De repente, os três começaram a vasculhar o restaurante com os olhos, como se estivessem esperando ver um bilionário excêntrico num canto, segurando uma taça de champanhe e acenando com a conta paga na mão, como quem diz: “De nada, pobres mortais.”

    — Sempre ouvi falar de um ‘bilionário misterioso’ que resolve problemas. Talvez seja nossa vez! — Leon sugeriu, mas com a convicção de quem tenta vender guarda-chuva no deserto.

    — Ah, claro. Porque todo dia um milionário aleatório resolve bancar três falidos num restaurante. — resmungou Quintus, dando um gole generoso na cerveja.

    Mesmo com o pânico crescente, eles continuaram vasculhando o restaurante como cães farejadores em busca de um magnata benevolente. Seus olhos saltavam de mesa em mesa, avaliando cada cliente como se estivessem numa leilão de benfeitores. 

    “Tá, quem aqui tem cara de milionário que pagaria a conta?” pensaram em uníssono.

    — E aquele ali? — Gustavo apontou com a cabeça, tomando mais um gole de sua bebida. 

    Todos viraram o pescoço, seguindo o olhar dele até um senhor idoso, vestido de maneira simples, tomando chá sozinho, com um ar zen. 

    — Velhos excêntricos fazem isso às vezes, né? Pagam contas aleatórias só pra rir da nossa cara depois! — continuou Gustavo, confiante na sua teoria maluca. 

    — Beleza, você vai lá agradecer e confirmar? — desafiou Quintus.

    — De jeito nenhum! Velhos excêntricos também podem ser perigosos. Vai que ele me convida pra um jogo de xadrez e me desafia pela minha alma!

    Todos concordaram silenciosamente com a paranoia exagerada e seguiram vasculhando outros alvos potenciais.

    Leon tomou um gole lento da bebida, pousou o copo como quem está prestes a revelar um segredo de Estado e, com um ar conspiratório, apontou para um novo suspeito: 

    — E que tal… aquela moça ali, com cara de vilã de novela? 

    Os três se viraram ao mesmo tempo, como se estivessem coreografados, e fixaram o olhar em uma mulher misteriosa num vestido vermelho que parecia ter saído diretamente de um filme noir. Ela bebia vinho sozinha, com a calma de quem acabara de tramar algo diabólico. 

    — Se fosse ela, eu já tava assinando um contrato com cláusulas ocultas… tipo “a alma será cobrada em parcelas suaves”. — suspirou Leon, frustrado. 

    — Sem dúvida! Aposto que a última pessoa que sentou com ela agora é só um CPF inválido. — completou Gustavo, arregalando os olhos. 

    Leon balançou a cabeça e retrucou: 

    — Eu só sei de uma coisa: se ela me pagasse um jantar, eu não voltaria pra casa… pelo menos, não do jeito que cheguei.

    O trio continuou procurando, mas depois de um bom tempo, eles não tinham certezas nem culpados. O mistério do patrocinador oculto continuava sem solução, mas, curiosamente, a cada novo gole, ele parecia importar menos. Como num passe de mágica, o álcool estava transformando uma preocupação legítima em um vago ‘problema do futuro’.

    Afinal, se o álcool era capaz de transformar decisões ruins em boas ideias, também podia transformar uma dívida inesperada em um brinde à generosidade do universo.

    Mas, no fundo, eles sabiam. A vida já tinha lhes dado tombos suficientes para ensinar uma verdade inegável:

    “Nada vem de graça. Nem almoço. Nem carona. Nem conselhos de gente rica na internet.”

    E com certeza, nem uma Tábua Premium do Chef misteriosamente paga.

    Por mais que tentassem afogar a dúvida na bebida, o mistério se agarrava a eles como um fantasma insistente. Um fantasma que, ao contrário dos outros, não sussurrava nomes ou movia móveis. Apenas lembrava, sutilmente, que coisas grátis nunca são realmente grátis.

