Capítulo 45 - Gehrman em: Isso não tava no plano de aula!
Era tarde demais. Antes que Quintus sequer articulasse um ‘não’, as caixas de som explodiram com uma batida eletrônica criada por Kevyn27 e conduzida por RxtDarkn com a vibração de um ritual tribal em remix. A pista improvisada já tinha dono: Vento Leste, girando no centro com o descontrole típico de um satélite fora de órbita.
Vila, um ícone involuntário da dança sensual, surgiu com a aura de alguém convocado por alguma divindade pagã da coreografia e começou a rebolar no centro da roda, criando um campo gravitacional de constrangimento ao redor. Seu corpo se movimentava com a fluidez de um liquidificador possuído pelo espírito de um DJ que nunca encontrou o ritmo.
— É O BONDE DESCENDO! — alguém gritou do público, num tom de quem anuncia o apocalipse das expectativas socialmente aceitáveis.
Imediatamente, o corpo de Vila já estava no chão, executando seu ritual canônico com a precisão de quem ensaiou isso em frente ao espelho por anos e traumatizou o próprio reflexo no processo.
— Eu sabia! — disse ele, entre uma descida e outra, voz entrecortada pelo esforço físico e moral — Eu sempre sou o que vai embaixo. Até na fila do bandejão, eu sempre fico por baixo. É meu karma.
Val Ferri e Dellos, é claro, já estavam lá, capturando cada movimento para a posteridade e provavelmente para algum futuro processo por danos psicológicos coletivos.
O telão alternava em alta definição entre closes dramáticos e tomadas aéreas de Vila e Vento Leste tentando sincronizar seus movimentos diante de uma plateia que observava em silêncio estarrecido, com a expressão de quem acaba de presenciar um pinguim pilotando um helicóptero. E, de algum modo, acha que aquilo vai piorar.
— Vocês estão testemunhando a evolução da espécie! — gritou Vento Leste, o saco de pão na cabeça agora encharcado de suor, transformando a farinha em uma pasta que escorria pelo pescoço.
Com o fim do espetáculo se aproximando e a fome do público por escândalos intacta, O jovem Maximus recuava discretamente, com o cuidado de quem sabe que a próxima atração será sua própria desgraça editada em câmera lenta no telão.
— Quintus… — murmurou Whalien, parando bem na frente dele. O gesto não barrava a fuga, mas havia algo urgente em seu olhar, o olhar de quem precisava dizer algo antes que ficasse sozinha com o peso do que acabara de perceber — O professor Gehrman está aqui. E se ele te vir perto de mim, vai te reprovar até em matérias que não existem. Dizem que ele tem um dossiê secreto com os podres de todos os professores. Ninguém ousa contrariá-lo desde que ele vazou aquele e-mail do coordenador Asus com o PowerPoint de putaria medieval.
Quintus engoliu seco, especialmente ao ver Gehrman, o alemão, encarando-os do outro lado do salão. Seus olhos azuis glaciais pareciam perfurar a atmosfera, e seu bigode meticulosamente aparado tremia de indignação.
Apertava a caneta vermelha tal qual um ex-namorado mal resolvido segurando prints, decidido a sabotar o futuro de seu rival amoroso por puro prazer emocional.
— ZOOM NO PROFESSOR GERMÂNICO COM CARA DE SERIAL KILLER ACADÊMICO! — gritou Val Ferri para Dellos, que obedeceu prontamente. O telão agora mostrava o rosto contorcido de Gehrman em proporções cinematográficas.
Pego de surpresa, Gehrman demorou um instante para perceber que sua cara de julgamento severo estava estampada para todos. Quando caiu a ficha, ele pareceu entrar em combustão espontânea, numa reação digna de quem vê uma monografia sendo rabiscada com caneta azul bem à sua frente.
— EU NÃO ESTUDEI ANOS EM UMA FEDERAL PRA VIRAR FIGURANTE DE UM TRIÂNGULO AMOROSO! — vociferou Gehrman, com a dignidade em colapso.
— Só pra deixar claro, professor: o senhor está indignado por estar sendo exposto ou por não ter sido convidado pro poliamor gótico-filosófico da juventude? — provocou Val Ferri, farejando uma bomba de fofoca.
— ISSO NÃO É POLIAMOR, É GEOMETRIA DO CAOS! — vociferou Gehrman, gesticulando com o desespero de quem tenta resolver uma equação afetiva — QUARTETO, SIM, COM AS CINZAS DO MORTO. PENTÁGONO, SE INCLUÍREM MINHA PAIXÃO NÃO CORRESPONDIDA E MINHA INVEJA CIENTIFICAMENTE JUSTIFICADA!
