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    Para Quintus Maximus, a piscada de Dawana parecia algo mais ameaçador do que uma simples promessa de Natal, disfarçada de gentileza. A mulher tinha aquele sorriso que dizia claramente: ‘Você vai se divertir, querendo ou não.’

    — Antes de apresentarmos nossas adoráveis candidatas do novo reality: ‘Quem Consegue Conquistar o Quintus!’ — a apresentadora virtual anunciou virtualmente, sua presença longe do cassino se multiplicava pelos monitores espalhados no local e na maioria das residências do país. 

    Ela à semelhança de um apresentador do Big Brother com batom ajeitou os cabelos com elegância, da forma que alguém ajeitaria uma armadilha antes de ativá-la. 

    — A concorrência pelo coração do nosso amado jovem Maximus é grande, telespectadores. Um bom partido sempre atrai as desesperadas que se perderam em muitas opções erradas. Que perderam a noção da realidade e, outras que não querem ficar para titia, aceitando qualquer coisa. — Dawana sorriu com doçura venenosa.

    Sua projeção pairava em meio aos holofotes, tão nítida quanto invasiva. Ao fundo, as câmeras se realinharam, e o foco se fixou em Quintus, agora claramente o centro da encenação. 

    A figura holográfica da apresentadora do reality show voltou-se suavemente em sua direção, sem perder o tom envolvente, de modo que mesmo à distância ela pudesse tocá-lo com as palavras.

    — Você esteve sozinho até agora por distração, não por falta de oportunidade. Você esteve solteiro por causa de uma fixação em uma mulher que não te merece. Por isso apresentaremos outras muito melhores para que o público possa escolher qual a melhor para você.

    O jovem Maximus sentiu o sangue gelar e questionou:

    — Espera, o público?

    — Claro! Você definitivamente não tem capacidade para fazer escolhas realistas. — Dawana riu com a naturalidade de quem acabara de explicar que dois mais dois são quatro.

    — Como vocês conseguiram informações sobre minha vida? — Quintus protestou, dando a impressão de que tinha apertado o botão errado num elevador que o transportava direto para o seu passado mais constrangedor.

    A apresentadora do reality show sorriu com a precisão plástica de quem já treinou para dar boas-vindas ao caos ao vivo.

    — Meu noivo tem uma equipe de investigação muito eficiente. E quando digo eficiente, quero dizer que descobriram coisas que nem sua própria mãe sabe.

    Antes que o silêncio respirasse, uma senhora da plateia se ergueu com fúria geriátrica, mas foi bloqueada pelos seguranças antes que pudesse dar o segundo passo.

    — Mentira! — gritou com o orgulho ferido e a coluna torta, feito quem coleciona segredos há décadas — Eu sei de tudo. Até daquela noite em Valparaíso!

    Quintus gira o rosto, incrédulo, tal qual se alguém tivesse aberto um arquivo lacrado dentro da cabeça dele.

    — Isso é invasão de privacidade! — protestou.

    Das dezenas de telas penduradas pelo salão, a imagem holográfica de Dawana piscou com aquele sorrisinho irritantemente calmo.

    — Isso é entretenimento. E educação para o mundo reconhecer o melhor homem disponível no mercado de relacionamento. — ela corrigiu com a paciência de uma professora explicando tabuada para um aluno especial.

    — Chegou o momento de espiar mais de perto esse cafajeste que virou febre. Acreditem, queridos telespectadores: a vida escondida dele é um prato cheio de surpresas.

    — EU NÃO SOU CAFAJESTE! — protestou prontamente na velocidade da luz, à semelhança de alguém que acredita que a velocidade é argumento.

    — Ah, não? — ela arqueou uma sobrancelha — E a vida secreta? Vai dizer que também não tem?

    As pálpebras do jovem Maximus tremularam. Uma vez. Duas. Três vezes, feito um semáforo com defeito.

    — Vida secreta? Eu mal tenho vida normal.

