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    Quintus ajeitou a crista cor-de-rosa de seu traje de galo dramático, encarando Mirela tal qual quem observa um precipício e pondera se pula com estilo ou com dignidade. 

    Ela estava ali, linda e distraída, rindo com os técnicos de som. E ele tentava ensaiar a abordagem perfeita para levar um fora que não parecesse um atropelamento emocional. Respirou fundo e repetiu para si mesmo:

    “Vou tomar esse fora com dignidade. Com ou sem tapinha no ombro. Sem chorar, sem implorar e, de preferência, sem me cagar dentro da fantasia.”

    Era o adeus que ele precisava, mesmo que ela nem soubesse que havia algo a dizer adeus.

    Mentalmente, ele começou a ensaiar as abordagens possíveis. Primeira tentativa: 

    “Você já esperava por isso… mas minha terapeuta disse que eu devia enfrentar meus traumas. Pode fingir que me rejeita rapidinho? Prometo que não vai doer… muito… só vai arrancar um pedaço da minha alma e talvez me deixar com complexo de inferioridade pelo resto da vida, mas nada demais. Não, muito patético!”

    Segunda tentativa: 

    “Mi… Posso te dar um presente? É um vale presente se você me ignorar educadamente. Válido até o fim da minha dignidade, que calculo ser em aproximadamente alguns segundos após você abrir a boca. Pior ainda!”

    Terceira:

    “Você me lembra da minha mãe. Se ela fosse jovem, solteira, bonita, não me conhecesse pessoalmente e não tivesse passado nove meses carregando um fracasso ambulante. Jesus, está piorando a cada tentativa!”

    Talvez algo mais direto: 

    “Você me empresta seu tempo? Juro que devolvo parcelado em suaves prestações de constrangimento. Juros baixos, entrada facilitada, e se não der certo, ainda rola um cashback emocional.”

    “Ou quem sabe: Quer casar comigo algum dia? Ou só rir da minha cara mesmo e contar pras suas amigas no grupo do WhatsApp? Aceito qualquer uma das opções, desde que não envolva testemunhas e acabemos rápido com isso.”

    A última opção, desesperada: 

    “Meu terapeuta disse que eu devia tentar amar de novo antes de tentar um reality show. Aparentemente, a ordem importa. Tipo, primeiro você se machuca emocionalmente, depois você se machuca publicamente. É um protocolo científico.”

    Respirou fundo, firmou a pata, ou melhor, o pé, e ajeitou as penas amarelo fluorescente que tremiam com o nervosismo. 

    Mirela estava ali, a poucos passos de distância, linda, iluminada e rindo com os técnicos de som como se ele não estivesse prestes a viver o maior vexame da sua vida. Nyck ainda grudado nele a semelhança de um bebê canguru colado com Super Bonder. Mas era agora ou nunca. Vinte metros. Quinze. Dez. Cinco…

    — Pessoal, pessoal! — A voz de Crimson atravessou o ambiente com a tranquilidade de quem sabe que pode interromper qualquer coisa, inclusive a realidade. 

    — Produção! — voltou a chamar o dono do cassino, do reality show, da escola e, aparentemente, da lógica, afastou o celular da orelha com a calma de quem acabara de ter uma ideia lucrativa e ligeiramente ilegal — Levem Mirela para a sala de preparação. Teremos algumas… reformulações estratégicas no programa.

    Quintus viu sua última esperança de dignidade romântica ser escoltada para longe por dois seguranças gentis, na postura de quem protege uma celebridade de um fã inconveniente, no caso, ele mesmo. 

    Mirela ainda lhe lançou um sorriso suave, quase piedoso, antes de sumir por uma porta lateral. E ali estava de novo: pensou demais, demorou demais e perdeu. Como sempre. O universo não precisava odiá-lo, bastava deixá-lo agir sozinho.

    “Não acredito…” — engoliu o jovem Maximus a frustração que desceu por sua garganta igual a um pastel de feira recheado com desilusão — “Eu estava tão perto… Mais três passos e eu teria descoberto se ela prefere rejeitar com delicadeza ou com uma voadora verbal no meio da autoestima.”

    Nyck, ainda agarrado ao braço de Quintus feito um koala desesperado, finalmente soltou a garra:

    — Cara, você estava mesmo indo falar com ela?

    — Estava prestes a ter a conversa mais importante da minha vida. Ia descobrir se sou capaz de ser rejeitado por alguém que realmente importa, ou se vou continuar sendo rejeitado apenas por desconhecidas na internet.

    Indiferente ao drama de amor, Crimson mexia freneticamente no celular, acessando relatórios. Os dados da repercussão de Quintus na internet piscavam na tela: #GaloDramático com 2,3 milhões de visualizações, PixNudes Premium com 2 mil assinantes pagantes, e trending topics em três países. Os olhos do Elon Musk brasileiro brilharam tal qual os de um político vendo um microfone sem perguntas difíceis.

    — Interessante! — disse o dono do cassino, deslizando o dedo pela tela — Muito interessante.

    O que autoproclamado Elon Musk Brasileiro não sabia era que sua vida estava prestes a mudar de forma irreversível. Enquanto ele analisava os dados de audiência, uma figura elegante observava tudo através das câmeras de segurança do cassino.

    Dawana ajustou os óculos de grife e sorriu lentamente. Ela havia estudado seu noivo Crimson por meses, analisando cada movimento, cada decisão, cada fraqueza. 

    O homem mais rico do país, que só não tinha mais dinheiro do que rugas. Era, na verdade, de uma previsibilidade quase entediante. Especialmente quando se tratava de mulheres bonitas com aparência de inocência.