O impacto foi imediato. Alguém deixou cair uma taça, outro esqueceu como respirar. A banda parou no meio de um acorde e o projetor congelou no rosto ruborizado de Gehrman.
O professor havia deixado escapar, sem querer, o tipo de sentimento que faz uma carreira ruir. Agora, só mesmo um dossiê completo com os podres dos colegas e prints do grupo dos diretores poderia salvá-lo da exoneração.
A garota gótica arregalou os olhos e apertou a urna contra o peito, num gesto que sugeria esperar que Scholar, mesmo em pó, fosse levantar dali apenas para morrer de novo de desgosto, ou vergonha alheia.
— Bom… pelo menos agora faz sentido o professor ter chorado lendo o relatório de estágio da Whalien — comentou Leodib, que só não imprime as fofocas que escuta porque ainda não achou uma impressora à prova de escândalo.
Val Ferri, sentindo o cheiro de audiência estratosférica, girou dramaticamente para a câmera com tanta força que quase deslocou três vértebras e criou um novo movimento de dança contemporânea:
— REVELAÇÃO BOMBÁSTICA! Professor alemão confessa amor ao vivo! E NÃO PARA POR AÍ! — anunciou o apresentador, baixando a voz num sussurro tão performático que os surdos a vinte metros leram cada sílaba com a precisão de quem acompanha um teleprompter — A pergunta que não quer calar? Quem transformou o ex da Whalien em farelo cerimonial?
— Alguém vai ser processado por difamação hoje, e não sou eu que vou pagar o advogado! — gritou Dellos, girando a câmera com a destreza de um justiceiro da lente, tentando enquadrar todos os suspeitos ao mesmo tempo. Em seguida, lançou um olhar rápido para Val Ferri, um daqueles que, sem palavras, dizia: ‘Estamos ultrapassando a linha. Pisa.’
O telão rachou em quatro: Gehrman vermelho, Whalien trêmula, Quintus perdido. E, no quadrante mais sereno do apocalipse, Vento Leste rodopiava com Vila ao fundo, como se a realidade fosse só uma música mal mixada.
— Eu não matei ninguém! — gritou Gehrman, erguendo agora um exemplar amarrotado de Estruturas da Paixão Pós-Moderna, com a convicção de quem exibe uma prova incontestável. Ninguém sabia de onde ele tinha tirado aquele livro, muito menos por que o carregava dobrado em forma cilíndrica.
— Eu sou acadêmico, não assassino! — continuou, cada vez mais exaltado — Eu só mato o entusiasmo dos alunos com minhas provas! Eu destruo esperanças com minhas críticas ácidas! Eu aniquilo futuros promissores com meus critérios impossíveis de avaliação!
— Isso não está ajudando seu caso, professor! — gritou Leandor, futuro estudante de Direito e aspirante a advogado de causas perdidas, já anotando tudo, com o zelo de quem vai defender o indefensável.
Nesse momento, um novo jogador entrou em cena: Moonlich. Na agitação da festa, seus olhos rapidamente localizaram o verdadeiro alvo: uma pequena urna, momentaneamente abandonada sobre uma mesa enquanto Whalien se alimentava. Ele se aproximou do objeto e esticou a mão para pegá-lo, mas o barulho de taças se chocando fez ela voltar-se em sua direção, pegando-o em flagrante.
— Eu só… queria conversar — disse Moonlich, sorrindo desconcertado para sua rival amorosa, mas seus olhos continuavam claramente fixos na urna, grudados nela com a teimosia de ímãs em geladeira.
— Eu sou um estudioso! — ele continuou expelindo justificativas onde ninguém tinha pedido — Para fins acadêmicos. Totalmente normal. Todo mundo tem um hobby, o meu é estudar mortos. Podia ser pior, eu podia colecionar selos.
Nesse exato momento, um flash iluminou a cena com Val Ferri apontando sua câmera diretamente para o trio. O clarão repentino atingiu Whalien em pleno movimento de recuperar a urna, paralisando-a tal qual uma estátua viva.
Seus dedos, que quase tocavam o objeto funerário, congelaram no ar enquanto sua expressão transitava do ultraje para o terror de ser exporta midiaticamente.
