Índice de Capítulo

    “O que diabos a professora Nimsay está fazendo aqui?” — pensou, com a mesma incredulidade de alguém que pega a mãe na porta de uma festa com pulseirinha neon e cara de quem não dorme há três dias.

    “Merda, merda, merda!” — o pânico tomou conta de Quintus — “Se ela me vir aqui, vai me arrastar pela orelha para fora e ainda vai dar uma aula de duas horas sobre ‘ambientes inadequados para jovens em formação’ e ‘a importância de escolher lugares que agreguem valor moral à sua existência’!”

    — Vamos, vamos, VAMOS! — sussurrou com desespero, puxando os dois em direção ao lado oposto do cassino — Temos que sair de perto da professora AGORA!

    — Cara, por que tanta paranoia? — riu Gustavo, se deixando ser arrastado — Ela é só uma professora, não uma agente secreta!

    — Você não entende! — Quintus continuou puxando-os, olhando por cima do ombro feito um fugitivo — Ela tem um radar sobrenatural para detectar alunos em situações duvidosas! E pior: ela vai querer me ‘orientar’ sobre frequentar ‘estabelecimentos mais apropriados para o meu desenvolvimento pessoal e intelectual’!

    — Hehe! — Leon e Gustavo explodiram numa risada que ecoou pelo cassino.

    — Cara.. — disse Leon, secando uma lágrima de tanto rir — você é muito inocente às vezes!

    — Tecnicamente falando… — Gustavo ajeitou os óculos, ainda rindo — Talvez você devesse se preocupar menos em se esconder dela… e mais em descobrir por que ELA está aqui!

    Os dois continuaram rindo com aquela cumplicidade irritante de quem sabia exatamente algo que Quintus não fazia a menor ideia, enquanto ele os arrastava para trás de uma máquina caça-níquel gigante decorada com luzes de natal, ainda murmurando: 

    — O melhor é passar despercebido… definitivamente o melhor é passar despercebido…

    E então, num gesto claro de que o universo queria garantir uma noite completamente surrealista, Nyck apareceu correndo entre as mesas com a velocidade sobre-humana que só o ciúme patológico conseguia proporcionar. Seus olhos faiscaram quando avistou Quintus, e um sorriso perturbador se espalhou pelo seu rosto.

    “Merda!” — pensou, sentindo o pânico tomar conta dele — “Mas como diabos ele me viu? Estava tão concentrado naquela mesa ali atrás!”

    — QUINTUS! — o ciumento paranoico praticamente voou em sua direção — Você está aqui! O destino nos reuniu novamente! Isso é um SINAL cósmico!

    — ESPERA AÍ! — gritou Nyck, travando no meio do movimento, à maneira de quem se choca com um obstáculo que só a alma enxerga, o braço disparando para apontar Leon e Gustavo com a fúria de quem acaba de encontrar os verdadeiros vilões — O que é esse olhar, hein!? TÃO RINDO DE QUE? 

    — Do que você tá falando? — disse Gustavo, franzindo a testa, em sinal clássico de pura confusão mental.

    — NÃO SE FAÇAM DE INOCENTES! — Nyck estreitou os olhos, sua paranoia atingindo níveis estratosféricos — Vieram com ele, grudaram nele o tempo todo… EU CONHEÇO ESSES SINAIS! Vocês querem monopolizar o Quintus! Querem ele só pra vocês!

    — Cara, que viaje é essa? — Leon tentou rir, mas o olhar intenso do stalker surtado o fez engolir em seco.

    — VIAJE? VIAJE?! — Nyck deu um passo ameaçador na direção dos dois — Eu estudei psicologia comportamental no YouTube! Sei EXATAMENTE como funciona a mente de sabotadores de relacionamentos! Acham que podem esconder ele de mim?! Tirar ele de mim?! Eu vi esse filme antes… com meu hamster. E ele nunca mais voltou!

    Deixando para trás Leon e Gustavo, no desprezo involuntário de quem está centrado demais na própria tempestade, Nyck voltou seu foco para o protagonista absoluto da sua obsessão: o jovem Maximus. 

    Num salto emocional, jogou-se sobre Quintus antes que ele pudesse esboçar qualquer fuga. O abraço foi imediato e sufocante, com braços que se fecharam feito tentáculos de um polvo carente em um surto amoroso.

    — PRONTO! — declarou, apertando ainda mais o abraço e encarando Leon e Gustavo com um sorriso vitorioso — Agora ele é MEU! Meu e da Eloisa! Vocês podem esquecer qualquer plano de manipulação psicológica que estavam arquitetando!