    Ela se levantou da poltrona de couro italiano, alisou o vestido impresso em 3D que mudava de cor conforme o ambiente e verificou a maquiagem no espelho. Era hora de colocar o plano em ação.

    De volta ao cassino, Crimson juntou as mãos devagar, na impressão de que cada palma carregava o peso de um evento histórico, e anunciou:

    — Gente, gente! — disse ao analisar em tempo real os comentários tipo “que porra é essa?” e a chuva de emojis vomitando — Mudança de planos! Quem faz ao vivo, sabe o que é improvisar! — ele apontou para Lxpe, ainda fantasiado de égua sensual com salto alto — Você está demitido, meu querido. Nada pessoal, mas éguas não comandam audiência. Obrigado pelos serviços prestados.

    Lxpe ficou tão chocado que parou de relinchar. 

    — Mas eu… — gaguejou Lxpe diante da notícia tão inesperada que não conseguiu sequer pensar em uma desculpa digna de uma égua com autoestima — Eu sou o apresentador oficial! Você não pode me demitir ao vivo!

    — Posso e acabei de fazer! Segurança, acompanhem nosso ex-apresentador até a saída. Com carinho.

    Dois seguranças musculosos apareceram instantaneamente e escoltaram o jovem albino para fora do cassino. Lxpe gritava algo sobre “direitos trabalhistas” e “sindicato dos éguas”, mas sua voz se perdeu no barulho das máquinas caça-níqueis.

    — Agora… — disse Crimson com o entusiasmo de quem sorteia panela na televisão — Recebam com gritos e lágrimas A jovem que, quando completar dezoito anos, será a imagem oficial do meu conglomerado de sonhos: Dawana! A única pessoa com quem assinei contrato vitalício por impulso e afeto.

    Nesse momento, o teto do cassino se abriu majestosamente. Uma luz dourada invadiu o ambiente, e por um momento todos ficaram cegos. 

    Quando a visão se ajustou, um telão gigante tinha descido do teto, e a primeira imagem mostrou um closet de doze metros de pé direito, repleto de roupas organizadas por cor e mais de 400 pares de sapatos. 

    A lente se fixou nas costas da mulher, que calçava um sapato com calma ensaiada. A voz veio antes do rosto, firme, sem pressa de revelar sua identidade:

    — Crimson!? — ela disse com voz melodiosa — Você não me disse que eu apareceria em rede nacional! Que vergonha, estou toda desarrumada.

    — Mas as coisas são o que são… — continuou ela — E devemos nos conformar com as dificuldades!  

    Ela se virou, e pela segunda vez, Quintus viu o rosto que sua memória insistia em relembrar por ser o padrão ouro da beleza humana. 

    Os cachos negros em cascata, os olhos firmes e aquele sorriso enigmático que misturava arrogância acadêmica e falsa humildade paralisaram não só ele, mas também Crimson, que arregalou os olhos como se tivesse visto a reencarnação de uma ideia milionária.

    O jovem Maximus acompanhou, junto ao restante da plateia, a câmera que a seguiu saindo do closet, caminhando por um corredor de mármore até uma varanda onde um helicóptero particular a aguardava.

    — Sou Dawana! — ela continuou, colocando óculos escuros caríssimos — E acredito que a revolução feminista começa com pequenos gestos. Por exemplo, só uso helicópteros com combustível ecológico.

    Antes que o helicóptero pousasse, a transmissão foi brevemente interrompida por anúncios patrocinados: uma marca de água engarrafada feita com orvalho do Everest, um esmalte vegano com partículas de ouro, um app de meditação que grita com você em francês, e até um sutiã inteligente que conta passos, com o slogan:

    — Agora você pode acompanhar sua saúde sem tirar o foco dos seios: conheça o BraFit 3000, o sutiã que monitora seus passos, sua frequência cardíaca e ainda alerta quando você está procrastinando a academia!

    Quando a imagem voltou, o helicóptero já aterrissava num iate maior que alguns bairros do subúrbio. Dawana desceu da aeronave feito uma deusa descendo do Olimpo, caminhando pela embarcação enquanto modelos masculinos musculosos a abanavam com leques gigantes de penas de avestruz.

    — A solidão feminina é um problema real! — continuou ela, acomodando-se numa poltrona de couro italiano. Um dos modelos servia champanhe francês num gesto impecável, outro agitava um leque gigante junto ao rosto dela — Mas não vamos falar dos meus problemas… vamos ver o que temos aqui! 

    Por sua transmissão do cassino, ela olhou ao redor, observando os participantes fantasiados. Seus olhos pousaram em Quintus por mais tempo que o normal, atentos a cada detalhe, como se ele fosse a pista inesperada num quebra-cabeça impossível.

    — Que programa fascinante! Especialmente este jovem aqui! — apontou discretamente para o jovem Maximus — Ele parece ter uma energia muito… especial.

    — Ah! — expressou Crimson ao seguir o olhar dela — Esse é o Quintus! Nosso participante mais popular!

    — Quintus! — Dawana repetiu o nome lentamente, saboreando cada sílaba — Que nome forte. Clássico. Deve ter uma história interessante para contar.

    — Na verdade… — começou, sem saber por que sentia necessidade de se explicar — Eu não tenho história nenhuma. Sou meio que um livro em branco. Um livro em branco que ninguém quer ler.

    — Todos têm uma história, querido. Às vezes só precisamos da pessoa certa para ajudar a contá-la.

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