    Desistindo finalmente de continuar analisando o ambiente sem encontrar nenhuma pista concreta, Quintus recostou-se na cadeira e balançou a cabeça, convencido de que aquilo não terminaria bem. 

    — Pronto. Meu instinto de pobre nunca falha. Isso tem toda a cara de cilada. Melhor sumirmos antes que apareça uma taxa oculta ou um contrato de prestação de serviços vitalício.

    — Cara, isso é uma oportunidade rara na nossa vida falida. — falou Gustavo tomando mais um gole de sua bebida — O mínimo que a gente pode fazer é beber mais antes de fugir.

    As canecas se encontraram no ar, e o brinde soou mais como um ritual desesperado do que como uma celebração. Se o álcool não resolvesse o problema, pelo menos ajudaria a fingir que ele não existia.

    Depois de mais um outro gole longo, Leon pousou a caneca na mesa, inclinou-se levemente e, com ar suspeito, apontou o dedo para Quintus e provocou:

    — E tem um detalhe ainda mais suspeito nessa noite… você.

    — Eu? 

    A atmosfera ao redor ganhou um peso inesperado. O mundo girava devagar, mas não porque seu amigo tivesse dito algo realmente profundo, sabia-se que esse não era o caso. O problema era outro: com o teor alcoólico no sangue dele, até uma previsão de horóscopo vagamente formulada poderia soar como uma verdade universal.

    Leon prosseguiu com a piada, completamente alheio ao fato de que seu amigo já estava a um gole de começar a considerar uma cadeira como um excelente lugar para um cochilo:

    — Sim. Porque HOJE, pela PRIMEIRA VEZ NA VIDA, você resolveu se vestir bem.

    O tom era sério, quase solene. Como se testemunhassem um fenômeno raro da natureza, um eclipse total ou um cometa visível a olho nu. Na cabeça de Leon, aquilo era um evento que merecia ser documentado, registrado e, quem sabe, estudado por futuras gerações.

    — E isso é um problema por quê? — Quintus arqueou as sobrancelhas, sem entender o alarde.

    Leon soltou um suspiro exasperado, inclinando-se para frente como um médico prestes a dar um diagnóstico preocupante.

    — Porque significa que estamos oficialmente em um Código Vermelho.

    — Código Vermelho?

    — Sim, e não sou eu quem diz. É a estatística.

    — Que estatística? — questionou intrigado Quintus. 

    Leon puxou o celular, abriu uma nota e virou a tela para o amigo. Havia uma lista. Uma lista com datas e descrições de eventos catastróficos.

    — Toda vez que você se veste bem, algo incontrolável acontece. Veja os registros:

    17/11 – Casamento da prima – Você foi encontrado dando um discurso emocionado sobre laços familiares… no casamento errado.
    23/06 – Jantar da empresa – Saiu de casa alinhado; terminou a noite convencido de que era cantor de tango.
    02/09 – Aniversário do seu irmão – Começou sóbrio; finalizou argumentando que ‘gratidão’ deveria ser uma moeda oficial.

    — Ok. Isso é perturbador. — conformou-se o jovem reencarnado analisando seus atos na lista em silêncio. 

    Leon apenas sorriu.

    — Bem-vindo ao seu próprio histórico de desastres.

    Gustavo respirou fundo, fechou os olhos por um instante, teatralmente reunindo forças para reviver um trauma inexistente, e se inclinou para frente, baixando o tom de voz:

    — E tem mais.

    — Olha… — disse Quintus, levantando a mão já sentindo o perigo se aproximar  — Antes de você continuar, vamos lembrar que eu sou um homem em constante evolução. Não podemos ficar presos ao passado.

    Leon ignorou solenemente a tentativa de defesa e apenas gesticulou para Gustavo continuar.

    — Você lembra do aniversário de 18 anos da Mirela?

