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    Não muito tempo atrás, precisamente na era das Grandes Guerras das Raças, na terceira e última delas, um pequeno vilarejo se destacava como um refúgio afastado da grande desordem e das matanças desenfreadas que transbordavam ganância por um tesouro já esquecido. 

    O local era acolhedor, tanto para os moradores quanto para forasteiros, e embora muitos visitantes não demonstrassem maldade, alertavam sobre os perigos iminentes, especialmente para os inocentes aldeões.

    Este vilarejo pertencia à guerreira.

    Naquela época, ela era apenas uma criança, correndo pelos campos abertos e brincando com seus irmãos e primos. Tinha cerca de quatro anos, mas já era esperta como alguém muito mais maduro. 

    Suas manhãs eram dedicadas às brincadeiras e as tardes a ajudar seus pais e irmãos durante o almoço, jantar e aos afazeres domésticos. Apesar da casa humilde, sua vida era marcada por uma felicidade genuína.

    Porém, essa felicidade não durou muito tempo.

    Em uma guerra, mesmo que as terras estejam distantes do confronto principal, não significa que o conflito não alcance seus confins. 

    A Grande Terceira Guerra das Raças, dominada pela raça criada pelos elfos em uma tentativa de sobrepujar todas as outras com seus planos, tornou-se não só a ruína dos Humanos e Anões, mas também a dos seus próprios criadores.

    Naquele vilarejo, onde a maldade era quase inexistente, um exército liderado por um Majin desconhecido passava, varrendo tudo em seu caminho, de construções a pessoas. 

    Embora não vissem o local como uma ameaça, decidiram eliminar todos ali presentes. Eram brutais o suficiente para exterminar até os mais jovens.

    Após essa brutalidade sem fim, que assolou o vilarejo, uma sobrevivente emergiu dos escombros. 

    A guerreira, protegida por sua mãe até o último momento, soltou-se de seus braços gelados, seus olhos azuis inocentes capturando cada detalhe aterrador que uma criança jamais deveria imaginar. 

    A verdade, seca como um deserto e bruta como um diamante, revelou-se diante dela.

    Durante anos, a pequena garota treinou com o único propósito de vingar aquele massacre. Descobriu logo após que os responsáveis eram os Majins, aqueles que durante a guerra espalharam destruição. 

    Sua mente era assombrada pelas memórias de sua família feliz, mas a visão mais perturbadora era a de seus entes queridos mortos ao seu lado, algo que alimentava sua determinação de vingança.

    Ano após ano, por longos e desgastantes quinze anos de treinamento incessante, ela teve finalmente a chance de se deparar novamente com a raça que aniquilou a paz de seu lar, a raça que massacrou a felicidade de muitos por nada além de uma guerra sem sentido.

    Finalmente, o momento esperado finalmente chega. Ela está frente a frente com um Majin. A tensão no ar vibra, tornando-se palpável, a sintonia de sua respiração unida a adrenalina que pulsa mais e mais em suas veias gera um esforço monumental em seu ser. 

    As lembranças de sua infância, antes tão doces, agora são sombras que dançam na sua mente, lembrando-a constantemente do que foi perdido.

    Ela sabe que a batalha que se desenrolará não é apenas física, mas também uma luta por sua alma, uma chance de encontrar paz em meio ao caos que transformou sua vida.

    Um momento decisivo que possibilitará a ela resolver o conflito em seu coração.


    A atmosfera é tensa, pesada, envolvendo cada canto do ambiente. O aroma de cinzas vagueia enquanto as últimas brasas do feitiço de chama esmeralda de Evangeline se esgotam e desaparecem. 

    Ambas as combatentes, encarando cada movimento uma da outra, buscam contra-atacar ou se defender, acompanhadas pelo som rítmico de seus corações, que pulsam alto o suficiente para quebrar a harmonia silenciosa daquela sala macabra.

    A guerreira sente um sentimento estranho invadir seu corpo. Durante longos anos de treinamento, dedicados a vingar-se dos Majins, finalmente se vê diante de um. 

    No entanto, apesar de ter se preparado para este momento, ela hesita em avançar.

    “Durante tantos anos de minha vida, preparei-me para enfrentar um Majin. Cheguei ao limite do meu corpo inúmeras vezes, tudo para ser forte o suficiente em uma luta contra qualquer Majin. Mas parece que fui tola demais em acreditar apenas na minha memória de infância.”

    Sua vida, transformada de um momento calmo para um árduo treinamento em prol de sua vingança, fez a guerreira perceber o quão tola foi. Apesar de todo o seu esforço, sua força atual não supera a do Majin que está à sua frente.

    Enquanto é encarada pela adversária, Evangeline sente um arrepio percorrer sua nuca e descer por suas costas. 

    Os olhos da guerreira, estáticos, fixos em sua figura, fazem a meio-elfa perceber que essa humana, diferente dos habitantes de Nakkie que a temiam, a encara com um ódio quase palpável.

