Capítulo 5 – Reencarnei e me tornei um vexame
Quintus sentiu o peso do silêncio. Não havia escapatória. Sua paixão juvenil não era apenas uma história mal contada, mas um crime contra sua própria dignidade. Uma obra-prima cinematográfica, cheia de takes comprometedores e depoimentos de vários colegas rindo ao fundo. E o pior? Ainda disponível no grupo do WhatsApp.
O jovem apaixonado olhou para o copo de cerveja enquanto escutou um grito urgente de Leon:
— Certo. Plano de fuga ativado.
Foi como apertar o botão de auto-destruição. Gustavo levantou-se em um movimento coreografado, enquanto Leon já assumia uma posição estratégica de retirada.
— Vocês ensaiaram isso? — perguntou Quintus, desconfiado.
Leon soltou um suspiro carregado de falsa nostalgia, começando a se afastar.
— A gente sempre soube que esse dia chegaria… — disse, com um tom quase solene, enquanto desaparecia lentamente, como um personagem em um faroeste prestes a fugir da cidade antes que a confusão começasse.
Quintus tentou processar a cena imatura que acabara de testemunhar. A cadeira de Gustavo ainda girava no chão, como se tivesse sido vítima de um assalto. O rastro da fuga deles era evidente: um guardanapo caído, uma batata frita solitária no chão e um vazio emocional que ele não esperava sentir tão cedo.
Eles realmente tinham ido embora. Por um instante, Quintus se recusou a acreditar, mas a evidência era irrefutável. Olhou ao redor, na esperança de encontrar alguma sombra dos dois traidores, algum vestígio de arrependimento, um sinal de que voltariam. Nada. Apenas o vazio deixado por sua deserção estratégica.
— Filhos da mãe…
Por um instante, a ausência deles fez com que o jovem supostamente reencarnado se sentisse à deriva, como um náufrago jogado ao mar sem colete salva-vidas. Mas então, como um raio de sol rompendo nuvens carregadas, um pensamento iluminador lhe ocorreu, um detalhe crucial que mudava tudo: a conta estava paga.
Sim, ele podia simplesmente permanecer ali, beber o resto da cerveja com a tranquilidade de um homem livre e aproveitar aquele raro e inesperado momento de vitória.
— Bom, hoje sou um homem livre.
Quintus pegou a caneca, tomou um gole longo e recostou-se na cadeira, saboreando não apenas a bebida, mas a rara sensação de vitória. Naquela noite, ele era, oficialmente, um homem sem dívidas, pelo menos até a conta de luz do mês seguinte.
Se havia alguma pegadinha escondida por trás daquele jantar gratuito, que fosse problema de “Quintus do Futuro”. Hoje, ele era o rei daquele pequeno império de comida e cerveja.
No entanto, sua glória foi efêmera. Exatos 47 segundos de paz antes de ser bruscamente interrompida. Dois vultos cruzaram a porta. Primeiro um. Depois outro. E então, como se nunca tivessem desaparecido, os traidores retornaram.
Gustavo jogou-se na cadeira com a naturalidade de quem sequer cogitou a possibilidade de ter abandonado um amigo minutos antes.
— Fui buscar o celular no carro. Tem que estar pronto para o que der e vier.
Leon puxou sua própria cadeira com um sorrisinho.
— O meu já está carregado.
— Vocês realmente fugiram para garantir que teriam bateria para gravar minha desgraça?
— Óbvio! — responderam os dois amigos em uníssono.
Se vestir bem, para um homem como Quintus, era como abrir um portal para outra dimensão. Uma dimensão onde ele não parecia um sobrevivente do apocalipse financeiro, mas sim um homem de posses… ou, pelo menos, um homem que sabia disfarçar sua falência com eficiência. Mas como toda ilusão, ela também tinha um preço.
— Um brinde ao nosso amigo, que hoje tá com cara de quem não precisa parcelar o pão! — anunciou Leon, erguendo a caneca.
O jovem possivelmente reencarnado revirou os olhos, mas bateu o copo no deles mesmo assim. O brinde estava feito, e com ele vinha a inevitável onda de piadas.
— Se minha irmã olhar duas vezes pra você, só pode ter perdido uma aposta daquelas humilhantes. — completou Gustavo, sorrindo de canto.
Quintus respirou fundo, sentindo o peso da situação. Ser pobre já era uma experiência desafiadora, mas ser pobre e bem vestido parecia um convite aberto para perseguições ainda mais sofisticadas. Ele fechou os olhos, deu um longo gole na cerveja e esperou que a bebida anestesiasse um pouco seu orgulho.
— Por falar nisso, cadê a Mirela? Não tá trabalhando hoje?
Antes que alguém pudesse responder, uma garçonete fantasiada de elfa surgiu ao lado da mesa com a precisão de quem dominava a arte de aparecer no momento exato. Sua presença tinha um impacto quase cinematográfico.