    — Vagamente… — defendeu-se Quintus franziu a testa, tentando puxar a lembrança do fundo da mente nebulosa pelas sucessivas noites de más decisões.

    — Ótimo, porque minha irmã não tem esse luxo.

    Leon soltou uma risada baixa, enquanto Gustavo esfregava o rosto, como se apenas o ato de lembrar já fosse exaustivo.

    — Você bebeu três garrafas de vinho e subiu na mesa. Disse que precisava expressar seus sentimentos. Todo mundo achou que fosse um brinde. Mas não… — continuou Gustavo — Você começou a recitar um soneto que claramente estava sendo inventado na hora.

    Gustavo expirou devagar, fechando os olhos como um homem prestes a narrar um evento que o mudou para sempre. Um longo silêncio se seguiu antes que ele finalmente voltasse a falar, mas agora, com o peso de quem carregava cicatrizes invisíveis:

    — Eu deveria ter parado você naquele dia… mas eu hesitei — continuou seu suposto cunhado — Você rimou ‘Mirela’ com ‘estrela’… TRÊS VEZES.

    — Ah, não. — falou Quintus arregalando os olhos pelo retorno da lembrança.

    — Sim. E quando alguém tentou te tirar da mesa, você se agarrou na luminária, gritando que precisava “de um palco para que o amor brilhasse”.

    — Péssimo. — protestou o jovem apaixonado com o rosto nas mãos — Isso já é o suficiente. Podemos parar?

    — Adoraria, mas ainda tem o churrasco da minha tia — disse Gustavo provocando ainda mais seu amigo. 

    — Que churrasco?

    Leon pegou a cerveja e riu, olhando para Gustavo.

    — Ele esqueceu! — declarou com ironia — Isso vai ser bom… O churrasco de família. Aquele no quintal, com as mesas de plástico e o violão desafinado do meu primo.

    — O que eu fiz? — perguntou o jovem possivelmente reencarnado já sabendo a resposta.

    — Você bebeu um barril de chopp, pegou o violão e começou a tocar ‘Evidências’ olhando fixamente para a minha irmã — continuou Gustavo vendo a expressão impagável de Maximus — Isso… ainda não é tão ruim.

    Gustavo inclinou-se para frente e depois de um suspense que não era suspense para nenhum dos amigos, continuou a tortura:

    — Então deixa eu refrescar sua memória. No final da música, você pegou um anel de latinha, ajoelhou-se no meio do quintal e fez uma declaração que, até hoje, ressoa entre os parentes.

    — Você pediu Mirela em casamento! — acrescentou Leon que também presenciou a situação — Com toda a solenidade de um nobre em um conto de fadas.

    Os dois mal conseguiam se conter de tanto rir.

    — O melhor foi a reação da família. Meu avô chorou. Minha mãe já estava planejando o casamento. Um dos meus primos perguntou se o churrasco ia virar festa de noivado.

    Quintus abriu a boca e depois a fechou, sem conseguir formular uma defesa plausível fazendo a única pergunta que nunca antes teve coragem de fazer:

    — E Mirela?

    — Ela perguntou se tinha como anular um casamento que nem aconteceu — respondeu seu amigo rindo enquanto Leon bateu na mesa, gargalhando.

    — Aposto que o padre da família já tava procurando um cartório.

    — Isso é ruim. Isso é realmente ruim. — afirmou Quintus afundando ainda mais no assento. 

    — E agora você entende o Código Vermelho?

    Leon apontou para ele.

    — Você botou uma roupa decente. — falou Leon apontando — Isso significa que estamos prestes a testemunhar mais um desastre.

    Quintus ficou em silêncio, olhando para o copo de cerveja à sua frente.

    — E se eu parar de beber agora?

    Gustavo deu de ombros.

    — Ah, meu amigo… — Gustavo deu de ombros — Isso não tem nada a ver com a bebida. Isso está no seu DNA.

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