    “Esses humanos, realmente sentem um ódio imenso pelos Majins, pois foram a causa de suas antigas ruínas. Mas têm a capacidade de perdoar os elfos, os verdadeiros culpados por tudo. Não entendo essa capacidade de transferir toda a culpa para uma raça que foi apenas um produto de guerra. Não consigo ver a razão de verem qualquer Majin como um ser a ser caçado ou temido por todos.” Erguendo-se em uma pose ofensiva, suas mãos se cruzam, fazendo com que a nova adaga de Evangeline se torne uma pose de cruz inclinada junto ao seu ante-braço.

    O cenário ao redor parece vibrar com a energia acumulada das duas figuras. 

    Cada movimento, cada respiração, carrega o peso de uma história de dor, vingança e da sobrevivência. 

    As sombras nas paredes dançam ao ritmo dessa tensão, como se o próprio ambiente estivesse ciente da iminência do confronto.

    A guerreira, com seu rosto contorcido em uma expressão de determinação e ódio, sente seu corpo tremer. 

    A raiva e a frustração se misturam com a adrenalina, criando uma tempestade interna. Seus músculos, tensos e prontos para o combate, refletem a intensidade de suas emoções.

    Evangeline, por sua vez, sente uma mistura de medo e curiosidade. O olhar fixo da guerreira a faz questionar suas próprias habilidades e motivações.

    ”Não me importo com os outros majins, tudo que eu sei que, qualquer um que tente despejar sua angústia em mim, pagará caro… pagará bem caro!” Em questões de segundos, todo o corpo de Evangeline, dos pés a ponta das orelhas são cobertos por uma grossa camada de mana, formando uma defesa a ser invejada e surpreendendo a guerreira com o feito.

    ”Eu já esperava que ela fosse habilidosa, mas pensar que consegue conjurar uma defesa de mana tão rápido… Não posso abrir minha guarda. Se quero derrotá-la, preciso ter muito cuidado… porém…” Ela olha para seu braço aleijado, mordendo brevemente os lábios inferiores, preparando-se para o que fará a seguir. ”Não tenho outra opção, além de fazer isso.”

    De uma pose ofensiva, a guerreira crava sua espada no solo, surpreendendo Evangeline, que rapidamente questiona o ato.

    — O que houve com sua valentia? Decidiu que não vai mais atacar? Se desistir dessa ideia, posso ignorar essa sua bipolaridade para começarmos a buscar um jeito de sair daqui…

    — Heh…! Bipolaridade, você continua a repetir essa palavra que não conheço… Por acaso é algum código que só Majin sabem para zombar dos outros…?

    ”Vish… esqueci! Alguns termos ainda não foram reconhecidos ou inventados nesse mundo… Talvez ela pense que ser um bipolar é algum tipo de ofensa… se bem que… na Terra alguns usavam isso para ofender…”

    Percebendo que sua oponente não entende o novo termo, a meio-elfa tenta reformular suas palavras para dissuadir a guerreira de uma possível briga. Contudo, antes que pudesse falar, a guerreira complementa:

    — De fato, sua visão de mundo deve ser mais vasta que a minha em alguns aspectos. Afinal, sua raça marchou por todo o continente, destruindo tudo e matando qualquer um que cruzasse seu caminho… até… pessoas que nem demonstravam ameaça…

    — Pessoas que… Não, espera! Você está se precipitando, eu não sou esse tipo de…

    — Já chega! Você quer que eu abandone a ideia de te matar como se fosse mais fraca do que a mim, mas se isso fosse a realidade, eu não seria obrigada a me submeter a esse tipo de coisa! — Em um movimento rápido, a guerreira perfura seu ombro lesionado com seus dedos, mordendo os lábios para conter a dor.

    A atmosfera ao redor se torna densa e opressiva. O ar carrega o cheiro metálico do sangue e o eco das palavras cortantes. 

    O som abafado do impacto, quando a guerreira fere a si mesma, reverbera pelo espaço, misturando-se ao sussurro das sombras nas paredes.

    Evangeline, observando a determinação desesperada da guerreira, sente um calafrio descer por sua espinha. 

    — Mas o que… — Seus olhos se estreitam, tentando entender a profundidade do ódio que emana daquela figura diante dela. A tensão parece tornar o ar quase tangível, como se o ambiente estivesse prestes a explodir em um caos incontrolável.

    Dos dedos da guerreira, uma energia azul pulsante começa a penetrar em seu ombro, fazendo a região atingida brilhar em um tom azulado. 

    O brilho é intenso, mas o verdadeiro espetáculo se revela quando a energia mágica se torna como veias, entrelaçando todo o braço lesionado, transformando-o em um pedaço bruto e vigoroso.

    Subitamente, o braço da guerreira começa a se mover novamente. Uma porção enorme de suor escorre pelo corpo dela, fruto da dor imensa que suporta durante o processo de injetar mana em seus músculos e veias, tudo para recuperar o movimento do braço.