    — PORRA, NYCK! — gritou o jovem Maximus, tentando respirar — EU NÃO SOU UMA PROPRIEDADE!

    — Claro que não, meu querido instrumento de crescimento pessoal — cochichou o namorado de Eloisa no seu ouvido, com uma voz doce demais para ser saudável — Você é muito mais que isso! Você é nossa salvação conjugal! E esses dois aí — apontou para Leon e Gustavo sem soltar Quintus — não vão mais interferir no nosso processo terapêutico!

    Depois de lançar mais um olhar fulminante para Leon e Gustavo, Nyck voltou sua atenção para sua nova paixão, apertando-o com ainda mais força. 

    — Agora não vou mais te soltar! — declarou com a convicção de quem acabara de encontrar o Santo Graal — Você é meu bote salva-vidas! Meu instrumento de elevação espiritual!

    Ainda preso no abraço sufocante, o jovem Maximus assistiu seu imobilizador pegar o celular com uma das mãos, sem afrouxar nem um pouco o aperto, e tirar uma selfie dos dois. 

    O flash disparou, capturando a expressão de desespero absoluto no rosto de Quintus contrastando com o sorriso místico e perturbador do seu par.

    — Momento histórico registrado! — anunciou Nyck, contemplando a foto com satisfação de colecionador — Eloisa vai ficar TÃO emocionada ao ver nosso progresso!

    Com uma destreza inquietante, ele segurava o celular com uma mão enquanto a outra e metade do tronco permaneciam colados em Quintus, igual a um lutador de jiu-jítsu que sabia exatamente como usar o peso do corpo e a resistência do adversário a seu favor. 

    Cada tentativa de fuga do jovem Maximus só servia para deixá-lo ainda mais preso nos ganchos emocionais, e físicos, de Nyck.

    Foi então que ele apertou o botão de gravação e, com o tom apaixonado e instável de quem acredita estar salvando o amor da própria vida, começou a narrar em voz alta:

    — Eloisa, minha razão de existir, minha estrela-guia no oceano da incerteza emocional! Sei que tenho falhado ultimamente… Sei que às vezes passo dois, até três minutos sem pensar em você, e que na semana passada eu dormi seis horas seguidas sem te mandar uma foto documentando minha respiração… Mas tudo vai mudar! 

    — Capturei nosso Quintus! — continuou, dando uma leve girada no corpo para impedir mais uma tentativa de fuga e aproveitando para colar ainda mais o rosto no dele — Estou levando ele agora mesmo pra nossa casa! Vamos fazer sessões intensivas de terapia de casal, onde ele vai nos ajudar a identificar e superar nossos traumas de abandono mútuo.

    Nyck parou a gravação por um segundo, levantou o celular, à maneira de um influencer prestes a capturar o clímax do drama, tentando centralizar melhor o rosto de ambos.

    — Sorri, Quintus. Isso é pelo bem da nossa alma coletiva! — disse, enquanto seus braços envolviam o amigo com a firmeza de cabos de aço e a delicadeza de um ritual de possessão. O jovem Maximus se contorcia, mas o aperto só aumentava. Nyck então retomou o áudio,  mais inflamado do que nunca:

    — Ele vai dormir no nosso quarto pra que possamos monitorar juntos qualquer pesadelo que revele inseguranças ocultas. Preparei até uma caminha de cachorro ao lado da nossa cama! Vai ser divertido, educativo e espiritualmente transformador! Te amo com a intensidade de mil sóis nucleares! Ah, e já comprei a coleira antifuga pra ele! É cor-de-rosa. Sua cor favorita.

    — PERFEITO! — exclamou Nyck, enviando a mensagem com a satisfação de quem acabou de resolver todos os problemas do mundo — Ela vai entender que finalmente consegui materializar nossa evolução relacional!

    — SOCORRO! Eu tô sendo amado contra a minha vontade! — gritou Quintus, tentando se desvencilhar do aperto em que se encontrava — Alguém me explica o que está acontecendo aqui?!

    — Tecnicamente falando… — soltou Gustavo, com o sorriso travesso de quem planta discórdia em terreno fértil — Você está traindo minha irmã! Mirela vai explodir quando te flagrar todo melado e enroscado com o Nyck.

    — AH-HÁ! — berrou o paranoico ciumento apontando para Gustavo, à maneira de alguém que finalmente acha a peça mais perturbadora de um quebra-cabeça mental — Mencionou uma irmã?! ISSO É ARMAÇÃO! Você quer plantar a semente da culpa pra depois colher o abraço do consolo! Você quer afastar ele de mim! Tá tentando sabotar o que a gente construiu em dez minutos de alma entrelaçada!