    — Ah, meu querido Quintus. — Dawana sorriu, felina, feito quem brinca antes de atacar — Você tem tantos segredos que nem se lembra deles. Igual a um HD externo lotado de arquivos maravilhosos e esquecidos entre tantas coisas baixadas. 

    E foi nesse momento que ele percebeu que havia caído em uma armadilha muito mais elaborada do que imaginava. Um novo telão gigante desceu do teto, e em conjunto com os outros monitores menores, o rosto da apresentadora do reality show ampliou-se em um close mais sorridente do que a ética permitiria. 

    — Começamos com uma revelação bombástica… — Dawana anunciou no tom exagerado de apresentadora de programa de auditório prestes a girar a roleta da vergonha — Nosso conquistador profissional aqui não tem limite etário nem sindical, viu? Pegou a Dona Jabá, advogada e sindicalista aposentada de 67 anos. Diz ele que não discrimina sindicato… nem carteirinha de idoso!

    — EU NÃO CONHEÇO NENHUMA DONA JABÁ! — Quintus berrou, quase engasgando com a própria saliva. Numa tentativa desesperada de se esconder da humilhação pública, ele se jogou atrás da máquina caça-níqueis mais próxima, mas apenas conseguiu que suas penas de galo ficassem presas na alavanca. O resultado foi ele balançando feito um pêndulo enquanto tentava se soltar, criando um espetáculo ainda mais constrangedor.

    — Ah, mas ela se lembra muito bem de você, meu conquistador — Dawana sorriu, tal qual alguém que aprecia a arte de ver um homem em apuros, e depois lançou um olhar divertido, claramente achando um charme esse seu jeito de fugir — Dona Jabá, você pode nos contar sua versão?

    A câmera cortou para uma sala do sindicato, onde a mulher com pelo menos 10 arrobas estava sentada em uma poltrona de couro, com uma xícara de chá nas mãos e um sorriso travesso no rosto.

    — Claro, companheira! — disse Dona Jabá, com a doçura de uma santa e o olhar de uma pecadora convicta — Foi aqui nesta poltrona, numa tarde de terça-feira. O jovem chegou vestido de revolucionário comunista, com boina vermelha e tudo. Muito charmoso, diga-se de passagem.

    — NÃÃÃÃO! — Quintus escorregou dramaticamente até cair de joelhos no chão do cassino, à semelhança de alguém cujo destino tivesse puxado o tapete — Eu não me lembro de nada disso…

    A sindicalista se divertia, observando o chilique do jovem ‘caliente’. Mas o olhar dela já estava longe, mergulhado em lembranças quentes, feito quem ainda sente o cheiro de perfume de camelô daquele rapaz que caberia no colo dela… no colo e em outros lugares.

    — Ele disse que queria ‘lutar pela justiça social’ e que eu representava ‘a opressão capitalista que precisava ser… como ele disse… conquistada pela revolução’. — Dona Jabá disse, abanando-se com a mão, com o mesmo prazer de quem ainda saboreia o acontecido até hoje — Muito criativo. Me realizou um grande desejo carnal bem ali no meu sofá de couro italiano.

    — Isso não aconteceu! — Quintus exclamou, com o drama de quem descobre traição ao vivo em programa de auditório — Eu juro que isso não aconteceu!

    — Ah, mas aconteceu sim. E como aconteceu! — declarou Dona Jabá, lambendo os beiços — Ele ainda prometeu voltar na semana seguinte vestido de presidente Macron para libertar a minha… ‘França’ da opressão burguesa. Estou na resistência até hoje!

    O silêncio que seguiu parecia respeitar não apenas a idade da senhora, mas o peso histórico da revelação. Quintus, ainda ajoelhado, olhava ao redor como quem tenta fugir dos julgamentos, do olhar de sua família e da memórias de todos os telespectadores que transformariam isso em mais um meme viral: Guerreiro jovem invade sindicato, conquista idosa e foge sem assinar a carteira.

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