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    Como se o universo tivesse decidido que uma dose de loucura não era suficiente para uma única noite, Vento Leste surgiu do nada, tal qual se tivesse sido cuspido por um ritual de invocação feito com fumaça e suco de maracujá vencido ao som de um pancadão de baile funk. 

    Entre a garrafinha e a máscara colada no rosto, havia ares inconfundíveis de quem caiu de paraquedas de um isekai, ele destoava tanto da formalidade dos ternos que alguns convidados não sabiam se deviam cumprimentá-lo, chamar a segurança ou perguntar se era alguma performance experimental do cassino.

    — Obrigado, seus desgraçados, por esse convite divino! — declarou com a solenidade de um mestre de cerimônias bêbado, enquanto girava para encarar Leon e Gustavo e enchia a garrafinha com a destreza de quem treina pra isso desde o ensino médio — Bebida grátis, confusão amorosa e gente melada. É o que eu sempre sonhei, ainda mais agora que me inscrevi no curso de taxidermia de bonecos infláveis!

    Ele já tinha feito sua entrada com a intensidade de um pedido de namoro num jogo do Corinthians, mas foi ao flagrar Nyck agarrado em Quintus que Vento Leste mostrou a que veio:

    — PIKAAA! — vibrou Vento Leste, numa animação de quem foi convocado pelo universo para narrar o caos da noite — Já vi esse filme! O título era ‘Desespero com Toque de Ternura’!

    — E QUEM É ESSE AGORA? — Nyck girou feito um radar, ainda segurando o jovem Maximus — Máscara no rosto, garrafinha na mão… Tá achando que vai roubar meu amor? Eu conheço esse olhar! Já tá se vendo nas nossas selfies de casal e escrevendo legenda fofa pro Dia dos Namorados, né?

    — CARA, ELE É NOSSO COLEGA DE CLASSE! — gritou Quintus.

    — VOCÊ NÃO! FICA AÍ MESMO! — berrou o ciumento paranoico, arregalando os olhos para Vento Leste, depois virou-se de volta para seu enrosco — NÃO ME LEMBRO DESSE MALUCO ALEATÓRIO… — franziu o cenho com intensidade quase mística — E NADA É ALEATÓRIO NO UNIVERSO DO AMOR, QUINTUS! Tudo tem um propósito! Esse cara apareceu exatamente quando estávamos tendo nosso momento de conexão! É uma INTERFERÊNCIA ENERGÉTICA PROPOSITAL!

    O jovem Maximus mal prestou atenção à entrada de Vento Leste ou à zombaria embutida em sua fala. Estava ocupado demais tentando se desvencilhar do abraço sufocante de Nyck, à maneira de um peixe fora d’água lutando contra tentáculos invisíveis. 

    Empurrou, puxou, tentou se escorregar pelos braços do rapaz, mas foi igual a tentar escapar de uma camisa de força feita de obsessão pura. 

    No meio da luta, meio sufocado e girando involuntariamente enquanto o jovem possessivo o mantinha preso, olhou ao redor, e ali estavam todos os seus conhecidos mais excêntricos reunidos no mesmo lugar, numa combinação que fazia tanto sentido quanto um coral de monges tibetanos tocando axé em plena meditação.

    Foi então que avistou Lxpe novamente, agora desfilando com algumas penas coladas na roupa e a mesma arrogância de sempre, mas com um olhar que misturava epifania e delírio. Estava vindo na direção do Vento Leste, com ares messiânicos e o olhar de quem vai revelar um novo evangelho.

    Num rompante de loucura luminosa, o jovem ruivo albino arregalou os olhos e disparou seu olhar contra Vento Leste, em um feixe concentrado de pura emoção dirigida.

    — IIIIIHHHHRRRRR! — berrou, com o vigor de quem tomou três litros de guaraná energético e viu Deus… em forma de égua — CHAMA NO CASCO! — gritou, disparando na direção de Vento Leste.

    Vento Leste, que até então parecia apenas curioso, ativou instantaneamente o modo felino de sobrevivência. Com um salto para trás, derrubou duas cadeiras, passou por baixo de uma mesa e usou sua garrafinha tal qual um amuleto místico contra possessões.

    Enquanto isso, Lxpe, acelerado por seu próprio êxtase, tropeçou em um banco giratório, rodopiou no ar, feito um pião, e aterrissou de cara em uma mesa de truco onde cinco homens discutiam um sete de copas duvidoso. 

    Dellos, em total transe cinematográfico, ajustou o foco, envolvido na ilusão de estar diante do nascimento de uma estrela… ou sua queda gloriosa. E no centro da lente: um ruivo colapsando em êxtase sobre uma mesa de truco.

    — VEJAM SÓ! — Nyck apontou para a confusão com Lxpe e Vento Leste — MAIS EVIDÊNCIAS! Esse cara das penas está claramente tentando seduzir o cara da máscara para criar uma distração! E aquele ali com a câmera está FILMANDO TUDO! É uma operação coordenada para sabotar nossa sessão terapêutica!