    — Cara, você tá viajando total! — protestou Gustavo.

    — VIAJANDO? EU? — Nyck riu com a superioridade de quem descobriu a verdade universal — Eu que assisto 14 horas de documentário sobre relacionamentos tóxicos por dia? Eu que leio os comentários de TODOS os posts das redes sociais do Quintus para entender seus padrões comportamentais? EU SEI EXATAMENTE O QUE VOCÊS ESTÃO FAZENDO!

    Ao mesmo tempo que Gustavo e Leon discutiam com Nyck, a menção à Mirela foi igual a um tapa na cara de Quintus. Em meio a todo aquele caos de galos premiados, youtubers ‘relinchadores’, professora misteriosa, bebidas grátis e o aperto insolúvel do louco, ele havia completamente esquecido o motivo real da sua presença ali. 

    Sua missão era ter uma resolução definitiva com Mirela, receber o ‘não’ visível e explícito que ela nunca havia dado, e finalmente seguir em frente com sua vida.

    — Porra! — deixou escapar, atingindo um novo recorde linguístico pessoal, ainda tentando se desvencilhar do jovem louco, preso a ele feito fita adesiva humana — Cadê a Mirela? Eu vim aqui pra… espera, onde ela tá?

    — MIRELA? MIRELA?! — Nyck ficou ainda mais agitado — Agora entendo TUDO! Vocês trouxeram ele aqui para encontrar com essa tal de Mirela! É uma emboscada emocional! Vocês querem sabotar nosso processo terapêutico introduzindo uma variável romântica externa!

    — NYCK, PARA DE PARANOIA! — gritou Quintus, ainda preso no abraço

    — Paranoia? PARANOIA? — riu histericamente — Eu que tenho 47 planilhas do Excel documentando os horários que você fica online no WhatsApp? Eu que criei um gráfico de pizza dos seus padrões de humor baseado nas suas curtidas no Instagram? EU NÃO TENHO PARANOIA, EU TENHO DADOS CIENTÍFICOS!

    — Será que ela ainda tem importância agora!? — Gustavo não perdeu tempo: disparou a provocação com a pontaria de quem já tinha ensaiado aquele deboche, observando a cena, tal qual espectador convidado para a pré-estreia de uma comédia romântica no nono círculo do inferno.

    — Campeão, menos um problema! — completou Leon, erguendo o copo com a intenção silenciosa de um brinde — Problema de namorada resolvido! Agora só falta a universidade e o trabalho, e você vai conseguir cumprir o ultimato da sua mãe!

    — Hahaha… Incrível, ninguém pra me ajudar? — disse Quintus com ironia, no momento em que tentava escapar usando o ombro à maneira de uma alavanca de sobrevivência — Se eu sumir amanhã, já sabem quem foram os cúmplices.

    Nesse momento, o celular de Nyck fez um ‘Bip’ indicando resposta da mensagem. Seus olhos brilharam, à semelhança de uma criança hipnotizada pela chegada mágica do Natal.

    — ELA RESPONDEU! — gritou, sem soltá-lo, olhando o celular — Ela disse… ela disse… — seu rosto foi mudando de expressão conforme lia em voz alta — Nyck, você está bem? Que história é essa de trazer gente pra casa? E que papo é esse de coleira? VOCÊ ENLOUQUECEU COMPLETAMENTE!

    O silêncio que se seguiu foi tão denso quanto a confusão. Todos se entreolharam, em busca de um único olhar que tivesse coragem de admitir que havia entendido alguma coisa.

    — Perfeito! — exclamou, radiante — Ela usou ‘CAPS LOCK’! Isso significa que está emocionalmente ENGAJADA! Quando as pessoas gritam, é porque se importam! É psicologia reversa do amor!

    — CARA, ELA TÁ TE CHAMANDO DE LOUCO! — berrou Quintus.

    — Exatamente! — Nyck o abraçou ainda mais forte — Ela me conhece tão bem que sabe que minha loucura é por amor! É como se ela estivesse dizendo ‘continua, meu amor, estou adorando sua dedicação obsessiva’! Vocês não entendem as nuances da comunicação em relacionamentos maduros!

    Quintus suspirou profundamente, sentindo-se feito alguém largado no meio de uma feira de domingo sem saber se estava ali pra comprar banana ou ser vendido por engano. E pelos risos de Leon e Gustavo, o pior ainda estava por vir.

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