O ar do restaurante parecia ter ficado mais quente, ou talvez fosse apenas o efeito da cerveja e da situação insustentável na qual Quintus Maximus havia se metido. 

    O cheiro de madeira antiga misturava-se ao aroma de comida gordurosa e lúpulo barato, criando uma atmosfera que deveria ser reconfortante, mas que agora apenas ampliava sua sensação de sufocamento. O burburinho das conversas ao redor parecia distante, abafado pela pressão invisível que esmagava seus ombros.

    O suor frio escorria pela nuca, enquanto sua mente trabalhava a todo vapor, tentando recuperar o controle sobre a realidade. Sua visão, ainda um pouco embargada pelo álcool, focava no brilho da cerveja derramada sobre a mesa, um reflexo amarelado e vacilante que parecia simbolizar perfeitamente o estado da sua dignidade.

    Então, como um golpe inesperado, uma voz familiar cortou o ambiente e se instalou direto no centro do seu nervosismo.

    — Eu também gostaria de ouvir essa resposta.

    O tempo parou.

    Se não estivesse bêbado, e já suando frio, Quintus teria reconhecido aquele tom brincalhão de imediato. Mas sua mente embriagada só conseguiu processar três informações essenciais: 

    “Voz feminina… Conhecida… Problema.”

    Seu corpo reagiu antes mesmo de sua mente raciocinar. Ele virou-se lentamente, com a mesma cautela de alguém que abre a porta de um porão assombrado em um filme de terror. 

    E lá estava ela: Mirela. Braços cruzados, sorriso de quem se divertia com a cena e olhos cheios de uma malícia afiada, como se estivesse diante do espetáculo mais engraçado da noite.

    Por um breve e intenso momento, tudo ao redor deixou de existir. O restaurante, a música, a mesa pegajosa, a cerveja entornada, a elfa gigante, os risos abafados dos amigos traidores. Tudo desapareceu no instante em que o olhar de Mirela encontrou o seu.

    E então, como um soco invisível direto no estômago, a realidade se reconfigurou em sua mente. Mirela estava ali. E ele estava sentado ao lado de Magda.

    — M-Mirela? O que você tá fazendo aqui? — Finalmente depois de muito tempo ele conseguiu se pronunciar.

    — Eu trabalho aqui. — disse ela casualmente — Tô atrapalhando alguma coisa?

    Magda lançou um olhar breve para Mirela antes de voltar sua atenção para sua nova aquisição, ainda sorrindo. Mas seu sorriso agora tinha algo diferente. Não era mais apenas um gesto casual, e sim o tipo de sorriso que um predador exibe ao perceber que a presa está presa na própria armadilha.

    Havia um quê de diversão oculta em seus olhos, como se tivesse acabado de perceber que a noite estava prestes a ficar muito mais interessante. Ela apoiou um braço musculoso na mesa e inclinou-se levemente.

    — Hm. Curioso — falou Magda enquanto Quintus engoliu em seco — Ué, vocês se conhecem?

    Mirela abriu um sorrisinho perigoso, daquele tipo que fazia alarmes dispararem na cabeça do jovem. Sem pressa alguma, no caminho para se sentar, pegou a cerveja do irmão como se fosse um direito divino, girando levemente o copo entre os dedos antes de dar um gole casual, como se saboreasse não apenas a bebida, mas também a confusão.

    — Ah, pode-se dizer que sim. O Quintus sempre foi… interessado na minha família.

    O jovem Maximus quase engasgou outra vez, tossindo enquanto olhava para Gustavo, que apenas cobriu o rosto para não rir.

    — Ei! Não fala assim! Parece até que — tentei se defender Quintus que foi interrompido com um olhar divertido de Mirela. 

    — Parece o quê? — perguntou a garota — Que você sempre tenta impressionar meu irmão para ficar mais próximo de mim?

    Os dois amigos arregalaram os olhos e soltaram um longo “OOOOOH” sincronizado.

    Antes que Quintus pudesse responder, Magda bateu de leve no ombro dele com um soco que teria derrubado um cavalo, dizendo: 

    — Esquece essa garota. Você nem respondeu minha pergunta ainda, bonitão. Tá namorando?

    — Sim, Quintus. — insistiu mirella cruzando os braços — Responde aí. Você tá namorando?

    — Eu… — o cérebro do jovem estava em tela azul — Quer dizer… eu… não sei.

    — Não sabe? — repetiu Mirela, mordendo o lábio para segurar o riso.

