Capítulo 51 - O rei tá on!
Um rufar de tambores digital ecoou pelos alto-falantes com a pompa de uma execução real. O momento havia chegado: a coroação do rei e da rainha da festa da Illusia, aquele ritual primitivo onde a popularidade se transforma em poder absoluto por exatas duas horas e quinze minutos.
— A Rainha da festa, com uma pontuação impressionante de engajamento social e avaliação das 47 variáveis comportamentais, 23 padrões de interação social e análise completa do histórico de navegação, é… — MrRody olhando suas estatísticas, fez uma pausa e anunciou — Dawana!
A multidão explodiu em aplausos enquanto a jovem de cabelo cacheado e óculos fez seu caminho até o palco, satisfeita, tal qual quem descobre que ganhou um prêmio numa quermesse que não lembrava ter participado.
Crimson aplaudia com entusiasmo desproporcional da primeira fila, batendo palmas com tanta força que suas mãos pareciam estar tentando quebrar a barreira do som.
— Muito merecido! — gritou Crimson, com a devoção.
Val Ferri girou dramaticamente para a câmera, seus olhos brilhando com aquela luz perigosa de quem farejou audiência estratosférica.
— E agora, denúncias gravíssimas envolvendo Crimson, acusado de usar toda sua influência e recursos nesta eleição… Brincadeira! Eu não tenho nem recurso para pagar o Uber até o fórum — disse Val Ferri, lançando um olhar nervoso para Crimson antes de voltar a encarar o público com um sorriso de deboche.
— Caros telespectadores e vítimas presenciais. — disse enquanto girava lentamente no palco, feito quem muda de assunto no meio de uma fofoca que pode dar processo — Chegamos ao momento que alguns esperavam com fé, outros com pavor, e eu com a esperança de que ninguém derrube o telão de novo. O Rei da festa, com uma pontuação que desafiou todas as previsões estatísticas do Professor MrRody e quebrou o algoritmo três vezes, é…
Outro rufar de tambores, ainda mais intenso, ecoou pelos alto-falantes.
— Babi Bia! — anunciou, fazendo uma pausa para respirar antes de completar — Que para quem não sabe, ganhou esse apelido porque seu cabelo estava vermelho, aí passou matizador roxo por cima e depois azul, resultando numa mistura psicodélica de azul, roxo e vermelho que desafia as leis da colorimetria!
O salão explodiu em aplausos e gritos enquanto uma figura imponente emergia da multidão, à semelhança de um gladiador entrando na arena. A jovem avançou para o palco com a confiança de alguém que nunca duvidou que seria coroada, seu porte atlético e presença magnética fazendo com que todos abrissem caminho automaticamente.
Ao seu lado, uma garota igualmente deslumbrante segurava seu braço, sorrindo orgulhosamente feito quem acabou de pescar o maior peixe do rio.
Quintus não pôde deixar de sentir uma pontada de inveja diante da confiança natural de Babi, diante da maneira espontânea com que ela ocupava o espaço, com o ar de quem acredita que o mundo foi criado exclusivamente para seu espetáculo, deixando os demais no papel de figurantes mal pagos.
— Majestades, por favor, uma palavra para seus súditos famintos por sabedoria! — pediu Val Ferri, estendendo o microfone.
— Obrigada a todos! — começou ela, ajustando a coroa e com sua voz ressoando clara e confiante pelos alto-falantes — Como sempre disse na academia: não é sobre levantar o peso mais pesado, mas sim sobre levantar consistentemente suas próprias expectativas! E quem sabe, de quebra, algumas paixões também.
Ela piscou para a plateia, arrancando risadas e alguns suspiros apaixonados. A plateia permaneceu aplaudindo entusiasmada, enquanto Val Ferri apontou o microfone para Dawana, que segurava a coroa com a delicadeza de quem segura algo feito de cristal puro, prestes a se despedaçar.
— E nossa rainha, alguma palavra inspiradora para a plebe? — provocou.
— Bem… — Dawana ajustou os óculos nervosamente e se inclinou para o microfone.
— Eu só queria agradecer a todos que votaram e… é… espero que continuem me seguindo nas redes sociais! — disse com a incerteza de quem não tem certeza se deveria estar ali, mas definitivamente não ia desperdiçar os quinze minutos de fama.
— ADORAMOS A HUMILDADE! — gritou Val Ferri, batendo palmas — Mas agora, meus queridos, temos um pequeno problema técnico que transformaremos em oportunidade de ouro! Nosso equipamento decidiu fazer greve sindical bem na hora da coroação da Rainha das Rainhas! Então novamente não teremos as candidatas apresentadas no telão.
O telão ainda permanecia piscando freneticamente, mostrando fragmentos desconexos de código HTML e uma mensagem de erro que dizia ‘FALHA CRÍTICA NO SISTEMA – CONTATE O ADMINISTRADOR’ em letras vermelhas que piscavam, evocando sinais de perigo.