    — Ah… hah…! Dess… desse jeito… poderei lutar… — sua frase freia por um instante, seus olhos fixos na figura de Evangeline, que permanece surpresa com a cena anterior. Um sorriso rápido se desenha nos lábios da guerreira, que completa, ainda revelando certa dor. — Com tudo…!

    Uma onda invisível de intenção assassina varre o local, alcançando Evangeline, que por reflexo dá um passo para trás. 

    Uma diminuta gota de suor escorre inconscientemente por sua bochecha ao perceber que, de fato, a guerreira levará a luta a sério.

    — Então vai ser desse jeito… — Um sorriso inseguro se forma no rosto da meio-elfa. Ela queria evitar a luta a todo custo, mas agora parece inevitável. A única pessoa que ela encontrou na masmorra, por sua causa, pode acabar morrendo em suas mãos.

    ”Não tenho escolhas aqui. Tentei fazer ela desistir da ideia, mas parece que já está determinada a me matar… Droga… talvez seja o carma de quase ter deixado ela morrer antes… Tsk…! Não tenho escolhas… se ela quer me matar, não posso deixar ela viva.”

    — Que assim seja então… — A mão livre de Evangeline brilha com uma energia esmeralda, desencadeando em chamas vibrantes. 

    A sala, antes mal iluminada, agora se destaca com a luz penetrando nas paredes e no teto, revelando sombras tremeluzentes da meio-elfa e sua oponente.

    A guerreira, observando o movimento de Evangeline, entra em guarda, usando seu braço recuperado para portar a espada grande e pesada, enquanto a outra mão segura uma espada curta e leve.

    Em um movimento de arco com as mãos, Evangeline alisa a lâmina da adaga, cobrindo por completo o fio com as chamas esmeralda oscilantes, e ao finalizar, profere seu feitiço.

    『Emerald Sphere of Desolation: Hellblade Purgatio』! — Os olhos de Evangeline se enchem de determinação ao se sincronizar com as chamas esmeralda, que refletem em seu olhar rubi. 

    “Como eu havia pensado antes… ela consegue conjurar esse feitiço de chamas sem proferir encantamento nenhum… com certeza ela não é tipo de pessoa que possa ser ignorado… Além de tudo, ela sabe a arte de imbuir armas com atributos elementais, algo que aquela adaga foi criada para suportar!”

    Enquanto esses pensamentos cruzam a mente da guerreira, no momento seguinte, Evangeline percebe a característica peculiar de sua nova adaga. 

    Ao imbuir a lâmina com suas chamas esmeralda, nota que a adaga absorve completamente o poder, como se estivesse feita para tal propósito.

    “Essa adaga é sem dúvidas, superior ao que Anastácia fez para mim. Sinto que quando a imbuí com as chamas esmeralda foi como depositar água em uma vasilha; ela coube perfeitamente…” Um sorriso surge no rosto de Evangeline, fazendo a guerreira perceber que a meio-elfa notou a peculiaridade da adaga.

    “Tsk…! Heh… ela percebeu mais rápido do que eu havia imaginado… Bem, é melhor eu ir à luta antes que meu braço retorne ao normal.”

    — Majin, eu percebo que julguei levianamente, por isso lhe presenteio com o meu respeito. Eu me chamo Vívika, sou mercenária e uma guerreira que dedicou a vida para a luta. Espero que se lembre do meu nome após sua morte. — Sua declaração cortante é complementada com a espada longa que, em um movimento fluido, se move na direção de Evangeline.

    A espada traça um arco decrescente, movendo-se pesadamente em direção à meio-elfa, que permanece cabisbaixa, oculta pelas sombras da sala. Vívika imagina que sua oponente desistira da luta.

    Todavia, um tinido agudo ressoa quando a espada longa se encontra com a pequena lâmina da adaga de Evangeline, fazendo os olhos azuis de Vívika se arregalarem. 

    Com um sorriso confiante no rosto, Evangeline toma a liberdade de se apresentar.

    — É uma honra para mim usar este embate para lapidar minhas técnicas, por isso lhe darei a honra de saber o meu nome também! — Um sentimento energizante invade o corpo de Vívika, um formigamento após a voz calma de sua oponente cortar o silêncio em meio a pressão de seu ataque.

    Em um movimento em elipse, Evangeline sai do caminho da espada, fazendo a arma se chocar com a parede, provocando um poderoso barulho. 

    — O-O q-que…!? — Vívika se surpreende que, mesmo após a meio-elfa defender o golpe, a energia cinética do movimento da arma não se dissipara, fazendo com que toda a energia fosse liberada ao solo, destruindo boa parte do mesmo..

    Surgindo atrás de Vívika em uma pose agachada, Evangeline investe com sua lâmina apontada para as costas da guerreira, complementando sua sentença anterior no processo:

    — Você pode me chamar de… Linn.

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