Capítulo 50 - O caos dos finalistas da festa da Illusia
O quarto holofote desceu, à maneira de uma abertura épica ao estilo Moisés dividindo o Mar verde-amarelo em pleno feriado televisivo. A luz dourada iluminou Vento Leste e, exatamente no ritmo esperado, o sistema de som da festa explodiu em um pagode:
♪♪♪ “Lá vem o Vento Leste, malandro nato
Toma cachaça e chora largado
Com sete camisas e a mente torta
Se apaixona por manequim — e não importa!
Ô Vento Leste, ô danado bonito
Tua alma é um samba, tua vida — um grito!” ♪♪♪
— SENHORES E SENHORAS! — Val Ferri continuou — Diretamente das Montanhas Sagradas do Bar do Zé… Apresento-lhes outro grande candidato a rei da festa. O Grande Mestre da Escola Filosófica do ‘FODA-SE A LÓGICA’: VENTO LESTE, O MALANDRO ILUMINADO!
A luz destacou o jovem no meio do público que neste momento estava sem nenhuma máscara no rosto, pois o seu saco de pão improvisado tinha estragado e seu rosto finalmente estava realmente visível para todos os presentes, algo inédito.
— CARAAAAAAAALHO! — gritou alguém da plateia, despertando toda a plateia que estava em choque diante da revelação.
— Vento Leste sem máscara! — berrou alguém.
— Meus olhos! — berrou outro.
— Chama o exorcista! — completou uma terceira voz em pânico.
Quintus sentiu um aperto no peito ao ver mais um nome sendo chamado que não era o seu. Por um momento, a decepção familiar ameaçou dominá-lo, mas então um sorriso genuíno se formou em seus lábios.
“Pelo menos é o Vento…” — murmurou para si mesmo, aplaudindo com sinceridade — “Merece mais que eu, esse maluco. Apesar de feio, sempre foi mais corajoso. Rsrs”
A revelação do rosto de Vento Leste tinha provocado uma reação em cadeia: gente se escondendo atrás de plantas, usando tampas de panela da mesma forma que escudos, uma menina literalmente se enrolou numa toalha de mesa, outra menina enfiou a cabeça num balde de pipoca, um cara usou uma pizza inteira como proteção facial, e alguém genial começou a usar um espelho para ‘devolver a imagem para o universo’.
A professora Nimsay, que estava a serviço na festa, fez o sinal da cruz três vezes seguidas e começou a recitar o Pai Nosso em latim, com a firmeza de quem encara o próprio demônio.
O telão, indiferente a plateia, começou a reproduzir um flagrante épicos da vida de Vento Leste, narrados com a solenidade de lendas marciais:
— Há muito tempo, nas tavernas esquecidas do universo, um jovem guerreiro decidiu que roubar a mulher de um amigo era uma técnica de sedução válida…
A câmera pegou Vento Leste num canto escuro da entrada da festa da Illusia, em um momento em que se afastou de Quintus, enfiando discretamente algumas notas dobradas na mão de um sujeito de barba cerrada, enquanto o zoom da câmera captou o áudio:
— Mano, é só pegar aquele pitelzinho fantasiada de urso e correr. — sussurrava ele para os capangas — O dono da ursa nem vai notar. Tá ocupado demais dando atenção pra tudo, menos pra quem realmente importa: dona Úrsula.
— Fiz por amor! — defendeu-se Vento Leste, fazendo todos desviarem a atenção do telão para ele — Eu sou um guerreiro do coração! Minha paixão transcende as leis da lógica e da ética!
— Você roubou meu urso, seu verme! — gritou Quintus, mas chateado com a ação do colega do que com o velho gigante urso que tinha lhe acompanhado até a entrada da festa.
— Não foi roubo! — retrucou — Foi uma redistribuição estratégica de felicidade! O universo conspira a favor daqueles atentos.
— Eles estão brincando por um urso gigante de pelúcia! — gargalhou alguém.
— Dois homens disputando uma boneca! — riu outro.
