A tensão na mesa parecia uma corda esticada prestes a se romper. Quintus sentia o suor frio escorrendo pela nuca, enquanto sua mente tentava, sem sucesso, entender por que diabos ele estava sendo julgado por simplesmente estar sentado ali. 

    O barulho ao redor, conversas misturadas, tilintar de copos, passos apressados das garçonetes, parecia se tornar cada vez mais abafado, como se o universo estivesse dando destaque especial à sua humilhação pública.

    Ele olhou para os rostos ao redor. Mirela ainda exibia aquele sorrisinho afiado. Magda continuava relaxada, bebendo sua cerveja como se o assunto não fosse sobre ela. Ou talvez justamente porque fosse. 

    Leon e Gustavo? Ah, esses já tinham desistido de disfarçar. A expressão deles era a de documentaristas vendo um predador encurralar a presa na savana. Quintus apertou os olhos e soltou um suspiro cansado.

    — Mente aberta? — Ele repetiu mais uma vez como se não acreditasse no que tinha ouvido — Não tô fazendo parte de uma seita!

    O riso cessou por um breve instante. Foi quase como se um botão de pausa invisível tivesse sido apertado na realidade. 

    Os olhares se cruzaram ao redor da mesa, e, por um segundo, todos pareciam reavaliar se suas mentes estavam funcionando direito. Talvez o álcool, a comoção do momento ou simplesmente o absurdo da situação tivesse afetado seu raciocínio, mas eles precisavam ter certeza de que tinham ouvido aquilo corretamente.

    Porque, sem sombra de dúvida, essa era a pior tentativa de defesa já feita na história da humanidade.

    Leon piscou lentamente, como se desse tempo ao cérebro para processar. Gustavo apertou os lábios, segurando o riso com todas as forças, mas sua expressão já denunciava que era inútil. Mirela inclinou ligeiramente a cabeça, como se estivesse analisando um enigma complexo, até que finalmente se rendeu à verdade absoluta do momento: não existia explicação lógica para o que Quintus acabara de dizer.

    E então, tudo desabou novamente. O primeiro a rir foi Leon. Depois, Gustavo. Mirela durou mais alguns segundos antes de soltar uma gargalhada alta e satisfeita. Magda, que havia permanecido neutra até então, finalmente riu também, inclinando a cabeça para trás e batendo a palma da mão na mesa.

    Mas o pior de tudo? O restaurante inteiro explodiu em gargalhadas. O evento já não era apenas uma piada interna entre amigos. Havia virado um espetáculo público. Garçons, clientes, até um senhor de idade na mesa do canto que claramente não tinha ideia do contexto… todos riam como se testemunhassem a comédia do ano.

    Quintus olhou ao redor, sentindo o peso da humilhação global cair sobre seus ombros. Definitivamente, essa era a pior noite da sua vida. E ele precisava de ajuda. 

    Assim, o jovem Maximus lançou um olhar de puro desespero para Leon, como se implorasse por um resgate. Não encontrou nada além de um sorriso travesso e olhos brilhando de pura diversão. Virou-se para Mirela, na esperança de que ela, ao menos, aliviasse a situação, mas o brilho afiado no olhar dela deixava claro que ela não estava ali para salvar ninguém. Estava ali para assistir ao espetáculo.

    Por fim, relutante, voltou-se para Magda. E lá estava ela, ainda sorrindo, como se tudo aquilo fosse a coisa mais natural do mundo.

    Foi nesse momento que a verdade o atingiu como um soco no estômago. Ninguém ia ajudá-lo. Ninguém. E o pior do pior? Ele sequer entendia por quê.

    Antes que pudesse tentar uma nova fuga mental, Magda percebeu a troca de olhares insistente entre ele e Mirela. Seu sorriso se alargou levemente, e, sem hesitar, estalou os dedos na frente dos dois, como uma professora chamando a atenção de alunos distraídos:

    — Ei! Tô aqui, viu?