— Mas como dizem os grandes filósofos da improvisação, o show deve continuar! — declarou Val Ferri — Então, sem mais delongas tecnológicas, vamos direto ao anúncio da RAINHA DAS RAINHAS!
Dellos, percebendo a oportunidade cinematográfica, começou a circular com a câmera, capturando os rostos ansiosos da plateia, cada um imaginando secretamente que poderia ser o escolhido, mesmo sabendo que as chances eram menores que achar um político honesto no bostil.
Quintus pensou em Mirela — se ela tivesse vindo, com certeza já teria ganhado tudo. Depois, seu olhar vagou pela professora Nimsay, por Whalien, e por uma morena que ele nem sabia o nome, mas que estava sendo mais requisitada que bebida grátis no começo da festa. Na cabeça dele, aquelas eram as verdadeiras finalistas.
— A vencedora, com uma pontuação que literalmente quebrou nossos parâmetros de medição e criou uma nova categoria estatística, é: DONA ÚRSULA!
— Dona… Úrsula? — repetiu Quintus, com a voz de quem não tem certeza se ouviu direito.
— Quem é Úrsula? Temos essa colega na Illusia? — questionou outro.
— ISSO MESMO! — berrou Val Ferri, claramente se divertindo com a confusão geral — A boneca urso gigante que foi brutalmente sequestrada na entrada da festa em um dos crimes mais covardes da história recente da socialização forçada!
Foi então que tudo começou a fazer sentido, ou pelo menos tanto sentido quanto possível numa situação que desafiava as leis da lógica.
A história do sequestro da ursa havia viralizado nas redes sociais durante a festa, com hashtags como #JustiçaPorÚrsula e #LiberdadeParaOsUrsos trending topics no Twitter. O engajamento online havia sido tão massivo que a pontuação dela disparou.
— Após uma operação de resgate, nossa equipe de segurança conseguiu recuperar Dona Úrsula das garras criminosas de seus sequestradores! — anunciou Val Ferri, enquanto dois seguranças traziam a ursa para o palco, ainda vestida com aquele conjunto fashion que desafiava as leis do bom gosto.
— JUSTIÇA FOI FEITA! — gritou boa parte do público.
Quintus observava a cena. Ali estava ele, um ser humano aparentemente funcional, sendo derrotado por um brinquedo de pelúcia que nem ao menos possuía consciência para saber que havia ganhado uma premiação naquela noite. Era humilhante, mas de alguma forma, também era… justo?
“Pensando bem…” — refletiu o jovem Maximus, enquanto observava Dona Úrsula sendo coroada com uma tiara dourada que contrastava bizarramente com seu batom borrado — “Talvez ela seja a parceira ideal, ou a rainha especial que todos, em algum momento, esperam encontrar.”
A mente de Quintus, sempre disposta a transformar qualquer situação em uma análise sociológica profunda demais para seu próprio bem, começou a imaginar as vantagens de um relacionamento com uma companheira inanimada, aquelas vantagens que qualquer pessoa racional poderia listar, se tivesse coragem:
“Primeiro: zero cobrança. Ninguém teria que lidar com reclamações sobre sair pouco, já que bonecas não têm expectativas. Segundo: nenhuma chance de agressões ou discussões seguidas daquele olhar enigmático que diz ‘você deveria saber o que fez de errado sem precisar que eu explique’. Terceiro: adeus às conversas intermináveis sobre a relação, ou às análises astrológicas baseadas em horóscopo do dia e fofoca da prima da amiga no WhatsApp.”
Enquanto Dona Úrsula recebia sua coroa, a lista mental de Quintus continuava:
“Mais tempo livre para videogames. Mais liberdade para sair com os amigos, sem ter que negociar cada saída à maneira de um acordo de paz internacional. E o melhor de tudo: risco zero de traição, zero pensão alimentícia, e nenhuma chance de acabar na cadeia por uma frase mal interpretada em um momento de estresse.”
Enquanto Quintus finalizava seus pensamentos, a plateia, recuperando-se do choque inicial, começou a aplaudir com o entusiasmo de quem finalmente entendeu o que tinha acontecido.
Dona Úrsula, em sua infinita sabedoria de pelúcia, mantinha sua expressão eternamente serena, com o semblante de quem sempre soube que esse era seu destino.
— E assim, meus queridos voyeurs do entretenimento alheio, temos nossa tríade real completa! — declarou Val Ferri, gesticulando dramaticamente para os três ‘monarcas’ no palco — Que esta noite seja lembrada como a noite em que a democracia funcionou de maneira tão inesperada que nem ela mesma entendeu o que aconteceu!
Enquanto a multidão ainda tentava entender o que tinha acabado de ver, Amarildo Vasconcelos ajeitava a mochila experimental nas costas. Por trás dos óculos embaçados, seus olhos brilhavam com aquela luz inquietante de quem teve uma ideia péssima, e estava prestes a colocá-la em prática.
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