    — NYCK, VOCÊ TÁ MALUCO! — berrou Quintus — ISSO É SÓ UMA COINCIDÊNCIA!

    — COINCIDÊNCIA? — o pegajoso ciumento riu com escárnio — Eu que tenho um mapa mental de todas as pessoas que você já cumprimentou na vida? Eu que criei um algoritmo para detectar possíveis interferências no nosso futuro relacionamento triangular? NADA DISSO É COINCIDÊNCIA!

    — GALERA… — disse Lxpe, sem perceber as acusações de Nyck e levantando-se igual a um messias recém-convertido, os olhos brilhando ao perceber que tudo estava sendo transmitido ao vivo — Acabei de descobrir meu ANIMAL INTERIOR… e ele quer correr livre!

    — Você também sente isso, né? — sussurrou, nariz com nariz com Vento Leste, que estava prensado entre um vaso ornamental e a parede à semelhança de um enfeite mal posicionado — Essa conexão cósmica… cavalo e gato… juntos… selvagens.

    “Ou isso é a maior coincidência cósmica da história…” — pensou Quintus, enquanto era espremido igual a um refrigerante prestes a explodir por Nyck, que o abraçava com a ternura possessiva de um colecionador prestes a perder sua peça mais esquisita.

    E ao mesmo tempo, Lxpe gritava relinchos, em um surto de cio místico que parecia ecoar do além, e Vento Leste, acuado, pressionava as costas contra a parede, esperando secretamente se dissolver no concreto. 

    E no meio desse caos perfeitamente coreografado, Dellos filmava tal qual um cinegrafista possuído, com a câmera profissional numa mão, o celular na outra, e a alma entregue à missão sagrada de registrar cada segundo daquela loucura.

    E por fim ao lado, Gustavo e Leon riam tanto que pareciam estar se engasgando com o próprio oxigênio. 

    — ESPERA… Espera um segundo… — Clamou Nyck, olhos arregalados fixos em um ponto invisível no horizonte segurando Quintus com todas as suas forças — AGORA ENTENDO TUDO!

    — Tem algo… algo místico acontecendo, eu sinto! A geometria tá se fechando… — continuou agora em tom mais baixo no ouvido do jovem Maximus, enquanto observava o caos ao redor.

    — Todos esses encontros simultâneos… é como se o universo estivesse orquestrando nossa cura emocional! Olha só: temos o cara das penas representando nossos instintos primitivos, o cara da máscara simbolizando nossos medos ocultos, aqueles dois ali — apontou para Leon e Gustavo — Representando as influências negativas que precisamos superar, a mulher elegante ali. — acenou para Nimsay — Obviamente é nossa figura materna aprovadora… É UMA CONSTELAÇÃO FAMILIAR PERFEITA!

    — NYCK, ISSO NÃO FAZ SENTIDO NENHUM! Você tá completamente doido! Isso aqui é um cassino clandestino, não um retiro xamânico para alucinados! — protestou Quintus.

    — Claro que faz! — o pegajoso ciumento apertou ainda mais o abraço — Eu li 23 livros sobre terapia holística! Sei reconhecer sincronicidades cósmicas quando vejo uma! Todos esses personagens apareceram para nos ajudar a processar nossos traumas relacionais!

    Quintus olhou para os céus, ou para ser mais exato: para o teto cravejado de luzes psicodélicas, o que fosse mais próximo de divino, e pediu mentalmente desculpas ao bom senso antes de deixar o corpo pender feito um boneco de posto derrotado. E simplesmente… desistiu. O universo estava perdido demais para ser salvo com lógica.

    Foi nesse instante de rendição silenciosa que Nimsay se levantou com a elegância de quem jamais esteve verdadeiramente sentada. Ela cruzou o salão com a compostura de quem veio apartar uma confusão, mas acabou mais intrigada com o elenco do que com o caos.

    Seu olhar passeou de Lxpe para Vento Leste, de Dellos para Nyck, e finalmente repousou em Quintus, com a certeza silenciosa de quem encontrou o culpado, embora sem provas.

    — Isso… isso aconteceu antes mesmo do universo se preparar… — disse Gustavo, tentando manter a seriedade, enquanto Leon apenas acenava com a cabeça, em uma concordância muda. O riso dos dois evaporou, desaparecendo com a leveza ilusória de uma miragem.

    Foi então que a temperatura subiu, num efeito que sugeria que o cassino havia trocado a ventilação por aplausos. Crimson, o homem mais rico que qualquer um ali já vira fora de um documentário da Forbes, se aproximava com o andar de quem ganhara na loteria e estava vindo pessoalmente entregar os boletos pagos. 

    O calor não vinha só do ar, mas da presença exageradamente feliz daquele milionário em modo festa.

    — Que bom ver todos reunidos aqui! — anunciou Crimson com a empolgação de quem estava prestes a sortear um iate.

    Vento Leste, de tanto medo, nem escutou. Nyck arfou, Nimsay ergueu uma sobrancelha, Lxpe relinchou novamente, e Quintus… Quintus percebeu que estava cercado, e que o mundo ao seu redor ria de algo que só ele não achava graça.

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