    — Eu tô muito bêbado. — o jovem que acreditava que tinha reencarnado tentou se justificar, como se o álcool pudesse magicamente apagar as provas contra ele. Passou a mão no rosto e depois nos cabelos, como quem busca, no tato, um botão de emergência escondido na própria cabeça.

    Mirela inclinou-se levemente para o lado e apontou com um movimento casual na direção de Magda, sua expressão carregada de uma diversão perigosa.

    — É, deu pra perceber.

    A frase veio como um golpe sutil, mas certeiro, e atingiu Quintus antes que ele pudesse sequer se defender. Seus músculos tensionaram, e o calor do álcool em seu corpo foi rapidamente substituído por um frio repentino que lhe subiu pela espinha.

    — O que isso quer dizer? — perguntou, tentando soar tranquilo, mas sua voz traiu uma leve hesitação.

    Mirela não respondeu de imediato. Apenas sorriu. Mas não era um sorriso qualquer. Era o tipo de sorriso que precedia uma armadilha se fechando sobre a presa. Aquele brilho afiado nos olhos dela deixava claro que, por mais que Quintus tentasse escapar, já estava encurralado.

    — Só acho interessante como, depois de anos apaixonado por mim, você agora está… explorando outras possibilidades.

    Quintus arregalou os olhos. Sentiu o estômago afundar, como se tivesse acabado de perder o chão.

    — Que possibilidades!? — gesticulou descontroladamente, sentindo que precisava se agarrar a algo para não desmoronar — Eu só tô sentado aqui!

    Mirela ergueu as sobrancelhas, inclinando a cabeça para o lado como se estivesse analisando um enigma óbvio demais.

    — Aham. — fez uma pausa dramática, cruzando os braços — E quem senta junto de você?

    A pergunta pairou no ar como um trovão prestes a explodir. Quintus piscou, o cérebro funcionando em câmera lenta, forçando-se a juntar os elementos da equação antes que fosse tarde demais. A simples ideia de olhar para o lado já parecia um risco de vida.

    Mas, inevitavelmente, seus olhos se moveram. E então, lá estava Magda. Sorrindo. E, como se o universo quisesse garantir que Quintus não perdesse nenhum detalhe da sua desgraça iminente, ela piscou para ele.

    O gesto foi pequeno, quase inocente, mas carregado de um peso desconcertante. O ar ao redor pareceu vibrar com uma tensão quase palpável, densa como se alguém tivesse acabado de segurar a respiração coletiva no restaurante.

    Quintus sentiu o peso dos olhares sobre si, um julgamento silencioso vindo de todas as direções, como se estivesse no centro de um tribunal improvisado onde todos já conheciam a sentença. Menos ele.

    O ruído do restaurante, o farfalhar dos talheres, os murmúrios dispersos, o tilintar dos copos, deslizava ao fundo, um eco distante e insignificante. Porque o verdadeiro palco estava ali, naquela mesa.

    Mirela, ainda com aquele sorrisinho afiado, apoiou o queixo na mão e fingiu casualidade, mas cada palavra que saía de sua boca era milimetricamente calculada para aprofundar o buraco onde Quintus havia caído.

    — Aham. — Ela tamborilou os dedos na mesa, como quem saboreia o momento — Então, me conta… mais dessa sua nova fase?

    — Como assim? — perguntou ele piscando. Primeiro devagar, depois rápido demais, como se tentasse reiniciar o próprio cérebro.

    Mirela não precisou de palavras. Apenas inclinou ligeiramente a cabeça e fez um pequeno gesto com o queixo na direção de Magda. O peso do gesto caiu sobre Quintus com força, mas sua mente já comprometida pelo álcool se recusava a interpretar a mensagem de imediato. Ele alternou o olhar entre Mirela e Magda, tentando pescar alguma conexão invisível que justificasse aquilo.

    — Bem… — Mirela continuou, com a paciência cruel de alguém que sabia que o melhor da piada ainda estava por vir — Você sempre teve um tipo específico. Agora eu vejo que sua mente está mais… aberta.

    Quintus franziu a testa, sentindo uma pontada de frustração crescer dentro dele enquanto pensava: 

    “Por que todo mundo naquela mesa parecia estar jogando algum jogo oculto e ele era o único sem as regras?”

    — Mente aberta? — Ele repetiu, gesticulando como se pudesse tornar seu ponto mais claro — Desde quando sentar à mesa com alguém significa mudar de vida? Eu só tô sentado tomando uma cerveja!

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