializava-se ao lado deles segurando um tablet.

    O enfermeiro deslizou o dedo na tela e virou o aparelho para Quintus. O vídeo começou a rodar, e a primeira coisa que chamou sua atenção foi o chapéu de cangaceiro autêntico na sua própria cabeça. Ninguém fazia ideia de onde ele tinha conseguido aquilo. Talvez tivesse surgido espontaneamente, invocado pelo puro caos que habitava sua alma. 

    No vídeo, o jovem estava em cima da mesa, com uma postura gloriosa digna do próprio Lampião e um copo de cerveja na mão ao mesmo tempo que discursava:

    — CABRAS DA PESTE! HOJE, VAMOS FAZER HISTÓRIA!

    A câmera tremia violentamente porque Gustavo já não conseguia respirar de tanto rir. Enquanto isso, Quintus apontava um dedo acusador para uma atendente vestida de elfa e rugia em desconexo:

    — VOCÊ AÍ! SERVIÇO LENTO DEMAIS… ELFAS PODEM SER DOMADAS?! MILENA, APROXIME-SE OU SOFRA AS CONSEQUÊNCIAS!

    O restaurante inteiro já assistia à cena como quem vê um incêndio num posto de gasolina sem saberem se aplaudiam a performance ou chamava a polícia. 

    — HOJE, EU DECLARO GUERRA À OPRESSÃO MASCULINA! — gritou Quintus a plenos pulmões. 

    Convencido de que estava prestes a realizar um pouso digno de um guerreiro místico, o jovem saltou da mesa com a graciosidade de um trapezista embriagado… e a precisão de um bêbado que nunca treinou. Para ele, a cadeira era uma elfa, uma montaria sagrada, um destino glorioso. 

    Em sua cabeça, ele estava saltando heroicamente nos braços da irmã de Gustavo, pronto para um momento épico digno de uma lenda. Na realidade, estava apenas se atirando contra um pedaço de madeira sem o menor instinto de autopreservação.

    A cadeira, em um ato de traição, virou no exato momento do pouso. Enquanto seu corpo mergulhava rumo ao colapso total, o jovem se recusou a aceitar a derrota sem lutar. Com um último movimento, sacudiu o guardanapo no ar como um mosqueteiro abatido em sua última estocada, um gesto nobre para um destino vergonhoso.

    — É ISSO QUE AS MULHERES QUEREM! NOS JOGAR NO CHÃO! — berrou Quintus, reanimando-se depois de um silencio que todos acreditavam ter acontecido o pior. ainda tentando levantar-se do chão.

    A plateia ao redor relaxou ao perceber que o jovem sobrevivente não tinha sofrido ferimentos graves… Pelo menos, não físicos. Porque enquanto tentava se reerguer, descobriu que o chão estava mais traiçoeiro que sua própria sorte. 

    Seus pés deslizaram em um movimento lento, quase cômico, e ele foi ao chão novamente. A mesa ao lado explodiu em risadas. Uma mulher, enxugando lágrimas de tanto rir, puxou o celular, decidida a imortalizar o desastre.

    — Quero gravar pro grupo das amigas! — justificou-se a mulher como se a expressão de Quintus exigisse explicação. 

    — EU NÃO SOU ENTRETENIMENTO PARA VOCÊS!

    — E não vou te escutar. Pois… Todo homem, em algum momento, já achou que estava certo sobre algo. E alguma mulher, em algum momento, fez questão de provar que ele estava errado.

    O vídeo continuou enquanto Quintus tentava se levantar, mas escorregava na própria dignidade parecendo se repetir tanto nas quedas como nos pronunciamentos:

    — EU NÃO CAÍ! — repetiu — FUI JOGADO AO CHÃO PELO DESTINO!

    — E o que isso tem a ver com reencarnação?! — perguntou Gustavo querendo complicar mais as coisas para seu amigo.

    — Eu caí! — disse, apoiou-se na cadeira tombada como um profeta pregando sua revelação — E adivinha? O HOMEM NA OUTRA VIDA TAMBÉM CAIU! A gente só reencarna pra cair de novo!

    Com o fim da gravação, Quintus olhou do tablet para o bilionário. Do bilionário para o tablet. E, como um homem que acabara de ver sua dignidade sendo rifada em Full HD, sentiu um calafrio subindo pela espinha. O bilionário, no entanto, estava radiante e explicou:

    — Você percebe que, neste curto espaço de tempo, duas reencarnações suas apareceram? Elas tomaram conta e assumiram você!

    — ISSO É MONTAGEM! — berrou, desesperado, agarrando o tablet. — Tem IA fazendo de tudo hoje em dia! Eu NUNCA usaria um chapéu de cangaceiro voluntariamente!

    — A negação é o primeiro estágio do despertar espiritual. — assentiu o bilionário sorrindo. 

    — EU ESTAVA BÊBADO! — rebateu Quintus, sentindo que precisava desenhar a diferença para o bilionário. Uma coisa era acreditar em reencarnação. Outra era tratar seu corpo como um Airbnb gratuito para espíritos sem rumo.

    — E onde estava sua sabedoria antes da bebida?

    — Onde tava meu juízo, você quer dizer?! — retrucou o jovem Maximus.

    — Exato! Sua mente comum não enxerga além da matéria! Mas o álcool abriu sua percepção!

    — Se álcool fosse iluminação, boteco seria templo! — disse lentamente Quintus massageando as têmporas. 

    — Exatamente! — afirmou o bilionário abrindo os braços — Os sábios sempre bebem antes de grandes revelações!

    — …você tá dizendo que Sócrates era um cachaceiro?!

    — E Buda também. — confirmou o bilionário rindo em satisfação. 

    Quintus tentou contra-argumentar, mas sentiu um calafrio ao ver o brilho de empolgação no olhar do homem.

    — Me diga… — O bilionário se inclinou — Se você pudesse escolher… Em que corpo gostaria de reencarnar na próxima vida?

    O jovem Maximus ficou paralisado. O universo podia odiá-lo, mas aquilo era um novo nível de ameaça.

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