Os cabelos loiros captavam a luz do restaurante como se um refletor invisível estivesse estrategicamente posicionado para realçar seu brilho, enquanto a roupa justa evidenciava que aquela fantasia não fora escolhida apenas por fidelidade ao tema medieval.
Do outro lado do salão, um cliente, completamente hipnotizado, encarava a cena com a boca entreaberta, prestes a transformar sua admiração em um pequeno desastre de dignidade.
— Prontinho, aqui está as bebidas. Qualquer coisa, estarei por perto. — disse ela, com um sorriso profissional.
Quintus tentou manter a compostura, mas seu tom saiu um pouco entusiasmado demais:
— OBRIGADO! Com certeza chamaremos… — disse o jovem Maximus, tentando manter a compostura, mas traído pelo álcool, falando com um entusiasmo desnecessariamente dramático.
Do outro lado da mesa, seu futuro cunhado mastigou uma batata frita com a calma de quem apreciava um momento precioso e, sem perder a oportunidade, apontou o petisco para Quintus, como se estivesse proferindo um veredicto inevitável.
— Você devia saber melhor do que eu! Mas olha, vou te avisar de novo: Cuidado pra não virar o faz-tudo dela!
— Relaxa, ainda não tô passando roupa pra ela… Por enquanto.
Leon riu, se apoiou na mesa e completou:
— Se já tá fazendo isso, parabéns! Você aceitou os termos e condições do namoro sem ler.
— Agora só falta alguém avisar pra ela que vocês estão namorando. — apontou ironicamente Gustavo — Porque do jeito que tá, acho que quando ela descobrir, vai pedir reembolso.
— Ok, ok! Vocês ganharam o prêmio de conselheiros do mês! Agora vamos beber!
Eles ergueram mais uma vez as canecas e brindaram, rindo alto. Mas então, Quintus olhou ao redor do restaurante e sentiu um momento de epifania.
— Ah… quando minha cabeça começa a girar desse jeito, eu percebo…
— A vida seria muito melhor em um lugar assim… — o jovem fez um gesto com a mão, admirando o ambiente — cheio de lindas elfas ao meu redor.
Gustavo não disfarçou, simplesmente virou a cabeça, sem o menor traço de sutileza, e fixou os olhos na garçonete loira. O olhar era tão direto e intenso que mais parecia uma tentativa de hipnose do que um gesto discreto. Não piscava, não desviava, apenas encarava como se estivesse diante de uma revelação divina.
O jovem Maximus, observando a cena com descrença, arregalou os olhos, já antecipando o desastre iminente.
— Mano… Pelo amor de Deus, disfarça!
O caos veio sem aviso. No exato momento em que Quintus tentava, inutilmente, fazer Gustavo disfarçar, um estrondo cortou o restaurante.
— PLAFT.
Pratos voaram, talheres tilintaram no chão e uma bandeja inteira de louça encontrou seu trágico destino no piso do salão. Por uma fração de segundo, houve um silêncio absoluto. Dois longos segundos.
— Pronto! — afirmou Leon apontando para Gustavo sem tentar esconder a diversão — Seu olhar já era constrangedor, agora também é destrutivo!
As outras garçonetes pararam o que estavam fazendo e olharam diretamente para a mesa deles.
— Fala baixo, idiota! — disse o constrangido Gustavo — Agora TODAS estão olhando pra cá!
— Parabéns! Você acaba de virar o motivo pelo qual esse restaurante vai começar a servir cerveja com babador.
A mesa explodiu em risadas. O som ecoou pelo restaurante, atraindo alguns olhares curiosos, mas ninguém parecia se importar tanto quanto Quintus. Ele simplesmente desabou na cadeira, cobrindo o rosto com as mãos, como se assim pudesse desaparecer da própria existência.
A vida dele era uma sequência interminável de pequenos desastres, mas, por algum motivo, ele se sentia confortável naquele momento. Talvez fosse a cerveja, talvez fosse a sensação de que, pela primeira vez em muito tempo, ele não era o maior problema da mesa.
Mas essa sensação de conforto durou menos do que um gole de cerveja. Uma inquietação surgiu, como um alarme silencioso soando no fundo da mente. Algo estava errado. Ele sentiu, antes mesmo de ver.
Lentamente, tirou as mãos do rosto e ergueu o olhar. A garçonete que havia derrubado os pratos ainda estava ali. E pior: não estava sozinha. Ao lado dela, caminhando com a postura firme e o olhar atento de quem já viu clientes causarem todo tipo de desastre, vinha o gerente do restaurante.
Quintus observou, tentando manter a calma, mas a expressão nada amigável do homem e o fato de estarem vindo diretamente para sua mesa fez seu estômago afundar.
— Ah, ótimo. Lá vem encrenca.
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