    Quintus deu um leve sobressalto, voltando bruscamente ao presente. O espetáculo estava longe de terminar.

    — Certo, saquei. Você só é amiga dele. Melhor assim.

    — Melhor, assim como? — perguntou o jovem Maximus. 

    Magda ignorou a pergunta. Pegou o copo de cerveja e virou o restante do líquido num único gole, largando-o com força na mesa como se fosse um martelo de juiz anunciando um veredito.

    — Beleza. Então se apressa, gata — disse ela para Mirela — Teu turno vai começar, e eu tô oficialmente de folga. Então se apresse, pois vou precisar de uma garçonete que preste.

    — Então é assim que funciona? Terminou o expediente e já se senta para ser atendida?

    — Lógico! — reafirmou Magda — Tenho que aproveitar os privilégios.

    Antes que Mirela pudesse responder, Magda bateu a mão enorme no ombro de Quintus, quase fazendo seu copo pular da mesa.

    — Aliás, já que estamos aqui, bonitão, bora sair amanhã. A gente pode pegar um cineminha, comer alguma coisa… o que me diz?

    Silêncio. Mirela, ainda ao lado, abriu um sorriso de puro entretenimento enquanto Gustavo tripudiar:

    — Nossa, Quintus. Você tá requisitado, hein?

    Ele sentiu o olhar de todos sobre ele e sua mente embriagada travou.

    — Eu adoraria ver essa resposta. — disse Mirela. 

    — Todos nós gostaríamos. — disse Leon. 

    — Eu só quero ver se ele tem como fugir dessa. —  murmurou Gustavo, segurando o riso. 

    Quintus abriu a boca para responder. Nada saiu. Ele tentou de novo, mas apenas um engasgo constrangido escapou, como se seu próprio cérebro tivesse decidido abandonar o cargo no pior momento possível. As palavras simplesmente não existiam.

    Magda observou sua luta interna com pura diversão, como quem assiste um filhote tentando subir uma escada pela primeira vez. Sem pressa, ergueu uma das mãos e deu um tapinha firme em seu ombro, o peso do gesto reverberando pelo corpo inteiro dele quase deslocando sua coluna. 

    — Não precisa responder agora, não. — disse ela, com um sorriso cheio de significado — Mas pensa direitinho. Eu gosto de caras decididos.

    Quintus sentiu pela primeira vez naquela noite, a cerveja não parecia forte o suficiente.

    A mesa ainda tremia com as gargalhadas estrondosas de Leon e Gustavo, cúmplices no crime do constrangimento público. Eles não apenas assistiam ao desastre, mas se aproximavam cada vez mais, como fãs empolgados que invadiram o tapete vermelho da última temporada de uma novela mexicana. 

    O brilho nos olhos deles deixava claro: esse era o tipo de desastre que entraria para os arquivos oficiais do grupo, pronto para ser relembrado em cada aniversário, cada churrasco, cada rodada de cerveja no futuro. E o melhor? Quintus nem fazia ideia de que essa era apenas mais uma página no livro da sua própria humilhação.

    — Cara, eu tô até arrepiado. — disse Gustavo, fingindo secar uma lágrima — Isso aqui tá melhor do que qualquer série de suspense.

    — Pois é! — completou Leon, segurando o celular na altura do peito — Eu não sei se isso vai acabar em romance, tragédia ou luta livre.

    Quintus respirava fundo, tentando manter o pouco de sobriedade que ainda lhe restava. Seu coração estava fora de controle, e ele sentia um calor subir pelo rosto, como se seu corpo estivesse prestes a entrar em curto-circuito. Isso não podia estar acontecendo.

    Ele só queria uma noite tranquila, beber sua cerveja, talvez comer algo frito e rir das desgraças alheias. Mas, de alguma forma, ele tinha se tornado novamente a desgraça da noite. E, pior ainda, parecia que todo mundo sabia disso antes dele.