— TRIÂNGULO AMOROSO MÍSTICO COM PROFANAÇÃO DE RELÍQUIAS? — ele berrou, enquanto o telão da festa instantaneamente exibia o flagrante em close — Dellos, amplie essa transmissão! Temos ouro narrativo! ESTAMOS FAZENDO HISTÓRIA!
A dança caótica de Vila e Vento Leste seguia exibida em um dos quadrantes do telão. Em outro, Moonlich avançava mais uma vez em direção à urna, os dedos trêmulos esticando-se, com a urgência agitada de tentáculos famintos, prestes a tocá-la antes que Whalien recobrasse os movimentos.
A plateia, dividida entre o espetáculo quase místico dos dançarinos e o drama funerário que beirava o delírio, já não sabia se prendia a respiração ou pedia ajuda profissional.
Foi nesse exato momento que Gehrman decidiu agir para ajudar sua amada: avançou rumo à urna e empurrou Quintus para o lado como quem afasta um móvel mal posicionado.
— MEU AMOR! — berrou Gehrman, de braços abertos, correndo num ímpeto desesperado que lembrava uma guerra interna em carne viva.
— MINHA PESQUISA! — esperneou Moonlich, quando a urna escapou de seus dedos suados de ambição.
— MINHA DIGNIDADE! — gemeu Quintus, escorregando no chão molhado e batendo com a mesma elegância de uma teoria mal defendida.
— MINHA AUDIÊNCIA! — vibrou Val Ferri, já imaginando as possibilidades de monetização no streaming.
— MEU SACO DE PÃO! — choramingou Vento Leste percebendo que sua máscara improvisada agora parecia uma massa de panqueca escorrendo pelo rosto.
No instante em que todos prenderam a respiração, em um instante tão denso que até o tempo hesitou, Vila e Vento Leste giraram com uma graça improvável, e colidiram diretamente com Whalien. A urna escapou de seus braços, voando pelos ares em câmera lenta.
— NÃÃÃÃÃO! — gritaram Whalien, Gehrman, Moonlich e Quintus, em uníssono desesperado, no tom fatalista típico de um coral do juízo final.
— SIIIIIIIM! — vibrou Val Ferri, já visualizando manchetes e hashtags virais.
A urna girou no ar, com a tensão imprevisível de uma roleta russa emocional, e caiu direto nas mãos de Crimson. Ele mal teve tempo de comemorar antes de notar algo estranho: ela era oca.
A garota gótica, do outro lado, já segurava uma versão menor e idêntica, como se fosse parte de um kit funerário premium.
A plateia não sabia se processava o momento ou se esperava a próxima revelação, e ela veio:
— Ah, sim. A outra urna — disse Whalien, com a leveza de quem explica um capricho logístico — Dividi as cinzas em sete urnas diferentes. Precaução, sabe? Nunca se sabe quando vai precisar de um ex-namorado em pó…
— Professor, comentários sobre essa revelação? — perguntou Val Ferri, empurrando o microfone sob o queixo de Gehrman — O senhor se sente ameaçado pela descentralização do concorrente? Prefere uma presença única ou esse modelo de franquia fúnebre modular? E, claro, consegue conceber a vida sexual de uma urna?
Gehrman abriu e fechou a boca várias vezes que seu bigode vibrava com tanta intensidade que parecia prestes a decolar de seu rosto e buscar uma vida independente.
— I-isso… Isso é absolutamente fascinante do ponto de vista antropológico! — declarou, endireitando a postura como se acabasse de lembrar que tinha um doutorado e uma reputação, em ruínas, a zelar.
Dellos desligou a câmera, satisfeito com o conteúdo até o momento armazenado. Ele já imaginava os elogios que receberia, os três processos por difamação e, com sorte, um contrato com alguma plataforma de streaming desesperada por conteúdo vergonhoso.
Antes que o caos se consolidasse em uma nova forma de vida hostil, um anúncio soou nos alto-falantes, cortando o pandemônio e a fofoca descontrola:
— ATENÇÃO, COLEGAS ACADÊMICOS E PRATICANTES DA ARTE DA SOCIALIZAÇÃO FORÇADA! — anunciou Val Ferri com voz épica e entediada ao mesmo tempo — CHEGOU O MOMENTO MAIS AGUARDADO DA NOITE: AS ESTATÍSTICAS ABSOLUTAMENTE INÚTEIS, MAS INEXPLICAVELMENTE HIPNÓTICAS, DO PROFESSOR MrRody!
A plateia, arrasada emocionalmente mas presa por pura curiosidade mórbida, virou-se em uníssono. O projetor já tremia com antecipação… ou com medo de ser a próxima vítima.
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