— A sociedade evoluiu! Agora até brinquedo tem direito a guarda compartilhada! — berrou uma terceira pessoa.
Val Ferri, percebendo que a situação estava fugindo do controle e que o público estava mais interessado na briga patética dos dois colegas do que em sua apresentação cuidadosamente planejada, rapidamente gesticulou para a equipe de som.
— Aumenta o som aí, galera! — gritou ele, tentando abafar as risadas — Vamos para o próximo candidato antes que essa situação vire caso de polícia!
O quarto feixe de luz desceu do teto da mesma forma que se o próprio Padim Ciço tivesse acendido o interruptor do além, anunciando não um milagre… mas um momento de constrangimento sagrado e mais uma faixa do público foi iluminada destacando Escriba.
Do sistema de som da festa explode um tecnobrega que faz todo mundo parar de fingir que entende o que está acontecendo:
♪♪♪ “Ele invadiu a festa com livro e sermão,
Fundou uma escola no meio do salão.
‘Quem quer literatura?’, gritou com fervor
Só ficou o MRungria, chorando de amor!” ♪♪♪
— SENHORAS E SENHORES! — Val Ferri continuou — Apresento-lhes mais um candidato que dedica sua existência inteira a combater o inimigo mais implacável: A IGNORÂNCIA VOLUNTÁRIA E A DIVERSÃO DESCOMPROMISSADA!
— NÃÃÃÃÃÃÃO! — a plateia gritou em desespero coletivo, tal qual soldados reconhecendo o inimigo mais temido.
Mas então, à maneira de uma intromissão divina no roteiro do mundo, o próprio destino resolveu intervir na cerimônia, o telão começou a piscar descontroladamente. Faíscas saltaram da tela, e a imagem começou a distorcer com a semelhança de um pesadelo digital.
— QUE MERDA É ESSA? — gritou Val Ferri, batendo no microfone e observando o telão, em seus últimos suspiros tecnológicos, começando a projetar cenas aleatórias e rápidas de outros dois candidatos:
Primeiro apareceu REM, um garoto de aparência angelical, mas as imagens revelavam sua verdadeira natureza: dezenas de prints de conversas onde ele usava fotos de modelos femininas em seus perfis de redes sociais. A tela mostrava mensagens desesperadas de colegas apaixonados:
“Linda, quando a gente vai se encontrar?”
“Você é a garota dos meus sonhos!”
“Por favor, me dá uma chance!”
Enquanto REM, do outro lado da tela, ria digitando respostas como:
“Ai, não sei… talvez um dia…”
— Caralho, é um ‘catfish’! — gritou alguém da plateia.
— Ele enganou meia Illusia! — berrou outro.
Inesperadamente, a tela crepitou e mostrou rapidamente outro candidato a rei da festa, Dealer, que havia aparecido misteriosamente na festa sem nem mesmo ter a luz de identificação.
Ele estava no centro de um círculo de pessoas que pareciam hipnotizadas, balançando lentamente aos moldes de quem estivesse em transe. Sua voz ecoava suave e melodiosa:
— E então, meus amigos, vocês sentem a energia fluindo? Devo apertar com mais força? — dizia ele, movendo as mãos em gestos hipnóticos.
Mas antes que qualquer outra revelação pudesse ser feita, o telão deu um estalo final, soltou uma fumaça preta e apagou completamente.
— Porra! — xingou Val Ferri, chutando um cabo no chão — Crimson, aquele velho tarado, pegou metade do dinheiro da festa, alugou equipamento que fede a fio queimado e vai torrar o restante bancando milk-shake e jantares com meninas que mal sabem conjugar verbos.
— Bom, pessoal… — anunciou com a voz ligeiramente irritada — Vamos pular direto para o momento que todos estavam esperando!
— É hora de anunciar… O REI DA FESTA DA ILLUSIA! — disse, com a pose de quem havia ensaiado um final épico, mas precisou engolir a frustração de cortar sua apresentação de duas horas e perder seis escândalos em vídeo que talvez nunca mais visse a luz do telão.
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