    Magda, que até então apenas se divertia com o caos instalado, inclinou-se levemente sobre a mesa, apoiando os antebraços e observando como um gato que assiste um rato cair diretamente na armadilha. O sorriso dela era relaxado, mas havia algo a mais ali: um brilho enigmático nos olhos, uma satisfação silenciosa.

    — Relaxa, bonitão — disse inesperadamente Magda, com a calma de quem já tinha tudo sob controle — Você já me conhece há tempos.

    A frase atingiu Quintus com o peso de um soco invisível. Seu corpo congelou. Sua mente, já entorpecida pela bebida, tentou reagir, mas tudo que conseguiu foi acionar um alarme mental ensurdecedor:

    “O quê?”

    Seus músculos retesaram. Cada célula do seu corpo gritava em alerta máximo, mas nenhuma oferecia uma solução. “Como assim ‘há tempos’? De onde ela tirou isso?!”

    — Como assim? — conseguiu perguntar, embora sua voz tivesse saído mais alta do que pretendia.

    O impacto daquelas palavras foi imediato. Leon e Gustavo, que ainda se deliciavam com a situação, pararam de rir na mesma hora. O instinto dizia que algo muito, muito bom estava prestes a acontecer.

    — É, Magda. Como assim? — perguntou Mirela inesperadamente, mostrando uma curiosidade fora do seu tom habitual. 

    A garçonete sorriu de canto, como se estivesse gostando do suspense. Os olhos dela passearam entre Quintus e Mirela antes de inclinar-se um pouco mais para perto do jovem e sussurrar próximo do seu ouvido: 

    — Eu sabia que você não ia se lembrar. Mas tudo bem… amanhã eu te lembro.

    Ela fez uma pausa calculada, permitindo que o efeito dramático fosse absorvido antes de completar agora muito mais audível:

    — Pessoalmente!

    Quintus travou. Seus neurônios entraram em pane, correndo em círculos sem rumo, enquanto seu cérebro tentava, em vão, acessar algum arquivo oculto que justificasse aquela declaração. Mas tudo que ele encontrou foi um grande e aterrorizante vazio.

    Foi nesse momento que o restaurante inteiro vibrou com um sonoro e sincronizado:

    — OOOOOOOH! 

    — Isso tá cada vez melhor! — disse Leon, segurando ainda mais firme o celular.

    Gustavo, ainda assimilando o que acabara de ouvir, cruzou os braços e soltou um sussurro teatral:

    — Eu não tô preparado pra essa revelação… Será que a gente descobre primeiro do que ele?

    Quintus piscou repetidamente, tentando formular uma frase coerente. Mas sua mente só conseguia reproduzir as palavras ‘te lembro pessoalmente’ em um loop infinito e aterrorizante. Já Mirela estranhamente não estava rindo, mas esse detalhe passou despercebido por todos.

    Magda se levantou, esticando os braços como quem se prepara para um treino pesado. Cada músculo se flexionou, tornando o momento ainda mais intimidador. Então, com um sorriso malicioso, inclinou levemente a cabeça para ele e piscou.

    — Até amanhã, gatinho.

    E ela saiu. O silêncio que se instalou foi quase reverente. Quintus continuava olhando para o nada, o olhar perdido em algum ponto distante da realidade, enquanto sua alma vagava pelo além tentando entender o que diabos tinha acabado de acontecer.

    Mirela foi a primeira a quebrar o silêncio, soltando uma gargalhada exagerada antes de deixar escapar, no fundo, palavras que soavam mais como um pensamento do que como uma piada:

    — Bom… agora eu tô realmente ansiosa pelo amanhã.

    — A gente precisa de mais cerveja — falou Leon, tentando conter o riso enquanto escondia o rosto atrás do cardápio que acabara de pegar.

    — E de um testamento em nome do nosso amigo. — completou Gustavo, balançando a cabeça em aprovação.

    Quintus permaneceu imóvel. Não sabia o que era pior: não lembrar da elfa musculosa chamada Magda ou saber que o amanhã estava cada vez mais perto. Talvez, só talvez, ele devesse fugir do país antes do amanhecer.

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